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terça-feira, 14 de setembro de 2010

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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Angola: Um País Sem Problemas

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Não há nada mais prejudicial ao novo rumo de Angola do que o complexado hábito de procurarmos passar, forçosamente, ao mundo a enganadora imagem de sermos um país perfeito e pacificado. O nosso famigerado orgulho não tolera que as pessoas digam que Angola ainda tenha os típicos problemas de um país do chamado Terceiro Mundo. Para os patriotas mais exaltados Angola é, hoje, um país sem problemas e que se afirma, definitivamente, como uma grande potência.

Por exemplo, sabemos todos que a corrupção é um dos graves problemas de Angola. Rafael Marques assumiu o risco de denunciar alguns esquemas de corrupção considerados crimes nos países sérios e democráticos. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Em África, Angola é um exemplo a seguir e que o Rafael Marques não passa de um corrupto ao serviços de organizações estrangeiras que insistem em atacar, de forma tão baixa, a soberania de Angola e a honra dos seus governantes.

Toda a gente sabe que Angola é um país ensombrado pelas profundas desigualdades socioeconómicas. Temos a vergonhosa fama de sermos um país onde a riqueza ostensiva de alguns privilegiados convive lado a lado com a pobreza extrema da maioria. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Somos um país de respeito. Muitos líderes africanos fazem tudo para adoptar o nosso modelo. Na Europa temos o respeito dos países da União Europeia. Os Estados Unidos da América estreitam cada vez mais as relações com Angola. Os especialistas do FMI estiveram no nosso país e deram nota excelente ao desempenho da nossa economia.

Todo o mundo sabe que os dirigentes angolanos têm fracassado na promoção do desenvolvimento harmonioso do País e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos. Toda a gente sabe que Angola é orgulhosa dona de um dos mais inoperantes modelos de Estado, de uma das mais ineficazes estruturas de gestão governativa e de um dos mais corruptos aparelhos de administração pública. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Tudo não passa de uma conspiração das organizações que mais se destacam na guerra contra a honra da pátria e dos seus dirigentes. Porque os países influentes, os líderes respeitados e as instituições que sabem avaliar o desempenho dos governos e das economias, estão sempre a elogiar o desempenho do nosso Presidente da República, do Executivo e das principais figuras da política angolanas.

Mas, afinal, onde andam os problemas de Angola? É que um pouco antes de 4 de Abril de 2002 éramos, ainda, cotados como um dos mais problemáticos países do mundo.

A difícil procura das razões do estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade levou-me a viajar no tempo e rever um dos mais bizarros comportamentos da minha memorável infância.

Quando éramos miúdos púnhamos as nossas aprazíveis brincadeiras acima de quaisquer outros aspectos considerados importantes da nossa vida em sociedade. Aliás, é hoje ponto assente e unânime considerar a brincadeira como um dos aspectos fundamentais do desenvolvimento da criança. Mas, os nossos zelosos encarregados de educação não entendiam assim. Por isso, desde cedo, queriam fazer-nos «maduros» e «responsáveis», obrigando-nos a eleger os estudos e as lides domésticas como prioridades absolutas.

Não era, por isso, de estranhar que tivéssemos desenvolvido fortes resistências aos trabalhos domésticos. Assim, mal vínhamos da escola, partíamos logo para a gostosa diversão. E durante as férias chegávamos a desaparecer o dia inteiro. Só que os «inimigos» da brincadeira não dormiam em serviço. Estavam sempre atentos às nossas minuciosas manobras. Assim, mal se apercebiam da nossa fuga aos sagrados deveres, procuravam agir de imediato. E o pior de tudo é que era, sempre, no auge da brincadeira que os zelosos encarregados de educação gostavam de nos chamar ou ir buscar para arrumar e limpar a casa, lavar a loiça, varrer o pátio, levar recados, etc., etc.

E perante a inevitabilidade da autoritária chamada, os mais medrosos abandonavam a brincadeira voluntariamente contrariados. Para os mais duros, abandonar a diversão era um acto tão difícil que só saíam dela sob dolorosas séries de «cocos» na cabeça ou forçosamente arrastados pelos impulsos dos puxões de orelhas.

Por tudo isso, era óbvio que chegássemos à casa sem a mínima motivação para cumprir os sagrados deveres impostos pelos «inimigos» da brincadeira. E não era, por isso, de estranhar que, no momento de executar as lides da casa, e no claro intuito de apenas satisfazer as caprichosas exigências dos zelosos encarregados de educação e para, rapidamente, podermos voltar à diversão, fizéssemos tudo mal e às pressas.

Assim, ao arrumarmos a casa, muito lixo era atirado para debaixo dos tapetes e das camas ou deixado detrás das portas. Só limpávamos o pó dos objectos absolutamente visíveis. Apenas passávamos o pano do chão nas superfícies mais usadas. E ao varrer o quintal ou o passeio, o mais pequeno buraco ou arbusto servia para esconder o lixo.

Pois é, meus caros. As razões que estão por detrás do súbito e estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade são muito semelhantes aos bizarros comportamentos da minha memorável infância. Porque pelos vistos, ainda continuamos a colocar a diversão acima de quaisquer outros aspectos importantes da nossa vida em sociedade. Está a custar-nos deixar de brincar aos «bons governantes», aos «grandes países», aos «cowboys», à «estátua ninguém lhes mexe», à «bica oposição», ao «povo cego», ao «caçumbula as riquezas de Angola», ao «35 vitória de alguns», etc.

Quando nos chamam para «arrumar» e «limpar» a nossa problemática sociedade comportamo-nos como crianças contrariadas por deixarem a gostosa brincadeira. Assim, e no claro intuito de, apenas, impressionar e satisfazer as exigências dos estrangeiros que vivem entre nós, negoceiam com os nossos dirigentes, colaboram com as instituições da nossa sociedade e visitam o nosso intrigante país, temos feito tudo mal e às pressas.

Assim, temos sido muito bons a esconder o imenso «lixo» da nossa conturbada sociedade debaixo do tapete da guerra e detrás das portas da Paz. Dos velhos e empoeirados problemas do povo só temos passado o pano do pó nos problemas absolutamente visíveis. Só nos empenhamos em passar o pano do chão nas superfícies onde circulam os estrangeiros…