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terça-feira, 29 de junho de 2010

Quem São os Verdadeiros Inimigos da Pátria?

Sou filho de uma sociedade intensamente militarizada, profundamente politizada e onde, durante longos anos, a força e a prepotência primaram sobre a razão e o Direito. Faço parte de uma geração que cresceu sob uma cultura de medo, terror e opressão das consciências. Por isso, nunca escondi os medos que sinto em partilhar convosco as minhas experiências e expor, publicamente, as minhas ideias.

Há 6 anos que o Semanário Folha 8 faz questão de publicar as minhas reflexões. E movido pelo desejo de partilhar as minhas ideias com o maior número possível de angolanos e amigos de Angola, há 5 anos que elas são divulgadas no blogue «Angolainterrogada».

Acontece que essa exposição pública tem-me trazido alguns incómodos. É que as pessoas que não se revêem na minha forma de pensar e sentir Angola recorrem com frequência aos ataques pessoais para rebaixar as minhas ideias e demover-me das minhas convicções.

Sou um orgulhoso filho do Huambo. Nunca risquei este facto dos meus documentos e sempre assumi publicamente as minhas origens, mesmo durante os dolorosos anos de guerra em que ser do Planalto Central era uma espécie de maldição. Por isso, tenho conseguido tolerar os insultos dos tribalistas que me apelidam de agente dos obscuros interesses da UNITA e me acham menos angolano por ser do Huambo.

Sou um cidadão ciente dos seus direitos e das suas obrigações cívicas. Mas sei perfeitamente que não é fácil exercitar a cidadania e questionar o rumo do País, numa altura em que, entre nós, ganhou força a ideia de que Angola está definitivamente bem. Por isso, tenho conseguido suportar os ataques pessoais dos fanáticos seguidores do governo de Eduardo dos Santos que me consideram mais um elemento do grupo de opositores do nosso esforçado governo e me colocam no grupo de agentes ao serviço das forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance.

Há, contudo, uma ofensa que eu não aceito nem tolero: Dizerem que eu não sou um verdadeiro angolano por estar sempre a falar mal de Angola e não ser capaz de reconhecer o grande esforço do governo.

Desculpem lá, mas isso eu não aceito. Não admito que questionem o meu patriotismo e ponham em causa a minha angolanidade pelo simples facto de opinar, abertamente, sobre a amarga realidade do nosso problemático País e recusar-me a aceitar, cegamente, as velhas técnicas de maquilhagem dos problemas que têm emperrado o nosso promissor país.

Os fanáticos apoiantes do Governo têm imensas dificuldades em libertar-se da mais eficaz técnica de propagada imposta pelo MPLA de dos Santos: a armadilha da politização dos problemas de Angola.

Tudo em Angola está politizado. Lembro-me, por exemplo, de, no auge do conflito angolano, ir a um almoço em que os convidados que escolhessem comer o funge de milho eram considerados da UNITA e os que escolhessem comer funge de mandioca eram do MPLA!

Tudo em Angola está politizado. Se reclamas dos governantes, exerces os teus direitos e exiges uma vida digna, és automaticamente colocado no grupo daqueles que são contra o glorioso MPLA; passas a ser conotado com a oposição. Enfim, passas a ser visto como mau angolano e inimigo da pátria.

Assim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que se conformam perante o desigual usufruto dos lucros das nossas riquezas. São aqueles que não fazem caso da mediocridade dos nossos dirigentes. São aqueles que toleram os desmandos dos nossos políticos. São aqueles que louvam o mau desempenho dos governantes na gestão dos nossos recursos e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos.

Não há em Angola um sistema de saúde eficiente. Os angolanos não conseguem ser tratados com humanismo e competência em Angola, em Hospitais angolanos e por médicos angolanos. Os dirigentes continuam indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e persistem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Assim, mínima tosse, lá estão eles a correr para as clínicas da Namíbia. Para arrancar o dente, vão à África do Sul. Para fazer análises, vão ao Brasil. Para serem bem cuidados e aumentarem mais uns anos de vida, vão às clínicas de Portugal, Espanha e Inglaterra.

E todos os angolanos têm sido obrigados a seguir o mau exemplo dos dirigentes. Por isso, quem protesta e exige um sistema de saúde digno é, automaticamente, colocado no grupo daqueles que são contra o glorioso MPLA; passa a ser conotado com a oposição. Enfim, passa a ser visto como mau angolano e inimigo da pátria.

Assim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que não exigem o pleno usufruto das condições médicas e medicamentosas que lhes permitam viver neste mundo o mais tempo possível. São aqueles que aceitam calados as miseráveis condições dos hospitais públicos e o desumano estado da saúde nacional. Enfim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que andam de óbito em óbito e aceitam como vontade de Deus a imerecida morte dos seus entes queridos por causa de doenças facilmente curáveis.

José Maria Huambo











segunda-feira, 21 de junho de 2010

Angola é Rica Pra Quem?

Faço parte de uma geração que sobrevive atormentada por um permanente conflito entre o promissor paraíso que as enormes potencialidades deste nosso grande e belo País nos proporcionariam e o real inferno gerado pelo nosso desastroso desempenho na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

É bonito, sim senhor, contemplar as favoráveis projecções estatísticas sobre a nova era angolana, amplamente, divulgadas pela comunidade internacional. É animador ouvir os especialistas estrangeiros garantirem que somos a economia do mundo que mais cresce e que seremos, de longe, o mais próspero país de África.

Mas o doloroso regresso a Angola real obriga-nos a reavaliar as projecções das organizações internacionais e a repensar as garantias dos especialistas estrangeiros. Por isso, e por mais que doa e custe a muitos, a minha geração precisa de questionar, repensar e debater tudo aquilo que se tem dito sobre as míticas riquezas de Angola.

O General Iko Carreira (1933-2000), um dos mais influentes nacionalistas que lutaram pela independência de Angola e que foi braço direito de Agostinho Neto, escreveu no seu livro «O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto» estas ideias que devem merecer a nossa contínua reflexão: «Essa história de considerar Angola como um país potencialmente rico só a tem prejudicado, fazendo muita gente deitar-se à sombra da bananeira, à espera que a riqueza caia do céu, por milagre. Todos os países são potencialmente ricos. O que precisam para serem ricos de facto é de uma percentagem de gente que os desenvolva. E Angola não é excepção. Ou encontra essa gente e desenvolve-se, ou não a encontra e continua na pobreza e numa crescente mendicidade».

Assim, não podemos continuar a repetir cegamente que o nosso país é rico. Temos, agora, a obrigação de pensar como cidadãos e indagar se as nossas condições de vida estão ao nível dos nossos vastos recursos. Temos de perguntar se os nossos governantes têm gerido de forma competente essas tão gabadas riquezas. Temos de procurar, valorizar e promover a percentagem de gente capaz de organizar e desenvolver o país.

Então, os angolanos são assim tão ricos e têm condições de se afirmarem como potência africana?Não. Porque a maior riqueza de um país é o conhecimento do seu povo. Conhecimento é poder. Conhecimento é riqueza. Conhecimento é desenvolvimento. Por isso, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que investem no seu povo e apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

Os Filósofos e estudiosos do conhecimento dividem o saber humano em 3 formas:

Em primeiro lugar, temos o saber-puro. O conhecimento geral e abstracto do mundo que nos rodeia. O conhecimento que procura saber como as coisas são e como se relacionam. Os gregos designavam esse saber por sofia (σoφíα)e os romanos por sapientia. Assim, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que apostam maciçamente na educação de todo o seu povo e proporciona-lhes todas as condições para se valorizarem continuamente e irem até aos limites das suas capacidades.

Depois temos o saber-agir. Trata-se de um conhecimento prático que se baseia na ética e nos valores universalmente aceites. É aquele saber que se apoia no conhecimento do justo e do injusto. Do bem e do mal. Enfim, é um saber que nos leva a discernir e escolher os meios mais adequados para realizar o bem, concretizar um projecto e atingir um objectivo. Os gregos designavam esse saber por frónesis (Φρόνησις) e os romanos por prudentia. Assim, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países cujos cidadãos no seu relacionamento com o Estado, com a sociedade e com os outros se baseia em em sólidos valores éticos e morais moldados ao longo dos anos pela educação e pela cultura. Eis os principais valores: grande respeito pelas leis do País e pelos direitos dos outros; a integridade e a responsabilidade em todas as áreas da sociedade; disciplina a dedicação ao trabalho; cultura financeira e esforço pela poupança e investimento.

Finalmente, temos o saber-fazer. Os gregos denominavam esse saber por tekné (τέχνη) e os romanos por ars, artis. É um saber realizável. Um conhecimento que se baseia na aptidão criativa das pessoas, no domínio das tecnologias e a na capacidade de transformar as matérias-primas. Segundo um artigo da wikipédia «A tekné grega, bem como a ars latina referiam-se não só a uma habilidade, a um saber fazer, a uma espécie de conhecimento técnico, mas também ao trabalho, à profissão, ao desempenho de uma tarefa. O técnico era aquele que executava um trabalho, fazendo-o com uma espécie de perfeição ou estilo, em virtude de possuir o conhecimento e a compreensão dos princípios envolvidos no desempenho». Disto resulta que só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que investem no conhecimento tecnológico e possuem as técnicas e os meios necessários à execução de uma tarefa.

Perante isto, é fácil concluirmos que Angola nunca foi rica para os angolanos. Primeiro, por culpa dos colonialistas que durante 500 anos afastaram os nativos de Angola do pleno e livre acesso aos lugares de aquisição do conhecimento cultural, científico e tecnológico. Depois, por culpa exclusiva dos dirigentes angolanos que não querem investir no seu povo nem apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

E o pior de tudo isso é que, mediante complicados sistemas de justificação, teimamos em sustentar um poderoso sistema político-militar absolutamente empenhado em preservar o estado de ignorância e facilitar o enriquecimento pessoal daqueles que, há mais de 30 anos, ajudam os estrangeiros no saque organizado e inteligente dos nossos recursos.

Portanto, Angola está muito longe de ser rica para os angolanos porque existe entre nós uma espécie de «obscurantismo económico», ou seja, não temos consciência do real valor das nossas riquezas. Desconhecemos o enorme potencial do nosso país na economia mundial. Ignoramos as regras do mercado mundial. Não sabemos tirar partido das nossas riquezas nas negociações e nos acordos de cooperação. Desconhecemos por completo as técnicas de transformação e rentabilização das nossas matérias-primas. Enfim, reina entre nós uma cíclica e crónica crise de conhecimento.

É por isso que Angola é um país rico e maravilhoso para o poderoso grupo de países que conhecem o real valor dos nossos recursos naturais (saber-puro), sabem como agir para ter acesso fácil e contínuo às nossas riquezas (saber-agir) e têm a capacidade, a técnica e os instrumentos susceptíveis de transformar e valorizar preciosas as matérias-primas que tiram de Angola (saber-fazer).

Assim, os estrangeiros que estão a correr em massa para Angola sabem que a sobrevivência da economia dos seus países e a contínua prosperidade dos seus povos dependem em grande parte das preciosas matérias-primas existentes em Angola. E tirando partido do nosso «obscurantismo económico», há décadas que sabem que para não perderem a preciosa galinha de ouro não podem falar mal de Angola nem questionar a notória incompetência dos seus políticos; sabem que é obrigatório bajular os dirigentes do país e proporcionar à elite político-militar de Angola uma pequena fasquia dos fabulosos lucros do saque organizado e inteligente dos recursos de Angola.

Um exemplo prático do nosso «obscurantismo económico»: Quem vive no Lubango (Ex- Sá da Bandeira), todos os dias vê colunas de camiões a levarem grandes blocos de pedras para o porto do Namibe (Ex- Moçamedes) para serem enviados para a Europa. Somos um país pobre porque desconhecemos o real valor daquelas pedras que os europeus tanto procuram. Por isso, vivemos contentes com as ilusórias comissões e os baixos salários que as empresas extractivas pagam aos angolanos.

Pedreira de Granito Negro no Lubango-Huila-Angola

Ricos são os europeus que nos pagam um dinheirinho pelas nossas valiosíssimas pedras de granito negro, levam-nas para a Europa e vendem-nas aos seus irmãos da industria de granitos e mármore que sabem transformá-las em placas polidas.



Ricos são os europeus que vendem essas valiosas placas em granito negro aos seus irmãos da indústria de construção civil que usam as placas polidas nos acabamentos de vivendas e edifícios de luxo. Muito ricos ficam os construtores e os agentes imobiliários que vendem os imóveis de luxo da próspera Europa, pomposamente ornamentados com o valiosíssimo granito negro de Angola.













José Maria Huambo
Semanário Folha 8

















segunda-feira, 7 de junho de 2010

Porque é Que os Dirigentes não Conseguem Pôr Luanda em Ordem?

O caótico e degradante estado da cidade de Luanda apresenta-se como o microcosmo exemplar das enormes dificuldades que os angolanos enfrentam na condução do seu destino colectivo. Trata-se, afinal, de um problema cultural e que já dura há 500 anos.

Para ajudar-nos a analisar as causas e consequências dos problemas de Luanda, escolhemos esta fotografia da bela Avenida dos Combatentes, exemplo vivo de como era a capital do país antes da independência.

A projecção, ordenamento, construção, organização, gestão e administração de uma cidade obedecem a técnicas e regras inventadas, desenvolvidas e melhoradas pelo génio humano e brilhante trabalho de várias civilizações e que os europeus levaram para os novos mundos de que África fazia parte.
Assim, fascinados pelos hábitos e pelos aspectos materiais da vida que os europeus exibiam, os nativos de Angola começaram a alimentar o desejo de serem como os colonos: falar como eles, conviver com eles e aprender com eles.

Esse desejo de absorver os hábitos e as técnicas dos colonos fazia parte de um processo normal de evolução que os humanos sempre praticaram.

Por exemplo: os gregos evoluíram convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria dos antepassados que foram adaptadas, melhoradas e transmitidas pelos fenícios e egípcios. Os gregos transmitiram essas técnicas aos romanos. Estes adoptaram-nas, melhoraram-nas e transmitiram ao cristianismo. A civilização cristã absorveu e melhorou as velhas técnicas que herdou dos romanos e as transmitiu aos europeus. Estes pegaram nas técnicas que compõem o vasto património cultural da humanidade e levaram para África.

E seria, por isso, natural que os africanos quisessem evoluir convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria da civilização europeia. Mas tal não aconteceu. Porque os colonos, mediante complicados e sofisticados sistemas de justificação, afastaram os africanos dos centros de aprendizagem das técnicas de planeamento, urbanização, construção, gestão, administração e conservação de uma cidade.

Assim, em 500 anos de presença portuguesa nenhum negro de Angola chegou a ser presidente da Câmara de Luanda ou director dos grandes departamentos da Câmara. Enfim, nenhum indígena chegou a marcar presença nos lugares cimeiros de gestão e administração da cidade.

Isto foi fatal para a Angola independente. Porque os dirigentes que passaram a administrar a cidade capital faziam parte do grupo de guerrilheiros que nada percebia de projecção, planificação, urbanização e gestão de uma urbe como Luanda.

Vejamos o que disse o Presidente Eduardo dos Santos nos inícios dos anos 80 durante um comício no Lubango:

Nos primeiros anos da nossa independência nós fomos promovendo compatriotas e camaradas para muitos postos de direcção e de responsabilidade, muitas vezes sem o conhecimento técnico exigido, sem o conhecimento técnico necessário (..) Promovemos apressadamente alguns operários para a direcção de empresas, para a direcção de alguns serviços públicos e nem sempre eles tinham a capacidade técnica para resolver os problemas.

Mas o pior não é isso. O mais grave é que há 30 anos que o Presidente insiste em promover e nomear Comissários e Governadores notoriamente incompetentes e que implantaram nas estruturas do Governo Provincial de Luanda um poderoso sistema circulatório de péssimos hábitos de planificação, gestão, administração e conservação da cidade capital.

E o mau hábito dos dirigentes procurarem a solução privada dos problemas que afectam a cidade de Luanda é, de longe, aquele que mais se destaca. Assim e seguindo os maus exemplos dos nossos dirigentes, cada um de nós procurou apenas criar e desenvolver a sua «própria Luanda»: Demarcamos o nosso território. Escolhemos os nossos cidadãos. Erguemos a nossa própria rede de fornecimento de luz eléctrica e de abastecimento de água e passamos a cuidar apenas da nossa casa ou apartamento.

E levados pela exclusiva procura do nosso próprio bem-estar, desenvolvemos uma impressionante indiferença pelas condições da Luanda dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e de todos os angolanos.

Por causa disto, a Avenida dos combatentes, que era um dos orgulhos dos luandenses, transformou-se nesta dolorosa imagem de caos, degradação e desorganização:

O lastimável estado desta importante artéria da capital faz parte do vergonhoso património de inúmeros problemas que afligem a cidade de Luanda. Trata-se de situações que afectam, gravemente, a qualidade de vida dos luandenses, a imagem de Luanda e o bom nome de Angola.

E ninguém consegue pôr Luanda em ordem porque os graves problemas foram politizados. Assim, são tidos como apoiantes do Governo, bons cidadãos e luandenses exemplares aqueles que viverem indiferentes à miséria, ao caos e à degradação da cidade. E os conscientes cidadãos que ousarem chamar a atenção dos constrangedores problemas de Luanda são tidos como detestáveis apoiantes da oposição, fracos patriotas e maus luandenses.

Por isso, os problemas se arrastam e Luanda continua mergulhada no caos e a definhar numa vergonhosa degradação.

José Maria Huambo