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quinta-feira, 30 de março de 2006

Angola: Que Futuro?


É triste apreciar o rumo incerto do presente e futuro do nosso país. Durante muitos anos, o subdesenvolvimento dos países africanos foi pautado pelo contexto da colonização, pela expansão dos países do norte em detrimento dos países do sul, pelas divisões de fronteiras pelas grandes potências e, por último, pelas guerras civis que assolaram grande parte dos países africanos. Contudo, hoje, aquele contexto não se verifica; pelo contrario, o problema da incerteza quanto ao futuro tem sido, sobretudo, interno e gerado pelas lideranças dos nossos países, resistentes à abertura democrática, à boa governação, à gestão transparente e racional do erário público, à elaboração e implementação de políticas de desenvolvimento sustentável, etc. – o que contribui, infelizmente, para o adensamento e gravidade da situação.

No caso de Angola a guerra foi, durante muito tempo, invocada como argumento para a estagnação do país, todavia, depois de 4 anos de paz, continua a não existir perspectivas seguras e certas de que o povo vai, finalmente, sorrir.

É igualmente triste constatar a disseminação da crise de valores, que não atinge somente a «elite» angolana, mas também a sociedade em geral: os bons costumes, a boa moral, o respeito pela pessoa humana, o sentido de pátria, estão a ser invertidos por influências ocidentais onde, muitas vezes, o interesse económico prevalece. Por isso, entendo, por exemplo, que a riqueza do nosso país não é aproveitada, nem beneficia em primeiro lugar os angolanos, mas sim os estrangeiros, salvo os governantes e todos aqueles que giram em torno do poder. Tendo isso em conta, é notório que a maior parte dos estrangeiros se encontra no nosso país apenas à usufruir das suas riquezas e não ajudando a desenvolvê-lo.

É ignóbil saber que centenas de estrangeiros, animados exclusivamente pelo lucro fácil, têm a vida facilitada por alguns cidadãos angolanos que têm importantes responsabilidades públicas.

Entretanto, não me oponho à entrada de cidadãos estrangeiros no nosso país (porque entendo que devemos ser uma sociedade aberta, como país moderno e democrático que queremos ser), muito menos à entrada de investimento estrangeiro; aliás, somos um país em vias de desenvolvimento e, portanto, nenhum país vive sem as trocas comerciais e intercâmbio com os outros povos, porém, este intercâmbio deve fazer-se com sabedoria e ponderação. No âmbito deste intercâmbio, não podemos aceitar, com facilidade, acordos que estabeleçam compromissos que não tragam benefícios comprovados para o país.

Qualquer sociedade aberta tem, hoje, um grande número de estrangeiros que, das mais variadas maneiras, contribuem para os cofres do Estado; o que dificilmente na nossa economia; por essa razão, parece imponderada a entrada aproximada de 4 milhões de chineses em Angola, pior ainda porque nem sequer é uma certeza estamos perante quadros que oferecem uma mão-de-obra mais qualificada do que a que temos internamente.

Seja como for, parece-me salutar o investimento chinês em Angola, mas tal tem de salvaguardar o interesse dos cidadãos angolanos, ou seja, o direito ao trabalho, à segurança social, aos seguros de vida, etc. Também parece incomportável e exagerado a quantidade de chineses que acorrem no nosso país.

Para terminar, pretende-se saber:

Se este é o legado que a geração que de momento está no poder vai deixar-nos como herança?

Será que esta geração pensa nos seus próprios filhos, dado que é suposto gostarem tanto como os pais de Angola e, por isso mesmo, continuarão a viver em Angola? Será que é a sociedade de corrupção, de marginalização e exclusão social, de violação permanente das regras de conduta social, e dos mais elementares direitos fundamentais da pessoa humana, que querem para os seus próprios filhos?

O respeito pelos nossos antepassados, pelo sangue daqueles que deram as suas vidas pela pátria exige um mínimo de responsabilidade, um mínimo de patriotismo, um mínimo de bom-senso da parte de quem governa, em homenagem ao presente e ao futuro de todos nós!

Marlene Pedro

sexta-feira, 3 de março de 2006

O QUE SERÁ UMA (rigorosa) SINDICÂNCIA?

É estréia absoluta nesse espaço de debate, faço-o com muito prazer, aproveitando a oportunidade para felicitar os promotores da brilhante iniciativa em especial agradecer o convite do ilustríssimo colega e amigo Pépé (só para os amigos).

Foi com alguma surpresa ou talvez não, que soube da exoneração do General Fernando Garcia Miala, ex Chefe dos Serviços Secretos da República de Angola.

Muito se disse e muito se especulou quanto as (verdadeiras) razões da surpreendente ou talvez não, demissão do General Miala.

Recordando aqui algumas afirmações do Prof. Pinto de Andrade "O General Miala passou a transformar-se numa figura pública conhecida e visível. Ele (Miala) era, de certa forma, uma figura prestigiada porque começou a levar a cabo um conjunto de acções; envolveu-se na prestação de assistência a crianças orfãs, esteve ligado à (parte boa) da sociedade civil”.

Nas palavras de Filipe Correia de Sá "É frequente, quando algumas figuras do Estado, em Angola, são afastadas, relacionar-se isso com a visibilidade que essas pessoas têm em relação ao Chefe de Estado. Isso aparece como uma das explicações para o afastamento do General Miala".

Ora perante tudo o que se disse e o que (ainda) não se disse, a questão pertinente que se coloca é, de que sindicância se trata?

Lembro, é a segunda solicitada num lapso de tempo relativamente curto e pela mesma instituição – Presidência da República.

Diz a noticia do dia 27 de Fevereiro, ”O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, determinou hoje, nos termos do artigo 74º da Lei Constitucional, a criação de uma Comissão de Sindicância ao Serviço de Inteligência Externa, onde foram detectadas graves violações às normas de trabalho e disciplina pelos membros da sua direcção”.

No meu humilde entendimento a interpretação que se faz ab initio, leva-me a observar o seguinte: Dispõe o artigo Artigo 74° da actual Lei Constitucional “No exercício das suas competências, o Presidente da República emite decretos presidências e despachos que são publicados no Diário da República.

Da leitura do dispositivo constitucional, não se infere imediatamente a natureza e alcance da sindicância em referência.

Salvo melhor entendimento, a sindicância é sempre vista, como um mero procedimento investigatório, sem forma, sem partes, sem acusação e sem qualquer necessidade de assegurar a ampla defesa e o contraditório.

Apesar da regra geral ser esta, existe excepção, que é a sindicância acusatória que pode gerar advertência ou suspensão de até 30 dias.

Esta regra geral se justifica porque a própria etimologia da palavra assim indica: sindicância vem de síndico, que se derivou de sindicar (examinar, inquirir, tomar informações), e gramaticalmente exprime acção e efeito de sindicar (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol. IV, 12a edição, 1996, Ed. Forense, p. 238).

Ratificando esta noção geral, a palavra sindicância, como lembrou Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando José Cretela Júnior, in Direito Administrativo, 12ª edição, 2000, Ed. Atlas, p. 498, é formada pelo prefixo syn (junto, com, juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer ver.

Por isso, correcto conceituar gramaticalmente a sindicância como "a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto".

Assim, como se sabe, a sindicância é, por sua própria natureza, um procedimento inquisitório de investigação, sem necessidade de ampla defesa e contraditório, onde não há lide, partes ou ordenação seqüencial de actos.


Pelo que, a questão se impõe, estamos perante uma Sindicância Investigativa ou Sindicância Punitiva?

No âmbito da sindicância poderá resultar:
a) o arquivamento do processo;
b) a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; ou
c) a instauração de processo disciplinar.

Para o certos doutrinadores, entre eles o Ministro Jorge Scartezzini, do STJ sindicância é um procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim único de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, não se confundindo com este. Sendo, desse modo, prescindível, nesta fase, a observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Porém, o legislador, ao dispor que da sindicância poderá resultar penalidade para o servidor (público), ele criou uma divisão da sindicância, já que, se resultar penalidade para o servidor (público), ela será acusatória (ou punitiva), e não investigativa tão somente.

Insisto, que sindicância foi determinada no dia 27 de Fevereiro pela Presidência da República?

Quanto a comissão criada para o efeito a questão também se impõe; Se da sindicância resultar, então, penalidade de advertência ou suspensão de no máximo 30 dias, será ela acusatória; se resultar arquivamento ou abertura de processo administrativo disciplinar, será investigativa.

Então, a classificação da sindicância é retroativa, e não progressiva, porque será ela investigativa ou punitiva não em função de uma percepção inicial, e sim em função de uma percepção final, após o término da mesma.

Como, neste contexto, a comissão de sindicância saberá, desde o início, se o procedimento será de acusação ou apenas de investigação?

Vale dizer: os servidores públicos, membros da comissão de sindicância, encarregados pelo procedimento, só saberão se estão realizando uma investigação ou uma acusação no final dos trabalhos, quando elaborarem o relatório final, até mesmo porque, caso a comissão resolva dar ao procedimento a caracterização de sindicância punitiva (antevendo a possibilidade de punição apenas em advertência e suspensão de até 30 dias), e a autoridade competente entender que a pena deverá, por exemplo, ser de suspensão de 45 dias, a sindicância será caracterizada como meramente investigativa, com necessidade de abertura do processo administrativo disciplinar, independentemente de ter ou não garantido a ampla defesa e o contraditório.


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