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terça-feira, 14 de setembro de 2010

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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Angola: Um País Sem Problemas

OUVIR:




Não há nada mais prejudicial ao novo rumo de Angola do que o complexado hábito de procurarmos passar, forçosamente, ao mundo a enganadora imagem de sermos um país perfeito e pacificado. O nosso famigerado orgulho não tolera que as pessoas digam que Angola ainda tenha os típicos problemas de um país do chamado Terceiro Mundo. Para os patriotas mais exaltados Angola é, hoje, um país sem problemas e que se afirma, definitivamente, como uma grande potência.

Por exemplo, sabemos todos que a corrupção é um dos graves problemas de Angola. Rafael Marques assumiu o risco de denunciar alguns esquemas de corrupção considerados crimes nos países sérios e democráticos. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Em África, Angola é um exemplo a seguir e que o Rafael Marques não passa de um corrupto ao serviços de organizações estrangeiras que insistem em atacar, de forma tão baixa, a soberania de Angola e a honra dos seus governantes.

Toda a gente sabe que Angola é um país ensombrado pelas profundas desigualdades socioeconómicas. Temos a vergonhosa fama de sermos um país onde a riqueza ostensiva de alguns privilegiados convive lado a lado com a pobreza extrema da maioria. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Somos um país de respeito. Muitos líderes africanos fazem tudo para adoptar o nosso modelo. Na Europa temos o respeito dos países da União Europeia. Os Estados Unidos da América estreitam cada vez mais as relações com Angola. Os especialistas do FMI estiveram no nosso país e deram nota excelente ao desempenho da nossa economia.

Todo o mundo sabe que os dirigentes angolanos têm fracassado na promoção do desenvolvimento harmonioso do País e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos. Toda a gente sabe que Angola é orgulhosa dona de um dos mais inoperantes modelos de Estado, de uma das mais ineficazes estruturas de gestão governativa e de um dos mais corruptos aparelhos de administração pública. Mas o Jornal de Angola diz que é tudo mentira. Tudo não passa de uma conspiração das organizações que mais se destacam na guerra contra a honra da pátria e dos seus dirigentes. Porque os países influentes, os líderes respeitados e as instituições que sabem avaliar o desempenho dos governos e das economias, estão sempre a elogiar o desempenho do nosso Presidente da República, do Executivo e das principais figuras da política angolanas.

Mas, afinal, onde andam os problemas de Angola? É que um pouco antes de 4 de Abril de 2002 éramos, ainda, cotados como um dos mais problemáticos países do mundo.

A difícil procura das razões do estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade levou-me a viajar no tempo e rever um dos mais bizarros comportamentos da minha memorável infância.

Quando éramos miúdos púnhamos as nossas aprazíveis brincadeiras acima de quaisquer outros aspectos considerados importantes da nossa vida em sociedade. Aliás, é hoje ponto assente e unânime considerar a brincadeira como um dos aspectos fundamentais do desenvolvimento da criança. Mas, os nossos zelosos encarregados de educação não entendiam assim. Por isso, desde cedo, queriam fazer-nos «maduros» e «responsáveis», obrigando-nos a eleger os estudos e as lides domésticas como prioridades absolutas.

Não era, por isso, de estranhar que tivéssemos desenvolvido fortes resistências aos trabalhos domésticos. Assim, mal vínhamos da escola, partíamos logo para a gostosa diversão. E durante as férias chegávamos a desaparecer o dia inteiro. Só que os «inimigos» da brincadeira não dormiam em serviço. Estavam sempre atentos às nossas minuciosas manobras. Assim, mal se apercebiam da nossa fuga aos sagrados deveres, procuravam agir de imediato. E o pior de tudo é que era, sempre, no auge da brincadeira que os zelosos encarregados de educação gostavam de nos chamar ou ir buscar para arrumar e limpar a casa, lavar a loiça, varrer o pátio, levar recados, etc., etc.

E perante a inevitabilidade da autoritária chamada, os mais medrosos abandonavam a brincadeira voluntariamente contrariados. Para os mais duros, abandonar a diversão era um acto tão difícil que só saíam dela sob dolorosas séries de «cocos» na cabeça ou forçosamente arrastados pelos impulsos dos puxões de orelhas.

Por tudo isso, era óbvio que chegássemos à casa sem a mínima motivação para cumprir os sagrados deveres impostos pelos «inimigos» da brincadeira. E não era, por isso, de estranhar que, no momento de executar as lides da casa, e no claro intuito de apenas satisfazer as caprichosas exigências dos zelosos encarregados de educação e para, rapidamente, podermos voltar à diversão, fizéssemos tudo mal e às pressas.

Assim, ao arrumarmos a casa, muito lixo era atirado para debaixo dos tapetes e das camas ou deixado detrás das portas. Só limpávamos o pó dos objectos absolutamente visíveis. Apenas passávamos o pano do chão nas superfícies mais usadas. E ao varrer o quintal ou o passeio, o mais pequeno buraco ou arbusto servia para esconder o lixo.

Pois é, meus caros. As razões que estão por detrás do súbito e estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade são muito semelhantes aos bizarros comportamentos da minha memorável infância. Porque pelos vistos, ainda continuamos a colocar a diversão acima de quaisquer outros aspectos importantes da nossa vida em sociedade. Está a custar-nos deixar de brincar aos «bons governantes», aos «grandes países», aos «cowboys», à «estátua ninguém lhes mexe», à «bica oposição», ao «povo cego», ao «caçumbula as riquezas de Angola», ao «35 vitória de alguns», etc.

Quando nos chamam para «arrumar» e «limpar» a nossa problemática sociedade comportamo-nos como crianças contrariadas por deixarem a gostosa brincadeira. Assim, e no claro intuito de, apenas, impressionar e satisfazer as exigências dos estrangeiros que vivem entre nós, negoceiam com os nossos dirigentes, colaboram com as instituições da nossa sociedade e visitam o nosso intrigante país, temos feito tudo mal e às pressas.

Assim, temos sido muito bons a esconder o imenso «lixo» da nossa conturbada sociedade debaixo do tapete da guerra e detrás das portas da Paz. Dos velhos e empoeirados problemas do povo só temos passado o pano do pó nos problemas absolutamente visíveis. Só nos empenhamos em passar o pano do chão nas superfícies onde circulam os estrangeiros…

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Alguém Conhece Um Edifício Construído nos Anos 80 Pelo Ministério da Construção e Habitação?


O pessoal da minha geração vive, absolutamente, maravilhado com a nova faceta de Angola. Edifícios belos e moderníssimos. Estradas asfaltadas. Passeios novos. Ruas limpas e iluminadas. Jardins fantásticos com fontes luminosas.

Para essa geração que cresceu nas privações da guerra e do socialismo, essa nova e deslumbrante faceta de Angola é a prova categórica do enorme esforço do «Governo» e da grande capacidade dos nossos governantes.

Isto fez-me lembrar a primeira vez que saí de Angola para Portugal. Era a última semana do mês de Outubro de 1991. Tínhamos acabado de sair do penoso socialismo e estávamos sob os inebriantes efeitos do processo de paz e reconciliação saído dos acordos de Bicesse. Naquela altura, Portugal era um mundo novo para mim. Rendi-me, rapidamente, às fantásticas paisagens urbanas e às inúmeras ofertas do consumismo capitalista. Todos os bens de consumo que, nos duros anos do socialismo, achávamos inalcançáveis estavam ali expostos em grandes quantidades.

Queria partilhar as maravilhas que passei a ver todos os dias e impressionar o pessoal que ficou em Angola. Por isso, comprei uma máquina fotográfica Kodak e comecei a fotografar montras das lojas, hipermercados, ruas, jardins, edifícios, etc. Reuni um bom número de álbuns e entreguei-os a um portador que regressava a Angola.

Absolutamente convencido dos estragos que aquelas fotos iriam causar, esperei pela resposta dos meus familiares e amigos. Passado algum tempo, comecei a receber as tão esperadas cartas. Os meus irmãos, primos e amigos ficaram, naturalmente, maravilhados. Mas a minha mãe e os meus tios não!

Para minha grande surpresa, eles não acharam nenhuma novidade nos temas das fotografias que receberam. Antes pelo contrário: as suas cartas transmitiam uma dolorosa nostalgia da Angola do tempo deles. Minha mãe: «Filho, as montras que fotografaste fizeram-me lembrar as lojas de Nova Lisboa. Fizeram-me reviver os bons tempos em que andávamos de loja em loja a fazer compras». Minha tia: «Zezinho, a mana mostrou-me as fotos que mandaste. As fotos das ruas iluminadas e enfeitadas para o Natal fizeram-me lembrar as ruas do Huambo do nosso tempo. Eu adorava admirar aquele maravilhoso colorido nocturno. Ai que saudades!». Meu tio que já era um importante quadro da administração pública: «Zezinho, já vi as fotos que mandaste. Gostei, sobretudo, das fotos do Hipermercado de Braga. Fez-me lembrar o Pão de açúcar de Luanda. Aquilo era fantástico». Outro meu tio: «Zé, eu vi as fotos que mandaste para a mana. Fiquei com uma das fotos do magnífico jardim com a fonte luminosa. É para matar as saudades do tempo da nossa mocidade quando íamos com as namoradas aos jardins e tirávamos fotografias nas fontes luminosas do Huambo e do Lubango».

Fiquei chocado! Afinal, tudo o que, em 1991/92, eu estava a admirar em Portugal já havia em Angola?! Nos princípios dos anos 70 Luanda já tinha um grande hipermercado?! O Huambo já tinha lojas iguais as que admirei em Lisboa, Porto e Braga?! As cidades de Angola já eram limpas e organizadas, já tinham magníficos jardins e belas fontes luminosas e já eram tão bem iluminadas como as cidades de Portugal?!

Custou-me acreditar. Por mais que tentasse, não conseguia imaginar uma Angola como a que a minha mãe e os meus tios descreveram! Porque cresci a ver lojas com montras vazias e gradeadas. Acostumei-me a viver em cidades sujas, desorganizadas e constantemente sem luz. Habituei-me a conviver com ruas esburacadas, prédios degradados, jardins maltratados e fontes destruídas e a sem água.

Parti, então, em busca desta Angola maravilhosa que os nossos mais velhos conheceram. Devorei os livros com imagens da Angola dos meus kotas. E a internet dizimou todas as minhas dúvidas: As cidades e vilas de Angola eram modernas e magníficas.

O pessoal da minha geração pode conhecer Angola do tempo dos nossos pais e tios clicando neste link: http://www.sanzalangola.com/galeria/cidades.

Este regresso a Angola dos nossos kotas deixou-me indignado. É que passamos toda a nossa infância e adolescência a ouvir falar do mega projecto de Reconstrução Nacional. Os dirigentes socialistas diziam estar a reconstruir uma Angola que os colonialistas não souberam erguer. Tínhamos o Ministério da Construção e Habitação. Sempre tivemos Ministros, Vice-Ministros, Delegados Provinciais e vários funcionários que todos os dias iam trabalhar para os seus gabinetes e postos de serviço. Importamos imensa maquinaria pesada ligada ao sector da construção e engenharia civis. Enfim, o Estado gastou imenso dinheiro a sustentar o dito projecto de Reconstrução Nacional.

Mas, afinal, fomos sempre mantidos no obscurantismo e a tão falada Reconstrução Nacional não passou de um vistoso aparato da propaganda ao serviço de um grupo de incompetentes astutamente mascarados de socialistas. Porque eu não me lembro de ver um único edifício erguido pelo Ministério da Construção e Habitação. Não me lembro de ver qualquer obra concebida e projectada pelos técnicos do Ministério. Pode ser que esteja a ser injusto. Mas nas cidades onde vivi (Huambo e Lubango) não me lembro de ter visto uma obra nova. No Lubango, em finais dos anos 80, vi os soviéticos a acabarem de construir um desses prédios que os colonos deixaram. Vi os Jugoslavos a asfaltarem algumas ruas da cidade. Só isso e nada mais!

Os dirigentes socialistas não acrescentaram em nada ao património urbanístico e cultural da cidade do Lubango que nunca esteve em Guerra. Não edificaram casas, não fizeram nem conservaram as ruas e sempre ignoraram a importância urbana de um simples jardim ou de uma rua bem iluminada.
Vejamos, por exemplo, o estado deplorável desta rua do Lubango (antiga cidade de Sá da bandeira) fotografada por Nelson Viegas no dia 18 de Fevereiro de... 2007.
Antes da independência esta rua chama-se Capelo Ivens. Depois passou a chamar-se Deolinda Rodrigues. Esta rua está uma vergonha! Lubango foi uma cidade que nunca esteve na rota dos grandes palcos da maldita guerra. O que andaram a fazer os Comissários e Governadores Provinciais nos últimos 30 anos?

Esta fotografia é o fiel retrato do vergonhoso estado da bela Angola que herdamos dos «colonialistas portugueses» e que não soubemos conservar e melhorar. E a nova Angola que está a maravilhar o pessoal da minha geração não é nossa. É uma Angola projectada e construída pelos estrangeiros e que, de certeza, não conseguiremos conservar….

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Estamos a Contribuir Para a Reconstrução do Colonialismo

Nasci em 1972. A proclamação da Independência de Angola apanhou-me na inocência dos meus 3 anos. Portanto, não vivi o colonialismo nem tenho a exacta noção de como era Angola portuguesa. Comecei a escola primária na mesma semana da morte de Agostinho Neto. Estávamos em plena época de politização das massas populares, da eliminação de todas as sequelas do colonialismo, da formação do homem novo e do rumo ao socialismo científico. Por isso, passei grande parte da minha infância em comícios e em sessões de politização e esclarecimento.

Lembro-me que o tema preferido dos politizadores da época era denegrir o sistema colonial português. Para eles, todos os problemas da Angola Independente existiam por exclusiva culpa dos colonialistas. Assim, em toda a minha caminhada escolar ensinaram-me a odiar os colonialistas portugueses e o seu sistema de exploração, de humilhação e de exclusão dos filhos de Angola.

Mas naquele tempo éramos pioneiros da OPA. Éramos crianças e pensávamos como crianças. Por isso, acreditávamos piamente na diabolização do colonialismo português e na capacidade dos angolanos construírem uma Angola unida, justa e muito próspera.

Agora que somos adultos está claro para nós que passamos a nossa infância a ser enganados pela propaganda do regime dominante. Porque o sistema colonial continua vivo e eficaz. Os colonialistas nunca chegaram a abandonar Angola. Estão apenas mais escuros dos que outros.

Porque os «libertadores» que combateram arduamente o colonialismo português, odiavam o imperialismo com todas as suas forças e estavam na primeira linha do obcecado combate contra «o neocolonialismo», tornaram-se, rapidamente, nos novos «colonos» da Angola «independente» e tiveram o descaramento de manter incólumes e inalteráveis os vícios sociais bem como o quadro discriminatório, opressivo e explorador do sistema colonial português.

Portanto, nunca houve, entre nós, um verdadeiro processo de descolonização das mentalidades, das consciências, dos hábitos sociais, das estruturas políticas, administrativas e económicas. Nunca fomos capazes de erguer, com a preciosa ajuda dos estrangeiros de boa vontade, uma Angola de angolanos, com angolanos e para os angolanos.

E mesmo nesta fase propícia que o nosso país atravessa, não temos feito algo de extraordinário pelos nossos e pela terra que muito amamos. Estamos todos a desperdiçar energias, talentos e conhecimentos na reconstrução e rejuvenescimento do velho sistema que sempre marginalizou, desvalorizou e prejudicou os filhos de Angola.

E custa-nos contemplar esta reconstrução maciça do colonialismo que aprendemos a odiar e a combater. É que tanta energia foi dispendida para expulsar da «nossa terra» os «exploradores colonialistas». Tantos filhos de Angola foram torturados, mutilados e barbaramente ceifados em nome de uma suposta luta contra o «neocolonialismo», contra a «neocolonização russo-cubana» e em nome de um pretenso combate para impedir que o «nosso» país fosse dominado pelo «imperialismo internacional e seus lacaios». Depois do 25 de Abril de 1974 inúmeros brancos nascidos ou radicados em Angola foram «saneados» em nome de uma suposta «africanização dos quadros». Gerou-se tanta polémica em torno do destino jurídico dos «colonos». Falou-se bastante da questão da nacionalidade angolana dos brancos.

Mas, quase 35 anos depois da nossa pretensa «independência» dolorosamente constatamos que continuamos a sobreviver numa terra dominada por uma poderosíssima minoria estrangeira e que afinal tudo não passou de um patriotismo mal envernizado e de uma gritante hipocrisia de alguns ambiciosos astutamente mascarados de nacionalistas.

Assim, como não houve descolonização, continuamos a ser dominados por um profundo complexo de inferioridade que nos leva a endeusar o estrangeiro e a uma sobrevalorizar tudo o que vem do exterior.

Como não houve descolonização, continuamos a sobrevalorizar tudo o que é produzido e consumido no estrangeiro. Por isso, preferimos esbanjar o nosso dinheiro no Estrangeiro. Só que esse nosso comportamento de gente complexada está a atrasar Angola. Esta nossa vaidade está desvalorizar e a prejudicar os angolanos. Porque com o imenso dinheiro que esbanjamos na África do Sul, Namíbia, Brasil, Dubai e nos principais países da Europa estamos a fortalecer as economias e a enriquecer os habitantes desses países. Assim, cada vez que vamos a Lisboa esbanjar dinheiro nas lojas do Rossio ou do Colombo estamos na verdade a fortalecer a economia portuguesa e a enriquecer os comerciantes de Lisboa. Enfim, estamos a contribuir financeiramente para que o estado português continue a ter muitas receitas que irão contribuir para que os seus cidadãos possam ter boa vida; viver mais tempo; aumentar os seus conhecimentos.

Como não houve descolonização, os nossos dirigentes e os nossos ricos continuam indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e persistem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Por isso, preferem arrancar o dente na África do Sul, fazer análises no Brasil e frequentarem as clínicas de Portugal, Espanha e Inglaterra para serem bem cuidados e aumentarem mais uns anos de vida.

É que com essas atitudes estão a contribuir para o atraso do País e para a perpetuação do sistema colonial. Porque não estão a acreditar nas capacidades dos angolanos. Estão a passar um enorme e bem vistoso atestado de incompetência aos seus compatriotas que estudaram enfermagem e medicina. Estão a dizer ao mundo que os angolanos não sabem governar-se e não têm capacidade de criar condições para que possam ser tratados com humanismo e dignidade em Angola, em Hospitais angolanos e por médicos angolanos. Estão a negar aos compatriotas que não têm possibilidades de irem tratar-se nas clínicas do estrangeiro o direito de receberem a assistência médica e medicamentosa que merecem para poderem usufruir de uma vida longa e saudável.

O pior de tudo é que o imenso dinheiro que os angolanos deixam nas clínicas privadas da Namíbia, África do Sul, Brasil, Portugal, França Espanha e Inglaterra estão a enriquecer os gestores, os administradores, os médicos, os enfermeiros e outro pessoal dessas clínicas. O imenso dinheiro de Angola está a fortalecer a economia e o sistema de saúde desses países. Enfim, os angolanos estão a contribuir financeiramente para que os dirigentes desses países continuem a proporcionar aos seus cidadãos uma vida longa, feliz e saudável.


José Maria Huambo

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CHEIOS DE NADA!

Martin Luther King sentenciou um dia que nada no mundo era mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente. Infelizmente, alguns quadros da minha geração que são altos funcionários do Estado e das grandes empresas públicas e privadas estão cada vez mais a exibir publicamente esses dois vícios duramente censurados por Luther King.

É que os citados quadros vivem absolutamente convencidos de que só eles é que estão a fazer algo realmente importante para o tão desejado desenvolvimento de Angola. Os outros que não têm a sorte de usufruírem dos cargos, privilégios e ordenados iguais aos seus não passam de uns frustrados da vida que só falam, escrevem, criticam e nada fazem de concreto pelo País.

Para estes jovens e promissores quadros, Angola está definitivamente bem. O país cresceu mais rápido do que os outros alguma vez cresceram e não há nenhum problema dos angolanos que o nosso esforçadíssimo governo não esteja a resolver de forma segura e clarividente. Por isso, julgam que questionar, hoje, o rumo do País e insistir nas críticas ao esforçado governo de Eduardo dos Santos não passa de uma velha paranóia de alguns frustrados que apenas escrevem, criticam e berram para chamar atenção e mendigar uns tachos.

Para este grupo de jovens bem sucedidos, o desenvolvimento de Angola é algo fácil, simples e rápido, que só chegou tarde por causa da guerra que nos foi imposta pelo ambicioso líder do Galo Negro. E insistem em dar como certa a absoluta impossibilidade das armas voltarem a devastar as vidas dos angolanos.

Em 1754 o escritor e político inglês Horace Walpole criou e introduziu a palavra serendipidade (serendipity). Serendipidade é todo o acaso feliz e extraordinário que origina descobertas fantásticas.

O mundo está cheio de importantes serendipidades. Por exemplo: Colombo descobriu a América por um acaso. Fleming descobriu a penicilina por ter ido para casa sem fechar a janela do laboratório. Newton descobriu a lei da gravidade depois de ter visto uma maçã a cair ao chão.

O desenvolvimento de Angola não é uma serendipidade. Não é um acaso feliz e extraordinário surgido espontaneamente por força mágica da actual conjuntura da Paz e dos nossos tão falados recursos naturais. Há regras, atitudes e valores que devem ser, religiosamente, cumpridos pelos povos que desejam fazer a laboriosa caminhada do desenvolvimento.

Por isso, Angola não vai caminhar magicamente para o desenvolvimento apenas por força dos maquilhados discursos e da renovada imagem dos velhos responsáveis pela destruição e estagnação do País.

Angola não vai caminhar magicamente para o desenvolvimento apenas por causa dos elogios hipócritas e oportunistas de alguns políticos e empresários estrangeiros que detestam África e que apenas olham para Angola como uma terra de extraordinárias oportunidades de negócios.

Com a preciosa ajuda dos estrangeiros de boa vontade que tencionam viver, conviver e partilhar connosco as alegrias e tristezas das nossas vidas, o desenvolvimento de Angola terá de ser um projecto de angolanos, com angolanos e para angolanos.

Há um extracto de um discurso do ilustre estadista português Francisco Sá Carneiro (1934-1980) que eu gosto imenso:
«O homem é a nossa medida, nossa regra absoluta, nosso início e a nossa vida. Sem o absoluto respeito por ele não há nem pode haver democracia verdadeira»

Assim, o desenvolvimento terá de ser um frutuoso resultado um investimento sério, maciço e disciplinado nas pessoas, no capital humano de Angola. Porque é um facto longamente estudado, provado e comprovado que só prosperam os países que investem no seu povo e apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

Por isso, não há nem pode haver desenvolvimento verdadeiro sem o absoluto respeito pelos angolanos. Por absoluto respeito entende-se que o bem-estar físico e espiritual do angolano tem de ser a única e exclusiva razão de todas as decisões políticas. O angolano deve ser cuidado, acarinhado, valorizado e protegido em todas as etapas da sua vida.

Nós os frustrados do costumes não andamos a «berrar» sem razão aparente. Estamos apenas a chamar atenção das pessoas responsáveis pelo nosso destino colectivo para as consequências negativas de um modelo de desenvolvimento que exclui, humilha, oprime e desvaloriza os angolanos.

Na verdade, os angolanos não precisam de ler ou ouvir os nossos desabafos públicos para terem plena consciência dos sérios problemas do país. Todos estão perfeitamente cientes dos enormes obstáculos que enfrentam nesta longa luta para saírem da miséria e usufruírem dos abundantes lucros das riquezas do País. O Povo sabe muito bem que vive numa sociedade cada vez mais injusta onde a pobreza absoluta da maioria convive lado a lado com a riqueza ostensiva de alguns.

Nós os frustrados do costume estamos, apenas, a abordar os crónicos problemas e a buscar soluções de forma sensata, académica e inteligente. O verdadeiro perigo reside no facto de as pessoas não terem muita pachorra para abordarem de forma académica, sensata e inteligente os crónicos problemas que as afectam e prejudicam. Por isso, preferem recorrer ao meio mais fácil: usar a violência e provocar tumultos para exteriorizarem as suas frustrações não ouvidas nem levadas à sério. É como disse Martin Luther King: «as rebeliões e os tumultos são a linguagem daqueles que ninguém entende».

Depois, e vendo bem as coisas, esses jovens quadros que se julgam os únicos a fazer algo realmente importante para o tão desejado desenvolvimento de Angola, na verdade, não estão a fazer nada de novo e extraordinário. Estão apenas a desperdiçar os seus talentos e conhecimentos na consolidação e rejuvenescimento de um velho estilo de governância que sempre marginalizou, desvalorizou e prejudicou os filhos de Angola.


José Maria Huambo

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Afinal, A Luta Continua!

A medida em que o ano 2002 vai ficando para atrás e as negras nuvens das cinzas da guerra se vão dissipando do espaço angolano, começa a ficar mais claro para nós que a Paz não está a trazer a reconciliação que os angolanos precisam nem a favorecer a construção da Angola que há muito sonhamos.

Com o alcance da tão desejada Paz esperávamos que tivesse chegado, finalmente, o grande momento nos unirmos e trabalharmos juntos na construção de uma nova Pátria e no derrube da velha Angola, construída sob as fundações das antigas divergências, alicerçada na intolerância racial, étnica, política e sociocultural, e cimentada na desastrosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

Mas, fomos redondamente enganados. Aquilo a que nos habituamos a chamar «processo de paz e reconciliação», afinal não tem passado da triunfante consagração absoluta de um poderoso grupo que teima em perpetuar as velhas lutas pelo predomínio absoluto de um só grupo (racial, político, étnico, religioso, etc.) que devastaram Angola e estagnaram o nosso promissor País.

Assim, a nossa amada e sofrida terra está agora refém do grupo vencedor do longo e doloroso conflito e que está determinadíssimo em consolidar a sua hegemonia e a gerir o país como se fosse sua propriedade privada.

O pior de tudo é que os angolanos indefesos estão a sobreviver completamente desamparados pela comunidade internacional. Porque, a dependência do petróleo deu ao poderoso grupo uma ascendência sobre a política externa dos Estados Unidos, da China, da França, da Inglaterra, da Rússia, do Japão, de Portugal e doutros antigos defensores acérrimos da Democracia e dos Direitos Humanos. Por isso, não há no mundo de hoje instituição divina ou humana capaz de travá-los, contrariá-los, questioná-los ou censurá-los.

Apesar de já não utilizar as mortíferas armas da guerra civil, o poderoso grupo continua a atacar os angolanos indefesos e a atentar, gravemente, contra a soberania nacional e integridade territorial. As armas, agora, são outras. São mais sofisticadas e muito inteligentes. Assim, para consolidar a sua hegemonia política arrancada a ferros e proteger os seus prósperos interesses económicos, o poderoso grupo continua a fazer ataques mortíferos e cirúrgicos contra os direitos dos cidadãos indefesos usando como poderosas armas as leis do país, os órgãos de soberania, o sistema judicial, as estruturas financeiras, a comunicação social e os órgãos de defesa e segurança nacional.

A gananciosa atitude deste grupo e a sua danosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais estão a comprometer, seriamente, o futuro próspero e pacífico das gerações vindouras.


E quando as gerações vindouras olharem para atrás para perceberem as razões dos seus sofrimentos e julgarem os actos praticados no nosso presente ficarão muito tristes e decepcionados com o incompreensível silêncio dos angolanos bons, com a indiferença dos conformados com as suas vidinhas e com a passividade daqueles que podem, hoje, fazer alguma coisa para salvar o futuro da Angola.

E, assim, estamos todos a ajudar o poderoso grupo na irresponsável missão de comprometer seriamente o futuro próspero e pacífico das gerações vindouras. Andamos todos a evitar ter chatices e absolutamente concentrados nas nossas ambições egoístas e nos nossos interesses pessoais. Por isso, preferimos comprometer a sobrevivência da Angola do amanhã a perder as casas, os carros, os negócios e outras regalias que o regime dominante nos dá como se fossem grandes favores.

Porém, a grande verdade é que não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Não adianta andarmos em guerrilhas e aos empurrões por causa de futilidades e benesses efémeras. Porque estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra.

E mesmo que nos fiemos na presunçosa ilusão de vivermos por longos e felizes anos, não devemos esquecer que a vida dá muitas voltas. Os ricos e poderosos de hoje podem não ser os mandões de amanhã. Os privilegiados de hoje podem vir a ser os prejudicados de amanhã. Os filhos dos dirigentes da Angola de hoje podem não vir a ser os pais dos dirigentes da Angola do amanhã.

Por isso, em nome do futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos e em nome da salvaguarda do património que muitos conseguiram com muitos sacrifícios, temos de decidir, hoje, aqui e agora se é Angola que deve girar, continuamente, à volta do dos privados interesses do poderoso grupo de Eduardo dos Santos (zeducentrismo) ou é o país que deve estar em primeiro lugar fazendo com que os interesses dos grupos políticos, raciais, étnicos, económicos e religiosos devam girar à volta dos supremos interesses de Angola (angocentrismo)?

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País injusto onde a pobreza extrema esteja condenada a viver lado a lado com a riqueza ostensiva. Um país corrupto que promove o uso fraudulento do dinheiro público e onde os recursos destinados ao bem público sirvam para outros interesses de carácter privado ou mesmo criminoso.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País onde continue a imperar a dominação de uns pelos outros e onde todos os poderes e todas as benesses permaneçam concentrados nas mãos duma só classe social, dum só partido político, duma só raça ou dum só grupo étnico.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País intolerante onde os grupos dominantes se recusem a conviver com as nossas naturais diferenças e persigam, por todos os meios, os compatriotas que não comunguem das suas convicções políticas, ideológicas, religiosas e culturais nem partilhem das suas formas de ser angolano, de pensar o País e de viver a angolanidade.

Enfim, temos de decidir, hoje, aqui e agora se Angola é um feudo privado do grupo de Eduardo dos Santos ou se é uma comunidade política que pertence a todos os seus filhos.

Porque a escolha clara e decidida entre o «zeducentrismo» e o «angocentrismo» irá determinar o triunfo ou o fracasso do País reconciliado, pacífico, próspero e democrático que sempre sonhamos e que queremos deixar para os nossos netos e bisnetos.


José Maria Huambo

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os Donos da Bola

NOTA: Este artigo foi escrito em finais de 2005 para ser publicado no Semanário Folha 8.
Por ter merecido um grande acolhimento, foi postado no blogue e publicado no portal Angonotícias em Junho de 2006.
Por continuar muito actual, decidi voltar a partilhá-lo convosco.
Aproveito esta oportunidade para enviar um enorme OBRIGADO a todos os angolanos e amigos de Angola que acompanham as minhas reflexões. Numa altura em que não é nada fácil exercitar a cidadania e questionar o rumo do País, é animador sentirmos o reconfortante apoio daqueles que nos querem bem!


Um homem esfomeado pensa antes de mais nada em satisfazer a sua fome. Venderá a sua liberdade e tudo mais para obter um pouco de comida”.
MAHATMA GANDHI

Quando trocamos direitos por favores, deixamos de ser livres”.
DANIEL OLIVEIRA
Semanário Expresso (Portugal), Agosto de 2008

Há, entre nós, uma generalizada desilusão motivada pela forma como a oposição política, as principais instituições civis e religiosas, as lideranças sindicais e alguns intelectuais proeminentes se submetem aos jogos, caprichos e desmandos do núcleo duro que detém o poder e domina a sociedade angolana.

Este triste fenómeno fez-me recuar no tempo e rever uma das mais sinistras figura da minha memorável infância: o dono da bola. Aqueles que, como eu, passaram grande parte da infância a jogar a bola, lembram-se, com certeza, que durante a década de oitenta eram poucos os que tinham um esférico a sério! A maior parte de nós passava longas horas a jogar com bolas de trapos ou de meias. E a imensa criatividade dos miúdos do meu tempo proporcionou-nos o prazer de jogar futebol com bolas de vários tipos e feitios, sendo as mais «sofisticadas», aquelas que o Narciso fazia: envolvia um monte de plásticos em peúgas militares, até formarem um grande esférico. Depois cobria-o com restos de colchão de esponja, para dar-lhe elasticidade. Por fim, envolvia o esférico esponjado num saco plástico, entrelaçando-o com cordas de barbante que lhe dava o aspecto atractivo.


Bola do género daquelas que o Narciso Fazia. Foto de Pedro Soares


Claro que, enquanto incondicionais amantes do futebol, o nosso ardente desejo e a nossa mais profunda ambição era jogar com um esférico a sério, quer fosse de borracha ou de «catchu». Mas, naquele tempo, as ditas bolas eram um raro bem, apenas ao alcance dos clubes a sério, das equipas dos caçulinhas e dos filhos dos «pequenos burgueses».

É neste contexto que os poucos proprietários de um esférico a sério surgiram como figuras marcantes da nossa infância. E de todas essas figuras com as quais me deparei, uma delas destaca-se como paradigma perfeito da confrangedora situação vivida pelas cada vez mais passivas figuras da oposição política, da intelectualidade nacional e das lideranças sindicais, sociais e eclesiásticas.

Por razões pessoais, vou omitir o seu verdadeiro nome e chamar-lhe Jota-Jota. Apesar de ser um bom miúdo, Jota-Jota nunca foi um daqueles jogadores indispensáveis, quer nas equipas da nossa rua, quer nos grupos que actuavam nos pelados das escolas que circundavam o nosso bairro. Na maior parte das vezes, ele só entrava em campo nos dias em que havia pouco pessoal.

Mas, por caprichosa conspiração do universo, tudo mudou a seu favor quando umas das tias vinda de Luanda entregou-lhe uma prenda carinhosamente enviada pelo padrinho que vivia em Portugal: uma novinha bola de «catchu» mikasa e um equipamento completo da Adidas, daqueles com fato olímpico, calções, camisola, meias e chuteiras. Assim, por ser dono da mais cobiçada bola do meu tempo, Jota-Jota passou a ser o miúdo mais adulado e o jogador mais procurado da minha rua.

A bola dos nossos sonhos

Cansados de jogar com as «sofisticadas» bolas do Narciso e ansiosos por colocar os nossos pés descalços na bendita mikasa preta e branca, pressionamos o novo dono a marcar um jogo de estreia. Mas só no dia do desafio nos apercebemos que o Jota-Jota, como qualquer dono da bola que se preze, iria usar a mikasa como instrumento de poder e de influência. Os caprichos e desmandos que um esférico de «catchu» lhe conferia vieram logo ao de cima na altura do «bota-sapato».

Para quem não sabe ou não se lembra, o «bota-sapato» era um «democrático» mecanismo que determinava a escolha das equipas. Dois jogadores ofereciam-se ou eram escolhidos para seleccionarem os elementos das suas equipas. Marcava-se um ponto de referência. Os dois jogadores davam a mão e, partindo desse ponto, recuavam até uma certa distância, a partir da qual começavam a contar os passos em direcção ao ponto de referência. Por cada passo dado um dizia «bota» e outro respondia «sapato». Aquele que alcançasse primeiro o ponto de referência tinha direito à primeira escolha.

Fui escolhido para apadrinhar o primeiro «bota-sapato» do dono da bola. Durante o percurso em direcção ao ponto de referência, Jota-Jota deu dois passos a mais e ganhou o direito à primeira opção. Todos vimos a monumental batota. Mas, levados pela ânsia de jogar com uma bola a sério, acabamos por desculpar a fraude.

Jota-Jota, ciente do ascendente que passou a exercer sobre nós, estava decidido a ficar com os melhores em campo. E esta pretensão ficou clara quando anulou as minhas primeiras escolhas que tinham recaído sobre o Nato (Bernardo) e o Enoque, que eram, respectivamente, o melhor guarda-redes e o mais temível avançado do nosso Bairro. Esta situação gerou uma longa discussão que só terminou quando o Jota-Jota decidiu ir para casa.

Naquele tempo, levar a respectiva bola era o mais poderoso instrumento de chantagem que os donos gostavam de usar para fazerem vincar os seus desmandos e caprichos. Assim, vergados pela força da chantagem e determinados em não deixar escapar a rara oportunidade de jogar com uma mikasa, acabamos por acatar a desonesta e arrogante imposição.

Depois dos desentendimentos iniciais, lá começou o jogo que se tornou recheado de controvérsias. A minha equipa marcava um golo. Os batoteiros do outro lado apressavam-se a invalidá-lo. Discussão. É golo... não é... é golo... não é... E lá vinha o Jota-Jota: «vou levar a bola!» E nós: «ta bem, pronto... não foi golo». Um jogador da minha equipa dá um encostão ao adversário na zona do meio campo. Jota-Jota pega na bola e decide assinalar... grande penalidade. Os ânimos exaltam-se. Perante a tenaz resistência dos adversários, o dono da mikasa decide: «vou levar a bola!» E nós, preferindo engolir a fraude monumental a perder o jogo, lá acabamos por fazer-lhe a vontade: «ta bem, pronto... é penalti».

Apesar da batota dos adversários, chegamos a meio do jogo a ganhar por 6-3. O grande responsável pelo esmagador resultado chamava-se Bato (Bartolomeu). Este miúdo, escolhido a ultima da hora para reforçar a minha desfalcada equipa, revelou-se um grande e habilidoso jogador, um genuíno «brinca na areia» que destronou o temido Enoque e fez o Nato parecer um vulgar guarda-redes. Esse Bato protagonizou um incidente que mudou o curso do jogo.

Naquele tempo era suprema humilhação um jogador permitir que o adversário conseguisse passar-lhe a bola por entre a s pernas (dar da «ova» ou das «cuecas»), driblar-lhe em sprint (levar na «colola») e fazer passar-lhe a bola por cima da cabeça (dar «cabrito» ou fazer «chapéu»). O habilidoso Bato, que se revelara um mestre da «colola» e que já tinha dado «das cuecas» de todos os adversários, cometeu a imperdoável heresia de dar duplo «cabrito» ao dono da bola.

Desolado com a pesada derrota da sua equipa e sentindo-se humilhado pelo Bato, Jota-Jota pegou na preciosa mikasa e, sem explicações, começou a abandonar o campo. Depois de suplicantes pedidos de desculpas do Bato e de longos minutos de uma autêntica batalha diplomática, lá conseguimos convencê-lo a esquecer o humilhante incidente e a regressar ao campo.

Ciente da sua dominante posição, o dono da bola decidiu retomar a partida impondo duas grandes condições: o jogo recomeçava empatado a 6 golos e o Bato passava para equipa dele. De início, insurgimo-nos com veemência. Mas, depois, cedemos, acabando por tolerar as injustas condições.

É escusado dizer que a minha decapitada equipa sofreu um autêntico «massacre». Mas, o que valeu mesmo e constituiu para nós um supremo prazer foi o facto de aquela bola de «catchu» nos ter dado a possibilidade de encarnarmos os nossos ídolos e explanarmos todo o nosso futebol. E por felizes momentos deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser Ndunguidi, Maluka, Sarmento, Jesus, Vata, Napoleão, Chico Diniz, Arsénio, Maradona, Rummenigge, Dasaev, Boniek, Paolo Rossi, Zico, Platini, etc.

Pois é, meus caros. O actual cenário da política angolana não difere muito das peripécias narradas por este incrível episódio da minha memorável infância. E a oposição política, as principais instituições civis e religiosas, as lideranças sindicais, as ordens profissionais e alguns intelectuais proeminentes continuarão a submeter-se, de forma humilhante e preocupante, aos caprichos e desmandos dos donos de Angola pelo facto de vivermos numa sociedade empobrecida, onde os mecanismos que possibilitam o justo acesso aos chamados «bens socialmente desejados» (habitação, alimentação, educação, saúde, emprego, etc.) continuam concentrados nas mãos do núcleo duro que detém o poder e domina a sociedade angolana.

Assim, no quotidiano jogo pela realização pessoal e sobrevivência sociopolítica, esbarramos, constantemente, contra uma super-estrutura partidária que se confunde com o Estado e que controla os acessos aos bens materiais necessários ao nosso bem-estar e à nossa estabilidade familiar e económica. E cansados de jogar com as «sofisticadas» «bolas de trapos» que dispomos no quotidiano jogo pela sobrevivência, temos sido forçados a recorrer aos nossos «Jota-Jotas» para usufruirmos dos preciosos bens capazes de tornar menos pesado o duro fardo da vida.

E, para continuarmos a desfrutar de um «esférico» a sério, já sabemos o que não se deve fazer aos poderosos donos da bola: dar «cabrito» ao Presidente Eduardo dos Santos, nem pensar! E os «Batos» que ousaram fazê-lo, sofreram as devidas consequências. Os atrevidos que tentarem Levar na «colola» os altos dirigentes já sabem que correm o risco de levar um «carrinho» mortal ou uma daquelas entradas duras, capazes de deixá-los gravemente lesionados. Dar das «cuecas» do governo do MPLA pode desencadear a perda da casa, do carro, dos dólares, das bolsas de estudo, da junta médica, dos subsídios do partido, dos negócios, dos privilégios e de outras regalias.

E, assim, no quotidiano jogo da realização pessoal e da sobrevivência socio-política, contestar os nossos «Jota-Jotas» transformou-se num risco que poucos se atrevem a correr. E usufruir das «bolas de catchu» proporcionadas pelo poderoso sistema transformou-se num deleitante prazer que ninguém deseja abdicar. Por isso, entre nós, tornou-se preferível suportar os caprichos e desmandos dos donos das preciosas «mikasas» a jogar honestamente com as «bolas de trapos» da nossa empobrecida sociedade.


José Maria Huambo

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Órfãos do Ódio


O destino podia ter-nos colocado noutras paragens deste maravilhoso planeta. Mas não. Caprichosamente fez-nos despertar para vida atirando-nos para este precioso recanto chamado Angola. E o tempo ensinou-nos a amar este abençoado pedaço de terra.

Mas, não tem sido fácil amar este terra que há 500 anos é palco de acesas lutas políticas, raciais, étnicas e socioculturais. Não tem sido fácil amar esta terra cujos filhos há séculos que têm sido incapazes de conciliar os diferentes grupos raciais, étnicos, políticos e socioculturais em torno de um projecto comum.
Não tem sido fácil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os «civilizados» desprezam os «gentios». Onde os ditos «genuínos» hostilizam os «crioulos». Onde os negristas acham que os brancos e mulatos não podem ser angolanos. Onde os colonos racistas nunca conceberam uma Angola com «pretos». Onde os de pele mais clara julgam que têm primazia sobre os mais escuros.

É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde alguns advogam que Angola é Luanda e o resto é paisagem. Onde muitos acham que os kimbundos são os mais «evoluídos» e estão acima dos outros grupos étnicos. Onde os «puros mangolês» hostilizam os bakongos, a quem apelidam de «zairenses». Onde os Cabindas não querem nada com os «angolanos». Onde os rurais não vêem as vantagens da angolanidade e continuam a espera da «independência». Onde os do Cunene acham que, enquanto angolanos, muito têm perdido. Onde os chamados «das províncias» acham-se marginalizados como angolanos.

É difícil erguer a paz e a reconciliação numa terra regada de sangue e coberta de ódios, mágoas e ressentimentos. É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os colonos exploraram, humilharam e aniquilaram os africanos em nome da «Angola Portuguesa». Onde os africanos mataram, humilharam e hostilizaram os angolanos de origem portuguesa em nome da «Angola Independente». Onde os angolanos do MPLA abateram outros angolanos em nome de todos os angolanos. Onde os angolanos da UNITA chacinaram outros angolanos em nome da «Angola profunda». E onde muitos já não querem ser angolanos nem saber de Angola.

E o que mais dói, no meio de tudo isto, é vermos que, apesar das duras lições das guerras, continuamos prepotentes, fanáticos, intolerantes e de coração duro, persistindo nos mesmos erros que naufragaram o País e conservando os mesmos vícios que estagnaram a nossa promissora Pátria.

E com isso continuamos a perder tempo e a atrasar o País, desperdiçando, assim, a soberana ocasião de recolocar Angola na digna rota do progresso e do desenvolvimento.

E a dura realidade é que a vida é breve e não temos toda a eternidade para continuarmos a espera de uma Angola unida, fraterna, pacífica e próspera que tarda a chegar. É como diz o Salmista: Os dias da nossa vida andam pelos setenta anos e, se robustos, por uns oitenta/ A maior parte são trabalho e desilusão/, passam depressa e nós partimos.

Por isso, é hoje, aqui e agora que devemos empenhar-nos na «invenção» de um modelo de Estado que seja capaz de unir e conciliar os angolanos, corrigir as profundas desigualdades socioeconómicas, edificar a desejável paz duradoura e evitar o germinar contínuo e insufocável de revoltas e rebeliões.

Não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra. E nesta fugaz peregrinação terrena em vez de unirmos forças na construção da Angola que sempre sonhamos, andamos todos a odiar-nos, a atropelar-nos e a guerrearmo-nos por futilidades e bens passageiros.

Mas, para quê? Se a nossa imensa pátria tem espaço para todos os seus filhos! Se os recursos de Angola chegam e sobram para todos os angolanos! Porquê tanta ganância! Porquê tanta arrogância e prepotência! Porquê tanta fadiga nas disputas pelo poder absoluto! Para quê este insaciável desejo de acumular riquezas a ponto de se deixar os outros na indigência extrema!

Como bem sentenciou o Sábio Salomão, ninguém é senhor do seu sopro de vida, nem é capaz de a conservar. Ninguém tem poder sobre o dia da sua morte nem faculdade de afastar esse combate (ECLESIASTES 8, 8). Por isso, quando chegar a hora de deixarmos este mundo de nada nos valerá termos sido poderosos a ponto de, num simples gesto, decidirmos a vida e a morte dos que estão sob o nosso poder e domínio. De nada nos valerá a nossa condição social, o nosso poder e influência bem como a importância dos nossos poderosos familiares! De nada nos valerá a esbelta cor da nossa pele, a pureza da nossa religião, a força da nossa etnia nem a supremacia do nosso partido. Porque para todos a entrada da vida é mesma e a partida semelhante(SABEDORIA 7, 6).

O que vai importar é a gratificante recompensa de sermos amados e respeitados pelo facto de termos dedicado os breves anos da nossa vida semeando o amor, fazendo o bem, lutando pelo bem-estar daqueles que amamos, contribuindo para progresso do País que tanto amamos e vivendo em comunhão com os interesses dos compatriotas, preocupando-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos.

O que vai valer é a consoladora certeza de termos partido deste mundo deixando para as gerações vindouras um país onde reina a paz, a harmonia e a prosperidade. O que vai importar é a feliz alegria de partirmos deste mundo deixando uma terra capaz de ser orgulhosamente amada pelos nossos filhos, netos e bisnetos.

Mas os que amam este abençoado pedaço de terra não têm tido a sorte de morrerem tranquilos e felizes. É que a segurança e a integridade física das pessoas que muito amam e a salvaguarda dos bens que conquistaram com muitos sacrifícios nunca estarão garantidas numa sociedade onde imperam o abuso de poder, as lutas do prestígio e do predomínio, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, as desigualdades socioeconómicas, a degradação dos valores, etc., etc.

O futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos nunca estará garantido numa sociedade que promove os elitismos sociais e políticos. Numa sociedade onde a filiação partidária e a cor da pele continuam a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade. Numa sociedade que mantém muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Numa sociedade onde a pobreza extrema convive lado a lado com a riqueza ostensiva. Numa sociedade que promove o egoísmo, a ganância, a fraude, a corrupção, o lucro desonesto, a impunidade e outras vergonhosas imoralidades.


José Maria Huambo

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Porque é Que a Tua Angola Não Vai Crescer?

Meu irmão esquece esse palavreado em torno das riquezas de Angola. Deixa de repetir, cegamente, que somos o país que mais cresce no mundo. Esquece isso, meu irmão!

Essa Angola maravilhosa e fantástica que está hoje nas bocas do mundo não é, nunca foi e, tão cedo, não será para ti! Essa Angola com magníficos arranha-céus, moderníssimos escritórios, Brutas mansões, grandes condomínios privados e luxuosos hotéis não é tua. Essa Angola e parafraseando o músico Dog Murras é Angola dos investidores estrangeiros que estão a enriquecer de forma extraordinária. É Angola dos nossos «kota bué» que tudo podem e que tudo fazem. É Angola das mesmas pessoas que ficam com os bons empregos e com as boas oportunidades. É Angola dos herdeiros que não fazem nada e têm «bwé de massa».

A tua Angola que não tem nada, está desgraçada e «bwé» rebentada vai continuar à margem do tão falado crescimento económico.

Porquê? Porque enquanto os dirigentes do país teimarem em manter e exibir um dos mais inoperantes modelos de Estado, uma das mais ineficazes estruturas de gestão governativa e um dos mais corruptos aparelhos de administração pública, a tua Angola nunca irá beneficiar dos fabulosos lucros do crescimento económico e do investimento estrangeiro.

Esses fabulosos lucros nunca vão chegar à tua Angola por duas razões. A primeira razão prende-se com o facto de vigorarem em Angola os 5 modelos de mau crescimento económico identificados pelos especialistas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento):

Crescimento sem emprego- a economia em geral cresce, mas falha na expansão das oportunidades de emprego. Crescimento desumano - Os ricos tornam-se mais ricos e os pobres não obtêm nada. Crescimento sem direito à opinião - a economia cresce, mas a democracia/ participação da maioria da população não é respeitada. Crescimento desenraizado - a identidade cultural é submersa ou deliberadamente anulada pelo governo central. Crescimento sem futuro - os recursos desperdiçados pela geração actual, que irão ser necessários às futuras gerações.

A segunda razão prende-se com o facto de os nossos dirigentes terem sido desastrosos na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais. Ou seja, os nossos governantes não têm sabido canalizar, de forma eficiente, laboriosa e disciplinada, os fabulosos lucros do crescimento económico e do investimento estrangeiro na criação de condições que contribuam para que as pessoas da tua Angola possam ter boa vida; viver mais tempo; aumentar os seus conhecimentos; participar activamente na vida das suas comunidades e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens.

Vamos tentar explicar melhor: Os Estados precisam do investimento estrangeiro, entre outras razões, para obterem as receitas que precisam para suportar as avultadas despesas usadas na satisfação das necessidades colectivas (saúde, educação, segurança, defesa nacional, etc.). Assim, quanto mais lucrarem as empresas estrangeiras, mais dinheiro mandam para os cofres do Estado. Além disso, o investimento estrangeiro cria muitos empregos aos nacionais do país onde investem. Assim, muitos empregos põem muita gente a ganhar dinheiro. Quanto mais os cidadãos ganharem, mais dinheiro mandam para os cofres do Estado.

Se reparares, os empregados e funcionários angolanos mandam todos os meses uma boa parte dos seus salários para os cofres do Estado. Como? Através do IRT (Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho). As alfândegas estão a facturar milhões. Há imensas receitas do petróleo e diamantes. Enfim, o Governo angolano tem muitas fontes de receitas. Há muito dinheiro a entrar para os cofres do Estado.

Mas nunca irás beneficiar desses fabulosos lucros. Porque somos um país altamente desorganizado e porque os grandes de Angola insistem em apropriar-se do dinheiro público e a canalizarem os lucros das nossas riquezas em investimentos privados. E com um modelo de Estado inoperante, com uma gestão governativa ineficaz e com uma administração altamente corrupta não é possível haver crescimento económico e bem-estar social.

É que o crescimento económico e o investimento estrangeiro devem andar de mãos dadas com desenvolvimento humano sustentado e só são úteis e eficazes nos países sérios e organizados. Porque significam que há muita gente a enriquecer, há muitas pessoas que passam a ter um grande poder de compra. Assim, quanto mais rendimentos e poder de compra as pessoas tiverem, mais impostos irão pagar. Quanto mais impostos pagarem, mais receitas irão para os cofres do estado.

Quanto mais dinheiro o Estado tiver, mais capacitado estará em investir nas pessoas e nas infra-estruturas do país. Enfim, os governantes dos países sérios e organizados irão usar esse dinheiro na criação de condições que contribuam para que os seus cidadãos possam ter boa vida (Economia e Finanças); viver mais tempo (Saúde e Nutrição); aumentar os seus conhecimentos (Educação e Cultura); participar activamente na vida das sua comunidade (Democracia) e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens (Paz, Ordem e Justiça).

Com este laborioso e eficaz trabalho do Governo e de outras instituições do Estado, os cidadãos terão maior acesso ao ensino de qualidade e a uma melhor formação técnico-profissional; terão serviços de saúde de alta qualidade e melhor assistência médica e medicamentosa; terão mais e melhores empregos; mais e melhores vilas e cidades; mais e melhores redes de transportes, bons portos, caminhos-de-ferro e aeroportos; terão mais e melhores redes de saneamento e de abastecimento de água, luz, gás e energia; mais e melhores escolas, hospitais, bibliotecas, teatros, cinemas, infra-estruturas de lazer e desporto, etc., etc.

Tudo isso irá aumentar o crescimento económico do país, trará maior riqueza à nação e fará com que haja mais gente com grandes rendimentos e óptima qualidade de vida. E assim, o ciclo da relação entre crescimento económico e desenvolvimento humano sustentado irá continuar. Isto porque, quanto maior for o número de pessoas com boa vida e com grandes rendimentos, maior será o número de cidadãos a pagarem impostos.Quanto mais impostos as pessoas pagarem, mais dinheiro entrará para os cofres do Estado.

Quanto mais dinheiro o Estado tiver, mais capacitado estará para melhorar de forma significativa e extraordinária as condições que contribuam para o elevado bem-estar físico e espiritual de todos os seus cidadãos...

José Maria Huambo

terça-feira, 29 de junho de 2010

Quem São os Verdadeiros Inimigos da Pátria?

Sou filho de uma sociedade intensamente militarizada, profundamente politizada e onde, durante longos anos, a força e a prepotência primaram sobre a razão e o Direito. Faço parte de uma geração que cresceu sob uma cultura de medo, terror e opressão das consciências. Por isso, nunca escondi os medos que sinto em partilhar convosco as minhas experiências e expor, publicamente, as minhas ideias.

Há 6 anos que o Semanário Folha 8 faz questão de publicar as minhas reflexões. E movido pelo desejo de partilhar as minhas ideias com o maior número possível de angolanos e amigos de Angola, há 5 anos que elas são divulgadas no blogue «Angolainterrogada».

Acontece que essa exposição pública tem-me trazido alguns incómodos. É que as pessoas que não se revêem na minha forma de pensar e sentir Angola recorrem com frequência aos ataques pessoais para rebaixar as minhas ideias e demover-me das minhas convicções.

Sou um orgulhoso filho do Huambo. Nunca risquei este facto dos meus documentos e sempre assumi publicamente as minhas origens, mesmo durante os dolorosos anos de guerra em que ser do Planalto Central era uma espécie de maldição. Por isso, tenho conseguido tolerar os insultos dos tribalistas que me apelidam de agente dos obscuros interesses da UNITA e me acham menos angolano por ser do Huambo.

Sou um cidadão ciente dos seus direitos e das suas obrigações cívicas. Mas sei perfeitamente que não é fácil exercitar a cidadania e questionar o rumo do País, numa altura em que, entre nós, ganhou força a ideia de que Angola está definitivamente bem. Por isso, tenho conseguido suportar os ataques pessoais dos fanáticos seguidores do governo de Eduardo dos Santos que me consideram mais um elemento do grupo de opositores do nosso esforçado governo e me colocam no grupo de agentes ao serviço das forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance.

Há, contudo, uma ofensa que eu não aceito nem tolero: Dizerem que eu não sou um verdadeiro angolano por estar sempre a falar mal de Angola e não ser capaz de reconhecer o grande esforço do governo.

Desculpem lá, mas isso eu não aceito. Não admito que questionem o meu patriotismo e ponham em causa a minha angolanidade pelo simples facto de opinar, abertamente, sobre a amarga realidade do nosso problemático País e recusar-me a aceitar, cegamente, as velhas técnicas de maquilhagem dos problemas que têm emperrado o nosso promissor país.

Os fanáticos apoiantes do Governo têm imensas dificuldades em libertar-se da mais eficaz técnica de propagada imposta pelo MPLA de dos Santos: a armadilha da politização dos problemas de Angola.

Tudo em Angola está politizado. Lembro-me, por exemplo, de, no auge do conflito angolano, ir a um almoço em que os convidados que escolhessem comer o funge de milho eram considerados da UNITA e os que escolhessem comer funge de mandioca eram do MPLA!

Tudo em Angola está politizado. Se reclamas dos governantes, exerces os teus direitos e exiges uma vida digna, és automaticamente colocado no grupo daqueles que são contra o glorioso MPLA; passas a ser conotado com a oposição. Enfim, passas a ser visto como mau angolano e inimigo da pátria.

Assim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que se conformam perante o desigual usufruto dos lucros das nossas riquezas. São aqueles que não fazem caso da mediocridade dos nossos dirigentes. São aqueles que toleram os desmandos dos nossos políticos. São aqueles que louvam o mau desempenho dos governantes na gestão dos nossos recursos e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos.

Não há em Angola um sistema de saúde eficiente. Os angolanos não conseguem ser tratados com humanismo e competência em Angola, em Hospitais angolanos e por médicos angolanos. Os dirigentes continuam indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e persistem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Assim, mínima tosse, lá estão eles a correr para as clínicas da Namíbia. Para arrancar o dente, vão à África do Sul. Para fazer análises, vão ao Brasil. Para serem bem cuidados e aumentarem mais uns anos de vida, vão às clínicas de Portugal, Espanha e Inglaterra.

E todos os angolanos têm sido obrigados a seguir o mau exemplo dos dirigentes. Por isso, quem protesta e exige um sistema de saúde digno é, automaticamente, colocado no grupo daqueles que são contra o glorioso MPLA; passa a ser conotado com a oposição. Enfim, passa a ser visto como mau angolano e inimigo da pátria.

Assim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que não exigem o pleno usufruto das condições médicas e medicamentosas que lhes permitam viver neste mundo o mais tempo possível. São aqueles que aceitam calados as miseráveis condições dos hospitais públicos e o desumano estado da saúde nacional. Enfim, os puros angolanos e os verdadeiros patriotas são aqueles que andam de óbito em óbito e aceitam como vontade de Deus a imerecida morte dos seus entes queridos por causa de doenças facilmente curáveis.

José Maria Huambo











segunda-feira, 21 de junho de 2010

Angola é Rica Pra Quem?

Faço parte de uma geração que sobrevive atormentada por um permanente conflito entre o promissor paraíso que as enormes potencialidades deste nosso grande e belo País nos proporcionariam e o real inferno gerado pelo nosso desastroso desempenho na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

É bonito, sim senhor, contemplar as favoráveis projecções estatísticas sobre a nova era angolana, amplamente, divulgadas pela comunidade internacional. É animador ouvir os especialistas estrangeiros garantirem que somos a economia do mundo que mais cresce e que seremos, de longe, o mais próspero país de África.

Mas o doloroso regresso a Angola real obriga-nos a reavaliar as projecções das organizações internacionais e a repensar as garantias dos especialistas estrangeiros. Por isso, e por mais que doa e custe a muitos, a minha geração precisa de questionar, repensar e debater tudo aquilo que se tem dito sobre as míticas riquezas de Angola.

O General Iko Carreira (1933-2000), um dos mais influentes nacionalistas que lutaram pela independência de Angola e que foi braço direito de Agostinho Neto, escreveu no seu livro «O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto» estas ideias que devem merecer a nossa contínua reflexão: «Essa história de considerar Angola como um país potencialmente rico só a tem prejudicado, fazendo muita gente deitar-se à sombra da bananeira, à espera que a riqueza caia do céu, por milagre. Todos os países são potencialmente ricos. O que precisam para serem ricos de facto é de uma percentagem de gente que os desenvolva. E Angola não é excepção. Ou encontra essa gente e desenvolve-se, ou não a encontra e continua na pobreza e numa crescente mendicidade».

Assim, não podemos continuar a repetir cegamente que o nosso país é rico. Temos, agora, a obrigação de pensar como cidadãos e indagar se as nossas condições de vida estão ao nível dos nossos vastos recursos. Temos de perguntar se os nossos governantes têm gerido de forma competente essas tão gabadas riquezas. Temos de procurar, valorizar e promover a percentagem de gente capaz de organizar e desenvolver o país.

Então, os angolanos são assim tão ricos e têm condições de se afirmarem como potência africana?Não. Porque a maior riqueza de um país é o conhecimento do seu povo. Conhecimento é poder. Conhecimento é riqueza. Conhecimento é desenvolvimento. Por isso, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que investem no seu povo e apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

Os Filósofos e estudiosos do conhecimento dividem o saber humano em 3 formas:

Em primeiro lugar, temos o saber-puro. O conhecimento geral e abstracto do mundo que nos rodeia. O conhecimento que procura saber como as coisas são e como se relacionam. Os gregos designavam esse saber por sofia (σoφíα)e os romanos por sapientia. Assim, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que apostam maciçamente na educação de todo o seu povo e proporciona-lhes todas as condições para se valorizarem continuamente e irem até aos limites das suas capacidades.

Depois temos o saber-agir. Trata-se de um conhecimento prático que se baseia na ética e nos valores universalmente aceites. É aquele saber que se apoia no conhecimento do justo e do injusto. Do bem e do mal. Enfim, é um saber que nos leva a discernir e escolher os meios mais adequados para realizar o bem, concretizar um projecto e atingir um objectivo. Os gregos designavam esse saber por frónesis (Φρόνησις) e os romanos por prudentia. Assim, só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países cujos cidadãos no seu relacionamento com o Estado, com a sociedade e com os outros se baseia em em sólidos valores éticos e morais moldados ao longo dos anos pela educação e pela cultura. Eis os principais valores: grande respeito pelas leis do País e pelos direitos dos outros; a integridade e a responsabilidade em todas as áreas da sociedade; disciplina a dedicação ao trabalho; cultura financeira e esforço pela poupança e investimento.

Finalmente, temos o saber-fazer. Os gregos denominavam esse saber por tekné (τέχνη) e os romanos por ars, artis. É um saber realizável. Um conhecimento que se baseia na aptidão criativa das pessoas, no domínio das tecnologias e a na capacidade de transformar as matérias-primas. Segundo um artigo da wikipédia «A tekné grega, bem como a ars latina referiam-se não só a uma habilidade, a um saber fazer, a uma espécie de conhecimento técnico, mas também ao trabalho, à profissão, ao desempenho de uma tarefa. O técnico era aquele que executava um trabalho, fazendo-o com uma espécie de perfeição ou estilo, em virtude de possuir o conhecimento e a compreensão dos princípios envolvidos no desempenho». Disto resulta que só dominam, enriquecem e se desenvolvem os países que investem no conhecimento tecnológico e possuem as técnicas e os meios necessários à execução de uma tarefa.

Perante isto, é fácil concluirmos que Angola nunca foi rica para os angolanos. Primeiro, por culpa dos colonialistas que durante 500 anos afastaram os nativos de Angola do pleno e livre acesso aos lugares de aquisição do conhecimento cultural, científico e tecnológico. Depois, por culpa exclusiva dos dirigentes angolanos que não querem investir no seu povo nem apostam no conhecimento cultural, científico e tecnológico dos seus cidadãos.

E o pior de tudo isso é que, mediante complicados sistemas de justificação, teimamos em sustentar um poderoso sistema político-militar absolutamente empenhado em preservar o estado de ignorância e facilitar o enriquecimento pessoal daqueles que, há mais de 30 anos, ajudam os estrangeiros no saque organizado e inteligente dos nossos recursos.

Portanto, Angola está muito longe de ser rica para os angolanos porque existe entre nós uma espécie de «obscurantismo económico», ou seja, não temos consciência do real valor das nossas riquezas. Desconhecemos o enorme potencial do nosso país na economia mundial. Ignoramos as regras do mercado mundial. Não sabemos tirar partido das nossas riquezas nas negociações e nos acordos de cooperação. Desconhecemos por completo as técnicas de transformação e rentabilização das nossas matérias-primas. Enfim, reina entre nós uma cíclica e crónica crise de conhecimento.

É por isso que Angola é um país rico e maravilhoso para o poderoso grupo de países que conhecem o real valor dos nossos recursos naturais (saber-puro), sabem como agir para ter acesso fácil e contínuo às nossas riquezas (saber-agir) e têm a capacidade, a técnica e os instrumentos susceptíveis de transformar e valorizar preciosas as matérias-primas que tiram de Angola (saber-fazer).

Assim, os estrangeiros que estão a correr em massa para Angola sabem que a sobrevivência da economia dos seus países e a contínua prosperidade dos seus povos dependem em grande parte das preciosas matérias-primas existentes em Angola. E tirando partido do nosso «obscurantismo económico», há décadas que sabem que para não perderem a preciosa galinha de ouro não podem falar mal de Angola nem questionar a notória incompetência dos seus políticos; sabem que é obrigatório bajular os dirigentes do país e proporcionar à elite político-militar de Angola uma pequena fasquia dos fabulosos lucros do saque organizado e inteligente dos recursos de Angola.

Um exemplo prático do nosso «obscurantismo económico»: Quem vive no Lubango (Ex- Sá da Bandeira), todos os dias vê colunas de camiões a levarem grandes blocos de pedras para o porto do Namibe (Ex- Moçamedes) para serem enviados para a Europa. Somos um país pobre porque desconhecemos o real valor daquelas pedras que os europeus tanto procuram. Por isso, vivemos contentes com as ilusórias comissões e os baixos salários que as empresas extractivas pagam aos angolanos.

Pedreira de Granito Negro no Lubango-Huila-Angola

Ricos são os europeus que nos pagam um dinheirinho pelas nossas valiosíssimas pedras de granito negro, levam-nas para a Europa e vendem-nas aos seus irmãos da industria de granitos e mármore que sabem transformá-las em placas polidas.



Ricos são os europeus que vendem essas valiosas placas em granito negro aos seus irmãos da indústria de construção civil que usam as placas polidas nos acabamentos de vivendas e edifícios de luxo. Muito ricos ficam os construtores e os agentes imobiliários que vendem os imóveis de luxo da próspera Europa, pomposamente ornamentados com o valiosíssimo granito negro de Angola.













José Maria Huambo
Semanário Folha 8

















segunda-feira, 7 de junho de 2010

Porque é Que os Dirigentes não Conseguem Pôr Luanda em Ordem?

O caótico e degradante estado da cidade de Luanda apresenta-se como o microcosmo exemplar das enormes dificuldades que os angolanos enfrentam na condução do seu destino colectivo. Trata-se, afinal, de um problema cultural e que já dura há 500 anos.

Para ajudar-nos a analisar as causas e consequências dos problemas de Luanda, escolhemos esta fotografia da bela Avenida dos Combatentes, exemplo vivo de como era a capital do país antes da independência.

A projecção, ordenamento, construção, organização, gestão e administração de uma cidade obedecem a técnicas e regras inventadas, desenvolvidas e melhoradas pelo génio humano e brilhante trabalho de várias civilizações e que os europeus levaram para os novos mundos de que África fazia parte.
Assim, fascinados pelos hábitos e pelos aspectos materiais da vida que os europeus exibiam, os nativos de Angola começaram a alimentar o desejo de serem como os colonos: falar como eles, conviver com eles e aprender com eles.

Esse desejo de absorver os hábitos e as técnicas dos colonos fazia parte de um processo normal de evolução que os humanos sempre praticaram.

Por exemplo: os gregos evoluíram convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria dos antepassados que foram adaptadas, melhoradas e transmitidas pelos fenícios e egípcios. Os gregos transmitiram essas técnicas aos romanos. Estes adoptaram-nas, melhoraram-nas e transmitiram ao cristianismo. A civilização cristã absorveu e melhorou as velhas técnicas que herdou dos romanos e as transmitiu aos europeus. Estes pegaram nas técnicas que compõem o vasto património cultural da humanidade e levaram para África.

E seria, por isso, natural que os africanos quisessem evoluir convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria da civilização europeia. Mas tal não aconteceu. Porque os colonos, mediante complicados e sofisticados sistemas de justificação, afastaram os africanos dos centros de aprendizagem das técnicas de planeamento, urbanização, construção, gestão, administração e conservação de uma cidade.

Assim, em 500 anos de presença portuguesa nenhum negro de Angola chegou a ser presidente da Câmara de Luanda ou director dos grandes departamentos da Câmara. Enfim, nenhum indígena chegou a marcar presença nos lugares cimeiros de gestão e administração da cidade.

Isto foi fatal para a Angola independente. Porque os dirigentes que passaram a administrar a cidade capital faziam parte do grupo de guerrilheiros que nada percebia de projecção, planificação, urbanização e gestão de uma urbe como Luanda.

Vejamos o que disse o Presidente Eduardo dos Santos nos inícios dos anos 80 durante um comício no Lubango:

Nos primeiros anos da nossa independência nós fomos promovendo compatriotas e camaradas para muitos postos de direcção e de responsabilidade, muitas vezes sem o conhecimento técnico exigido, sem o conhecimento técnico necessário (..) Promovemos apressadamente alguns operários para a direcção de empresas, para a direcção de alguns serviços públicos e nem sempre eles tinham a capacidade técnica para resolver os problemas.

Mas o pior não é isso. O mais grave é que há 30 anos que o Presidente insiste em promover e nomear Comissários e Governadores notoriamente incompetentes e que implantaram nas estruturas do Governo Provincial de Luanda um poderoso sistema circulatório de péssimos hábitos de planificação, gestão, administração e conservação da cidade capital.

E o mau hábito dos dirigentes procurarem a solução privada dos problemas que afectam a cidade de Luanda é, de longe, aquele que mais se destaca. Assim e seguindo os maus exemplos dos nossos dirigentes, cada um de nós procurou apenas criar e desenvolver a sua «própria Luanda»: Demarcamos o nosso território. Escolhemos os nossos cidadãos. Erguemos a nossa própria rede de fornecimento de luz eléctrica e de abastecimento de água e passamos a cuidar apenas da nossa casa ou apartamento.

E levados pela exclusiva procura do nosso próprio bem-estar, desenvolvemos uma impressionante indiferença pelas condições da Luanda dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e de todos os angolanos.

Por causa disto, a Avenida dos combatentes, que era um dos orgulhos dos luandenses, transformou-se nesta dolorosa imagem de caos, degradação e desorganização:

O lastimável estado desta importante artéria da capital faz parte do vergonhoso património de inúmeros problemas que afligem a cidade de Luanda. Trata-se de situações que afectam, gravemente, a qualidade de vida dos luandenses, a imagem de Luanda e o bom nome de Angola.

E ninguém consegue pôr Luanda em ordem porque os graves problemas foram politizados. Assim, são tidos como apoiantes do Governo, bons cidadãos e luandenses exemplares aqueles que viverem indiferentes à miséria, ao caos e à degradação da cidade. E os conscientes cidadãos que ousarem chamar a atenção dos constrangedores problemas de Luanda são tidos como detestáveis apoiantes da oposição, fracos patriotas e maus luandenses.

Por isso, os problemas se arrastam e Luanda continua mergulhada no caos e a definhar numa vergonhosa degradação.

José Maria Huambo

quinta-feira, 25 de março de 2010

Os Velhos Problemas de Angola

Em 1937, há exactamente 73 anos, HENRIQUE GALVÃO Fez esta douta análise da problemática da Angola de então:

"Afirmam uns que o problema de Angola, é um problema financeiro enquanto outros asseguram que é antes um problema económico. Há quem sustente que é puramente um problema político e quem conclua que não passa de um problema de povoamento (...) Nós julgamos que em Angola existem, simultaneamente, todos estes problemas e que todos eles pedem com a mesma urgência soluções práticas. Não há pois um problema: há um conjunto de problemas, estreitamente dependentes no seu desenvolvimento e nas suas soluções, em Angola como em toda a parte- e em Angola, mais do que em qualquer outra parte, agravados pelos efeitos dum período longo e doloroso de incertezas, de fracassos, de fatalidades, de erros, de pecados, de tentativas mal começadas e naturalmente pior acabadas, de improvisações, de obras mal estudadas, etc.".

Fonte: HENRIQUE GALVÃO, Angola: Para Uma Nova Política, Vol. I, Livraria Popular, Lisboa 1937, pp. 57-58.

Henrique Galvão (1895-1970) teve uma actividade política intensa. Foi Governador da Huila (sul de Angola) em 1929. Em Março de 1949 publica um incómodo relatório sobre as condições da colonização em Angola. Em 1961, lidera o assalto ao paquete de luxo Santa Maria.

terça-feira, 16 de março de 2010

Angola Já Nasceu Mal Governada

Sob os auspícios do Governo português, realizou-se, entre 10 e 15 de Janeiro de 1975, a denominada Cimeira de Alvor, durante a qual foi rubricado um acordo de entendimento entre os três movimentos de Libertação e ficaram definidos os processos e mecanismos que conduziriam a completa autonomia de Angola. O jornal A Província de Angola abriu a sua edição de 16 de Janeiro com o título «INDEPENDÊNCIA A 11 DE NOVEMBRO. Angola governada por angolanos a partir de 31 de Janeiro».

No último dia de Janeiro tomava posse o Governo de Transição composto por representantes de Portugal e dos três movimentos de libertação (MPLA, UNITA e FNLA).

Ao Governo Português cabia nomear os ministros da Economia, das Obras Públicas, Habitação e Urbanismo e dos Transportes e Comunicações.

O Dr. Vasco Vieira de Almeida foi o homem escolhido para assumir a pasta da Economia. Quatro meses depois da tomada de posse do Governo e perante a acelerada deterioração do ambiente sociopolítico de Angola, ele enviou uma histórica carta ao Governo de Transição de Angola e aos líderes dos Três movimentos.

Eis a carta que prova que mais do que a dura guerra «que nos foi imposta», a má governação, caracterizada essencialmente pela falta de capacidade de gestão economico-administrativa e de uma vontade política madura, consciente e responsável por parte dos nossos dirigentes é a grande responsável pela longa estagnação nosso promissor país:

Durante breve lapso de tempo após a minha chegada a Angola, julguei possível contribuir para consolidar e reforçar a plataforma de entendimento a que aparentemente se chegara em Alvor. Vejo agora que tal é impossível e entendo dever tomar a atitude que livremente considero mais justa. A hora é tão grave que não é legítimo falar senão com clareza (...)

Estava perfeitamente consciente, como é óbvio, das diferenças ideológicas profundas entre os movimentos, mas tinha a esperança de que- sem que ninguém abdicasse das suas próprias convicções- seria possível encontrarmos em comum fórmulas de actuação que visassem reconquistar para os oprimidos e explorados deste país, a dignidade perdida.

Surgiu-me, como evidente, que numa terra com tão graves injustiças e tão terríveis desigualdades, era necessária uma profunda reforma das estruturas sociais, e que a luta de classes entre os estratos de interesses tão violentamente opostos, constituiria desde o início, um elemento fundamental do processo (...)

Não contava porém com a miopia política daqueles que, não contentes em precipitar o conflito no tempo, provocaram uma luta militar suicida de que a única vítima é o povo que também dizem representar, correndo o risco de aniquilar à partida o projecto pelo qual tantos se bateram e morreram durante catorze anos de luta contra compatriotas meus (...)

A verdade é que neste momento quem abate milhares de velhos, mulheres e crianças em todos os pontos do país, são angolanos. São angolanos também, aqueles que executam irmãos seus, com uma selvajaria indescritível. São ainda angolanos que espalham a fome, o terror, a violência e o pânico em todo o território.

E que fez o governo durante este período? Praticamente nada, excepto revelar a sua absoluta incapacidade e irresponsabilidade. O governo (...) não funciona como corpo organizado. Limita-se por isso a ser a arena estéril de debates intermináveis, onde todos os problemas de administração são cuidadosamente escamoteados. É impossível impor o menor plano de acção, porque cada um pretende ter o seu feudo privativo onde ridiculamente possa dar importância à sua própria imagem.

Uma boa parte dos governantes é totalmente incompetente, mas nem sequer disso tem consciência, perdendo o seu tempo em escaramuças caricatas para obtenção de miniprestígios de fachada. As decisões não se tomam; e quando se tomam não se cumprem. Reina a mais completa indisciplina (...)

Em reflexos primários de nacionalismo mal entendido, destroem-se ingénua ou propositadamente as próprias estruturas vitais do país, com a ideia de que com o que sobra dos escombros será possível reconstruir de novo, sem se pensar nos tremendos custos sociais e nos terríveis sacrifícios e sofrimentos humanos que esse caminho fatalmente impõe, não se atendendo sequer na dramática experiência de outros países de África antes de Angola.

Apelida-se Portugal e o Governo Português (...) de neocolonialistas, quando quem está a preparar o país para novas formas de colonialismo- não certamente português, e bem mais duro ainda- são alguns angolanos pela maneira como actuam (...)

Enquanto estiver neste cargo, que não pedi, cabe-me apontar a prepotência e a incapacidade venham de onde vierem, e tenho o dever único de defender os superiores interesses da Nação Independente que Angola quer ser (...)".

Fonte: VALDEMIRO DE SOUSA, Angola: A Guerra e o Crime, Ed. Formação, s/l 1976, pp. 140-144.