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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Um Obstáculo Chamado Caluandismo

Enquanto o caluandismo continuar omnipresente em todas as esferas da nossa problemática sociedade, dificilmente conseguiremos promover o tão falado e esperado desenvolvimento económico, social e cultural de todo o território nacional.

Mas afinal o que é o caluandismo? O caluandismo é uma poderosa corrente política e socio-cultural que impõe, entre nós, a férrea manutenção de Luanda como único palco da vida política, económica, cultural, social e administrativa do nosso imenso País. Assim, para os partidários desta poderosa corrente «Angola é Luanda, o resto é paisagem» e qualquer indivíduo cujo B.I. comprove ser natural de Luanda é, automaticamente, mais «evoluído», mais patriota e mais angolano do que qualquer outro compatriota. E o caluandismo apresenta-se como uma das mais perigosas enfermidades da nossa problemática sociedade, pelo triste facto de interferir profunda e negativamente na formação da consciência nacional, nas maneiras de viver a angolanidade e de pensar o País.

É importante esclarecer que condenar o caluandismo não é estar contra os naturais de Luanda (caluandas). Além de mais, a dura realidade prova-nos que ser caluandista não é, necessariamente, ser caluanda. Isto porque, há naturais de Luanda que não são caluandistas e há grandes caluandistas que não nasceram na capital do País.

Quem são, então, os caluandistas? No contexto desta reflexão, tanto são caluandistas os caluandas que acreditam que fora de Luanda não existe Angola nem angolanos e se acham mais cidadãos e mais patriotas por serem da capital (caluandismo activo), como os angolenses que se julgam injustiçados por não serem oriundos de Luanda e que, para compensarem essa maldição, ignoram as suas regiões de origem e encaram a adopção dos sistemas de hábitos, de crenças e de valores da região da capital como única forma de se afirmarem como patriotas e de sobreviverem como angolanos (caluandismo passivo).

E porquê que afirmamos que o caluandismo interfere profunda e negativamente na formação da consciência nacional, nas maneiras de viver a angolanidade e de pensar o País? Porque na mentalidade caluandista, os nascidos nas «províncias» são cidadãos incompletos e duvidosos patriotas. Por isso, para beneficiarem do estatuto de bons angolanos, usufruírem das benesses da nacionalidade e movimentarem-se com sucesso nas rígidas fronteiras do caluandismo, eles terão de passar por um duro e rigoroso processo de avaliação bem como superar, com distinção, três hierárquicos critérios de purificação.

Critério da pele: Luanda sempre foi uma cidade «crioula» e até a grande imigração branca do início do século XX, era uma urbe dominada por mestiços que desempenharam importantes papéis de intermediários durante a escravatura. E, depois do comércio de escravos, ocuparam posições chaves no comércio, no funcionalismo civil, na imprensa, no exército e na política. Como os caluandistas avaliam a dignidade dos angolanos de acordo com a pigmentação da pele, todos os brancos e mestiços oriundos dos mais variados recantos angolanos ou nascidos nos mais remotos lugarejos do País não são molestados pelo facto de não terem tido o divino privilégio de nascerem em Luanda. E, graças à clareza das suas epidermes, são, automaticamente, naturalizados caluandas, circulando à vontade nas fronteiras do caluandismo. Mesma sorte, porém, não têm os «forasteiros» de pele escura. Para se moverem à vontade no universo caluandista, os negros oriundos da «província» precisam de superar, com êxito, o critério seguinte.

Critério político: Este é o primeiro dos critérios que avaliam a angolanidade e o patriotismo dos negros nascidos longe da capital. A politização da sociedade angolana e o longo conflito fizeram de Luanda o viveiro dos verdadeiros patriotas e a sede da pura angolanidade e do autêntico nacionalismo. Aliás, o próprio conceito de nacionalismo «angolano» foi deploravelmente caluandizado. Assim, os negros tidos como verdadeiros nacionalistas e que realmente militaram na luta anti-colonial são: os agregados na Liga Africana e no Ngola Ritmos; os que constam da lista do chamado processo dos 50; os desterrados para o Tarrafal e os que frequentaram a Casa dos Estudantes do Império, o Clube Marítimo e o Liceu Salvador Correia. E a intensa politização da sociedade angolana, iniciada após o 25 de Abril de 1974, agravou essa visão caluandista de nacionalismo. E desde então, os negros oriundos da dita «província» passaram a ser tidos como quase angolanos, maus patriotas e duvidosos nacionalistas.

Para contradizerem essa fatal opinião e passarem a ter expressão no contexto da angolanidade, os negros não caluandas tinham de dar incontestáveis provas de que eram fervorosos militantes ou acérrimos simpatizantes do MPLA, que é, para muitos, a expressão política do caluandismo. É este fenómeno que explica o fanatismo político dos negros da «província» que trabalham nos principais órgãos de informação do Estado, que militam no «Partido» e chegaram às altas figuras do Governo.

Critério geográfico: Os negros que não nasceram em Luanda e que cometeram o imperdoável erro de não serem acérrimos adeptos ou militantes inconfundíveis da mais pura organização política de Angola, para não serem incluídos na lista dos banidos da angolanidade, terão de ser do «Norte», ou seja, terão de ser originários do Bengo, Malange e Kwanza-Norte, Províncias que, a par de Luanda, delimitam a antiga região onde durante séculos estiveram circunscritas a presença portuguesa e a acção colonial. Os portugueses apelidavam de Ngola à região que os caluandistas denominam «Norte». Assim, os ngolas são os únicos negros não caluandas que, para terem expressão válida no conceito da angolanidade, não precisam de ser fervorosos apoiantes do Governo do MPLA.

É necessário esclarecer que a noção de pontos cardeais que todos aprendemos em geografia não coincide em nada com a dos caluandistas. Para eles, e por causa da herdada mentalidade colonial, todas as regiões que existem depois de Luanda, Bengo, Malange e Kwanza-Norte não fazem parte do «Norte». Assim, os nortenhos de Cabinda, do Uige e Mbanza Congo são «zairenses» e «congoleses». E até os nordestinos das Lundas são tidos como sendo do «Sul». O mais curioso é que quando, por exemplo, um clube de Luanda vai competir no Namibe, os caluandistas, julgando estarem numa Província do interior, alegam ser-lhes difícil jogar «longe do litoral».

Outra das vertentes do critério geográfico tem a ver com os nomes. Como reza a história, os negros da região de Luanda foram os mais lusitanizados dos nativos. É, por isso, muito difícil encontrar um caluanda com um apelido africano. Daí existir muita gente do tão desprezado «sul» que não é importunada pelos caluandistas, graças ao completo aportuguesamento dos respectivos nomes ou à oportuna limpeza ou omissão dos seus apelidos do «Sul». A lógica dos caluandistas é esta: é negro e não tem nenhum nome «feio», então é do «Norte». E, assim, quando sabem que um Joaquim Domingos Lemos é natural de Saurimo, os ufanos caluandistas exclamam: “com esse teu nome nem pareces do «Sul»!”.

4 comentários:

Anónimo disse...

O vosso blog é interessante dou-lhes o meu apoio. Mas, este artigo sobre o "caluandismo", convenhamos, não presta nada um serviço bom a unidade entre os povos de Angola. Me refiro mesmo aos angolanos! Quando se trata de angolanos, convem acharmos solucoes e teses que não nos possam suscitar divisão ou induzir ao tribalismo. O termo "caluandismo" me parece ser tendencioso. Porque não dar-se o termo de "eduardismo", "savimbismo", "Mpla-governismo" ou outro?

Boa continuação!

Michelangelo disse...

Estava a pesquisar blogs lusófonos e encontrei o vosso. Interessante este artigo mas, de facto, essa tende a ser uma tendência nos países que possuem um único grande centro: essas grandes cidades acabam por funcionar como o polvo chegando a todo o lado e chamando até si muitas pessoas de outras cidades e assim contribuindo para enfraquecê-las ainda mais. Em Portugal também sofremos o mesmo síndrome: também por cá existe há muito o lema Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. Eu como sou natural, e desde 1 ano novamente residente, da ilha da Madeira (logo bem longe de Lisboa) estou bem solidário com esse vosso sentimento. Gostei de encontrar o vosso blog e espero ser um visitante assíduo. Um abraço português.

Cátia disse...

Ola!!!Vejo que sao muito activos no relacto dos ultimos eventos em Angola...Eu sou uma estudante em Inglaterra que esta neste momento a fazer uma investigacao sobre se Angola tem provisoes de jurisdiccao universal implementadas ou incluidas na legislacao nacional. Este projecto sera publicado por isso necessito a mais exacta informacao. Porem estou com alguns problemas em encontrar a informacao que necessito...gostava de vos pedir que se estao interessados em ajudar-me me mandem um email catia8850@hotmail.com

MUITO MUITO OBRIGADA!

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom