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quinta-feira, 25 de março de 2010

Os Velhos Problemas de Angola

Em 1937, há exactamente 73 anos, HENRIQUE GALVÃO Fez esta douta análise da problemática da Angola de então:

"Afirmam uns que o problema de Angola, é um problema financeiro enquanto outros asseguram que é antes um problema económico. Há quem sustente que é puramente um problema político e quem conclua que não passa de um problema de povoamento (...) Nós julgamos que em Angola existem, simultaneamente, todos estes problemas e que todos eles pedem com a mesma urgência soluções práticas. Não há pois um problema: há um conjunto de problemas, estreitamente dependentes no seu desenvolvimento e nas suas soluções, em Angola como em toda a parte- e em Angola, mais do que em qualquer outra parte, agravados pelos efeitos dum período longo e doloroso de incertezas, de fracassos, de fatalidades, de erros, de pecados, de tentativas mal começadas e naturalmente pior acabadas, de improvisações, de obras mal estudadas, etc.".

Fonte: HENRIQUE GALVÃO, Angola: Para Uma Nova Política, Vol. I, Livraria Popular, Lisboa 1937, pp. 57-58.

Henrique Galvão (1895-1970) teve uma actividade política intensa. Foi Governador da Huila (sul de Angola) em 1929. Em Março de 1949 publica um incómodo relatório sobre as condições da colonização em Angola. Em 1961, lidera o assalto ao paquete de luxo Santa Maria.

terça-feira, 16 de março de 2010

Angola Já Nasceu Mal Governada

Sob os auspícios do Governo português, realizou-se, entre 10 e 15 de Janeiro de 1975, a denominada Cimeira de Alvor, durante a qual foi rubricado um acordo de entendimento entre os três movimentos de Libertação e ficaram definidos os processos e mecanismos que conduziriam a completa autonomia de Angola. O jornal A Província de Angola abriu a sua edição de 16 de Janeiro com o título «INDEPENDÊNCIA A 11 DE NOVEMBRO. Angola governada por angolanos a partir de 31 de Janeiro».

No último dia de Janeiro tomava posse o Governo de Transição composto por representantes de Portugal e dos três movimentos de libertação (MPLA, UNITA e FNLA).

Ao Governo Português cabia nomear os ministros da Economia, das Obras Públicas, Habitação e Urbanismo e dos Transportes e Comunicações.

O Dr. Vasco Vieira de Almeida foi o homem escolhido para assumir a pasta da Economia. Quatro meses depois da tomada de posse do Governo e perante a acelerada deterioração do ambiente sociopolítico de Angola, ele enviou uma histórica carta ao Governo de Transição de Angola e aos líderes dos Três movimentos.

Eis a carta que prova que mais do que a dura guerra «que nos foi imposta», a má governação, caracterizada essencialmente pela falta de capacidade de gestão economico-administrativa e de uma vontade política madura, consciente e responsável por parte dos nossos dirigentes é a grande responsável pela longa estagnação nosso promissor país:

Durante breve lapso de tempo após a minha chegada a Angola, julguei possível contribuir para consolidar e reforçar a plataforma de entendimento a que aparentemente se chegara em Alvor. Vejo agora que tal é impossível e entendo dever tomar a atitude que livremente considero mais justa. A hora é tão grave que não é legítimo falar senão com clareza (...)

Estava perfeitamente consciente, como é óbvio, das diferenças ideológicas profundas entre os movimentos, mas tinha a esperança de que- sem que ninguém abdicasse das suas próprias convicções- seria possível encontrarmos em comum fórmulas de actuação que visassem reconquistar para os oprimidos e explorados deste país, a dignidade perdida.

Surgiu-me, como evidente, que numa terra com tão graves injustiças e tão terríveis desigualdades, era necessária uma profunda reforma das estruturas sociais, e que a luta de classes entre os estratos de interesses tão violentamente opostos, constituiria desde o início, um elemento fundamental do processo (...)

Não contava porém com a miopia política daqueles que, não contentes em precipitar o conflito no tempo, provocaram uma luta militar suicida de que a única vítima é o povo que também dizem representar, correndo o risco de aniquilar à partida o projecto pelo qual tantos se bateram e morreram durante catorze anos de luta contra compatriotas meus (...)

A verdade é que neste momento quem abate milhares de velhos, mulheres e crianças em todos os pontos do país, são angolanos. São angolanos também, aqueles que executam irmãos seus, com uma selvajaria indescritível. São ainda angolanos que espalham a fome, o terror, a violência e o pânico em todo o território.

E que fez o governo durante este período? Praticamente nada, excepto revelar a sua absoluta incapacidade e irresponsabilidade. O governo (...) não funciona como corpo organizado. Limita-se por isso a ser a arena estéril de debates intermináveis, onde todos os problemas de administração são cuidadosamente escamoteados. É impossível impor o menor plano de acção, porque cada um pretende ter o seu feudo privativo onde ridiculamente possa dar importância à sua própria imagem.

Uma boa parte dos governantes é totalmente incompetente, mas nem sequer disso tem consciência, perdendo o seu tempo em escaramuças caricatas para obtenção de miniprestígios de fachada. As decisões não se tomam; e quando se tomam não se cumprem. Reina a mais completa indisciplina (...)

Em reflexos primários de nacionalismo mal entendido, destroem-se ingénua ou propositadamente as próprias estruturas vitais do país, com a ideia de que com o que sobra dos escombros será possível reconstruir de novo, sem se pensar nos tremendos custos sociais e nos terríveis sacrifícios e sofrimentos humanos que esse caminho fatalmente impõe, não se atendendo sequer na dramática experiência de outros países de África antes de Angola.

Apelida-se Portugal e o Governo Português (...) de neocolonialistas, quando quem está a preparar o país para novas formas de colonialismo- não certamente português, e bem mais duro ainda- são alguns angolanos pela maneira como actuam (...)

Enquanto estiver neste cargo, que não pedi, cabe-me apontar a prepotência e a incapacidade venham de onde vierem, e tenho o dever único de defender os superiores interesses da Nação Independente que Angola quer ser (...)".

Fonte: VALDEMIRO DE SOUSA, Angola: A Guerra e o Crime, Ed. Formação, s/l 1976, pp. 140-144.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Contra os Adeptos e Torcedores da Paz Definitiva!

“Ninguém se iluda de que a simples ausência de guerra, apesar de tão desejada, seja sinónimo de paz duradoura. Não há paz verdadeira, sem equidade, verdade, justiça e solidariedade. Está destinado à falência qualquer projecto que deixe separados dois direitos indivisíveis: o direito à paz e o direito a um progresso integral e solidário. As injustiças, as excessivas desigualdades de ordem económica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens, são uma constante ameaça à paz e provocam as guerras”.
PAPA JOÃO PAULO II


Caros defensores da Paz definitiva.
Nesta fase em que precisamos de aprender as lições da maldita guerra e «inventarmos», juntos, um modelo de Estado que seja capaz de unir e conciliar os angolanos, corrigir as profundas desigualdades socioeconómicas, tornar menos sensíveis e menos virulentas as inevitáveis conflitualidades e limpar fermentos da guerra, não há nada mais perigoso do que a vossa inabalável convicção de que a paz tornou-se, entre nós, irreversível e absolutamente consolidada. Não há nada mais prejudicial do que a vossa absoluta certeza de que estamos definitivamente reconciliados, cada vez mais unidos e prontos a trilhar os caminhos do progresso e do bem-estar social. Para vocês, a guerra que nos desgraçou foi um acidente de percurso, um fenómeno excepcional que jamais voltará a ensombrar as nossas vidas!

Caros adeptos e torcedores da Paz definitiva! A meu ver, o vosso grande problema reside no facto de proclamarem a vossa tão gabada paz definitiva partindo da errada ideia de que Angola é uma realidade política especial e isolada do resto do mundo. Por isso, não querem saber das lições da história. Não querem ouvir os conselhos dos experientes nem aprender com os longos erros da humanidade.

Caros torcedores da Paz definitiva! Mas vocês acham mesmo que é de agora e só aconteceu em Angola a existência de 3 líderes que disputavam o poder absoluto?
Vocês acham bom fiar-se na crença de que Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi só guerrearam entre si e nunca se entenderam por causa dos obscuros interesses das potências que sempre cobiçaram as riquezas de Angola?
Vocês julgam que é novidade o estrondoso enriquecimento de Eduardo dos Santos?
Vocês pensam que a feroz e cruel disputa entre MPLA e UNITA e tudo o que aconteceu até a morte do Líder do Galo Negro é original e só aconteceu em Angola?
Vocês acreditam mesmo que as causas do longo conflito estão definitivamente enterradas no túmulo de Jonas Savimbi?

Pois é, fazem mal pensarem assim! É que não há nenhuma novidade em tudo o que temos visto em Angola.

Muito antes de Jesus Cristo ter nascido, já um sábio tinha escrito: «O que foi ainda será. O que foi feito far-se-á. Não há nada de novo debaixo do sol. Ninguém pode dizer “eis, aqui está uma coisa nova” porque ela já existia nos tempos passados» (ECLESIASTES 1, 9-10).

Para reforçar estes argumentos, quero partilhar convosco um texto bíblico extraído do livro de DANIEL e escrito há mais de 2000 anos. No texto, o Profeta Daniel pressagia a derrocada e divisão do vasto Império Persa.

A Pérsia, sobretudo na fase denominada Aqueménida (648 a.C.-330 a.C.) foi o maior, o mais rico e o mais poderoso império do mundo de então. Era uma espécie de EUA da época. Contudo, as ambições, as injustiças, a ganância, a incompetência e profundas rivalidades dos governantes de então contribuíram para o surgimento de longas e mortíferas disputas que enfraqueceram e dividiram o império e precipitaram a sua derrocada.

Eis, então, o texto de DANIEL (DAN 11, 1-45):

“Haverá na Pérsia ainda três reis. O quarto ultrapassará em riqueza todos os outros. (...)
O rei do sul tornar-se-á valoroso (...) e depois evitará atacar o rei do norte durante alguns anos. Entretanto, os filhos do rei do norte prepararão a guerra, reunindo grande multidão de tropas, que, espalhando-se qual torrente, invadirá, reaparecerá e levará as hostilidades até a fortaleza dele.

Irritado, o rei do sul sairá para atacar o rei do norte. Como ele, porá em pé de guerra um numeroso exército, e as tropas inimigas lhe serão entregues. Após o aniquilamento destas tropas, inchará de orgulho. Matará dezenas de milhares, sem que com isso se torne mais forte.

O rei do norte, convocará novamente um exército mais numeroso ainda que o primeiro e, alguns anos depois, avançará no meio de extensas tropas e de uma grande comitiva.
Por esta ocasião, muitos povos se levantarão contra o rei do sul e homens impetuosos hão-de surgir dentre o teu povo, para cumprir a visão, mas serão mal sucedidos.

Virá então o rei do norte, levantará trincheiras e apoderar-se-á de uma cidade bem fortificada. Nem os exércitos do rei do sul, nem mesmo as suas hostes de escol, o deterão; não haverá força que lhe resista. O invasor procederá conforme quiser, sem que alguém lhe possa fazer frente (...) À frente de um grande exército contra o rei do sul, dará novo impulso às suas forças e coragem.

Por sua vez o rei do sul envolver-se-á na luta com um exército numeroso e muito forte, mas não poderá resistir em virtude das conjuras maquinadas contra ele. Os que com ele comem finas iguarias o hão-de arruinar, debandará o exército e muitos homens cairão feridos de morte (…)

Então chegará o termo da sua vida e ninguém lhe prestará auxílio”.



José Maria Huambo