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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Um Obstáculo Chamado Caluandismo

Enquanto o caluandismo continuar omnipresente em todas as esferas da nossa problemática sociedade, dificilmente conseguiremos promover o tão falado e esperado desenvolvimento económico, social e cultural de todo o território nacional.

Mas afinal o que é o caluandismo? O caluandismo é uma poderosa corrente política e socio-cultural que impõe, entre nós, a férrea manutenção de Luanda como único palco da vida política, económica, cultural, social e administrativa do nosso imenso País. Assim, para os partidários desta poderosa corrente «Angola é Luanda, o resto é paisagem» e qualquer indivíduo cujo B.I. comprove ser natural de Luanda é, automaticamente, mais «evoluído», mais patriota e mais angolano do que qualquer outro compatriota. E o caluandismo apresenta-se como uma das mais perigosas enfermidades da nossa problemática sociedade, pelo triste facto de interferir profunda e negativamente na formação da consciência nacional, nas maneiras de viver a angolanidade e de pensar o País.

É importante esclarecer que condenar o caluandismo não é estar contra os naturais de Luanda (caluandas). Além de mais, a dura realidade prova-nos que ser caluandista não é, necessariamente, ser caluanda. Isto porque, há naturais de Luanda que não são caluandistas e há grandes caluandistas que não nasceram na capital do País.

Quem são, então, os caluandistas? No contexto desta reflexão, tanto são caluandistas os caluandas que acreditam que fora de Luanda não existe Angola nem angolanos e se acham mais cidadãos e mais patriotas por serem da capital (caluandismo activo), como os angolenses que se julgam injustiçados por não serem oriundos de Luanda e que, para compensarem essa maldição, ignoram as suas regiões de origem e encaram a adopção dos sistemas de hábitos, de crenças e de valores da região da capital como única forma de se afirmarem como patriotas e de sobreviverem como angolanos (caluandismo passivo).

E porquê que afirmamos que o caluandismo interfere profunda e negativamente na formação da consciência nacional, nas maneiras de viver a angolanidade e de pensar o País? Porque na mentalidade caluandista, os nascidos nas «províncias» são cidadãos incompletos e duvidosos patriotas. Por isso, para beneficiarem do estatuto de bons angolanos, usufruírem das benesses da nacionalidade e movimentarem-se com sucesso nas rígidas fronteiras do caluandismo, eles terão de passar por um duro e rigoroso processo de avaliação bem como superar, com distinção, três hierárquicos critérios de purificação.

Critério da pele: Luanda sempre foi uma cidade «crioula» e até a grande imigração branca do início do século XX, era uma urbe dominada por mestiços que desempenharam importantes papéis de intermediários durante a escravatura. E, depois do comércio de escravos, ocuparam posições chaves no comércio, no funcionalismo civil, na imprensa, no exército e na política. Como os caluandistas avaliam a dignidade dos angolanos de acordo com a pigmentação da pele, todos os brancos e mestiços oriundos dos mais variados recantos angolanos ou nascidos nos mais remotos lugarejos do País não são molestados pelo facto de não terem tido o divino privilégio de nascerem em Luanda. E, graças à clareza das suas epidermes, são, automaticamente, naturalizados caluandas, circulando à vontade nas fronteiras do caluandismo. Mesma sorte, porém, não têm os «forasteiros» de pele escura. Para se moverem à vontade no universo caluandista, os negros oriundos da «província» precisam de superar, com êxito, o critério seguinte.

Critério político: Este é o primeiro dos critérios que avaliam a angolanidade e o patriotismo dos negros nascidos longe da capital. A politização da sociedade angolana e o longo conflito fizeram de Luanda o viveiro dos verdadeiros patriotas e a sede da pura angolanidade e do autêntico nacionalismo. Aliás, o próprio conceito de nacionalismo «angolano» foi deploravelmente caluandizado. Assim, os negros tidos como verdadeiros nacionalistas e que realmente militaram na luta anti-colonial são: os agregados na Liga Africana e no Ngola Ritmos; os que constam da lista do chamado processo dos 50; os desterrados para o Tarrafal e os que frequentaram a Casa dos Estudantes do Império, o Clube Marítimo e o Liceu Salvador Correia. E a intensa politização da sociedade angolana, iniciada após o 25 de Abril de 1974, agravou essa visão caluandista de nacionalismo. E desde então, os negros oriundos da dita «província» passaram a ser tidos como quase angolanos, maus patriotas e duvidosos nacionalistas.

Para contradizerem essa fatal opinião e passarem a ter expressão no contexto da angolanidade, os negros não caluandas tinham de dar incontestáveis provas de que eram fervorosos militantes ou acérrimos simpatizantes do MPLA, que é, para muitos, a expressão política do caluandismo. É este fenómeno que explica o fanatismo político dos negros da «província» que trabalham nos principais órgãos de informação do Estado, que militam no «Partido» e chegaram às altas figuras do Governo.

Critério geográfico: Os negros que não nasceram em Luanda e que cometeram o imperdoável erro de não serem acérrimos adeptos ou militantes inconfundíveis da mais pura organização política de Angola, para não serem incluídos na lista dos banidos da angolanidade, terão de ser do «Norte», ou seja, terão de ser originários do Bengo, Malange e Kwanza-Norte, Províncias que, a par de Luanda, delimitam a antiga região onde durante séculos estiveram circunscritas a presença portuguesa e a acção colonial. Os portugueses apelidavam de Ngola à região que os caluandistas denominam «Norte». Assim, os ngolas são os únicos negros não caluandas que, para terem expressão válida no conceito da angolanidade, não precisam de ser fervorosos apoiantes do Governo do MPLA.

É necessário esclarecer que a noção de pontos cardeais que todos aprendemos em geografia não coincide em nada com a dos caluandistas. Para eles, e por causa da herdada mentalidade colonial, todas as regiões que existem depois de Luanda, Bengo, Malange e Kwanza-Norte não fazem parte do «Norte». Assim, os nortenhos de Cabinda, do Uige e Mbanza Congo são «zairenses» e «congoleses». E até os nordestinos das Lundas são tidos como sendo do «Sul». O mais curioso é que quando, por exemplo, um clube de Luanda vai competir no Namibe, os caluandistas, julgando estarem numa Província do interior, alegam ser-lhes difícil jogar «longe do litoral».

Outra das vertentes do critério geográfico tem a ver com os nomes. Como reza a história, os negros da região de Luanda foram os mais lusitanizados dos nativos. É, por isso, muito difícil encontrar um caluanda com um apelido africano. Daí existir muita gente do tão desprezado «sul» que não é importunada pelos caluandistas, graças ao completo aportuguesamento dos respectivos nomes ou à oportuna limpeza ou omissão dos seus apelidos do «Sul». A lógica dos caluandistas é esta: é negro e não tem nenhum nome «feio», então é do «Norte». E, assim, quando sabem que um Joaquim Domingos Lemos é natural de Saurimo, os ufanos caluandistas exclamam: “com esse teu nome nem pareces do «Sul»!”.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

As Máscaras do Regime!

Não iremos longe, enquanto os membros do núcleo duro do MPLA, que alegam estar em condições de, finalmente, colocarem Angola na merecida rota do desenvolvimento, teimarem em governar o País mergulhados numa permanente indefinição ideológica, numa constante incoerência de valores e numa interminável contradição com as causas que dizem defender.

E é em consequência dessa perturbação colectiva que o poderoso grupo insiste em impor, como instrumento ideal de estabilização do País e como único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola, um complexo sistema de gestão governativa e de administração pública, caracterizado por uma confusa miscelânea de correntes ideológicas e de várias formas de estados e de governos. A este propósito, Alfredo Margarido, professor de história de África, observa o seguinte: “Os angolanos viveram com três ou quatro modelos constantes: o modelo argelino, porque uma parte do aparelho político esteve exilado na Argélia e aprendeu na Argélia todas as regras do partido único, centralizador, unitário e imperativo; o modelo cubano, salvo lhes faltava o Fidel Castro; o modelo chinês, visto que Mao Tsé Tung exerceu uma certa influência; e, finalmente, o modelo soviético. Essa confusão levou a exacerbação terrível, que ainda não desapareceu”.

O poderoso e omnipresente sistema não é, oficialmente, um regime de Ditadura autocrática. Isto porque, os seus engenhosos arquitectos fizeram vigorar uma Constituição onde estão consagrados os direitos, as liberdades e as garantias dos angolanos (temos, até, um Provedor de Justiça ao qual os cidadãos podem apresentar queixas contra os abusos dos poderes públicos). Dotaram a nossa comunidade política de uma aparente hierarquia de normas jurídicas que asseguram um controlo das autoridades públicas por órgãos e juízes «independentes». Preconizaram a designação dos governantes através de eleições regulares. Instituíram o multipartidarismo (somos um dos países com mais partidos políticos) e constituíram um representativo Parlamento com amplos poderes e privilégios.

Mas não se pode dizer que o sistema que nos quer tirar do subdesenvolvimento seja um verdadeiro regime Democrático. Isto porque, os valores e os princípios da Democracia são frequentemente atropelados. O Governo, ferreamente chefiado pelo Presidente da República, detém um controlo absoluto sobre os outros órgãos de soberania. Exceptuando os deputados, todos os restantes dirigentes ascendem aos respectivos cargos por nomeação ou aprovação do Presidente. O Chefe Supremo está, assim, revestido de um poder absoluto e acima de qualquer exame ou controlo por parte de outro órgão, seja ele judicial, legislativo ou eleitoral. Continuam a confundir o Partido com o Estado e subsiste a ditadura de Partido único na gestão da «Coisa Pública» e na condução dos destinos do País. Os governantes continuam acima da lei, nunca explicam aos angolanos os seus actos e as suas decisões e persistem no bloqueio à participação política. Defendem a pluralidade partidária, mas o seu Partido continua único e singular. Consagram na Constituição a liberdade de pensamento e de expressão, mas os dogmas e as teses oficiais são as únicas expressões de liberdade. E para zelar pelos supremos interesses do «Estado» e para salvaguardar a ordem «democrática», eles mantêm operante uma poderosa máquina de desinformação, intimidação, espionagem, patrulhamento e repressão.

O sistema não é, oficialmente, uma Monarquia. Porque os integrantes do regime dominante definem-se como convictos republicanos. Afirmam terem feito de Angola uma República independente e soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular. Garantem que, entre nós, a soberania reside no Povo angolano que a exerce segundo as normas previstas na Constituição. Asseguram que a terra é de todos nós e todos os angolanos devem usufruir dos fabulosos lucros das riquezas do País.

Contudo, o poderoso sistema só é formal e constitucionalmente uma República. Porque na prática os nossos «republicanos» governam como na Monarquia absolutista e agem e vivem como autênticos monárquicos. Assim, todo o poder do Estado pertence, exclusiva e eternamente, ao «Rei» (Presidente) e não pode ser partilhado com mais ninguém. O «Supremo Monarca», os seus herdeiros e a «Rainha oficial» vivem e agem como se Angola fosse uma propriedade familiar. A «elite» do regime é uma espécie de «fina aristocracia», cujos membros vivem e agem como autênticos nobres, gozando de protecção especial do «Rei», beneficiando de um estatuto jurídico privilegiado e de uma ofuscante proeminência social. Aos «nobres» (distintos membros do Partido e do Exército) pertencem grande parte dos feudos políticos e económicos, recebidos do «Supremo Monarca» como prémio das suas conquistas político-militares e da cega lealdade ao «Rei». Por isso, gozam de um eterno direito de precedência generalizada e de inesgotáveis privilégios económicos, fiscais, jurídicos e de jurisdição. Monopolizam «até que a morte os separe» os títulos nobiliários (há mais de 20 anos que alguns exercem, de forma incólume e intangível os concorridos cargos de ministros, governadores, directores e chefes). Agem como se fossem os únicos iluminados do «Reino» e consideram-se intangíveis por qualquer força humana.

Os membros do poderoso regime que, agora, nos quer tirar do subdesenvolvimento não são, propriamente, capitalistas. Isto porque, durante longos e dolorosos anos, não se cansaram de exibir uma temível versão angolana de estalinismo e de marxismo-leninismo. Pelo triunfo do Socialismo científico, guerrearam a «pequena burguesia» que fomentava a miséria entre os angolanos e explorava a classe operária e camponesa. Pela consagração do Comunismo, mantiveram um duro combate ao Imperialismo Norte-americano. E, até há bem pouco tempo, os seus gabinetes estavam religiosamente decorados com ícones de Lenine, Marx e Engels e consideravam um hediondo crime económico tocar em dólares americanos e apropriar-se das riquezas do heróico Povo angolano.

Mas os poderosos camaradas já não vivem como comunistas autênticos nem agem como socialistas científicos. Porque, na sequência da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra-fria, o poderoso grupo protagonizou uma das mais incríveis metamorfoses político-ideológicas, passando, em tempo recorde, de convictos socialistas a poderosos capitalistas. Assim, os que rumavam certinhos em direcção ao socialismo desencadearam uma louca corrida pela privatização e usurpação dos bens do «Povo angolano». Monopolizaram a iniciativa privada e o máximo lucro tornou-se no fim único de todas suas actuações. Enfim, todos se entregaram à ganância ou como sentenciou o Profeta Isaías, tornaram-se “vorazes e insaciáveis (…) Cada qual segue o seu caminho, cada um busca o seu interesse”(ISAÍAS 56, 11). Por isso, vulgarizaram a fraude e a corrupção. Institucionalizaram o peculato, a apropriação de comissões, o compadrio, os orçamentos astronómicos, as compras fantasmas, o tráfico de influências e o suborno generalizado.

José Maria Huambo

sábado, 11 de agosto de 2007

UNITA: Uma Oposição «Fantoche»!

Quando se está atento ao actual cenário da política angolana, torna-se difícil entender o enorme entusiasmo criado em torno da candidatura de Abel Chivukuvuku. Argumentou-se frequentemente que «com o Dr. Abel o partido do Galo Negro teria uma nova dinâmica, a oposição seria mais credível e ele era a pessoa ideal para enfrentar Eduardo dos Santos nas próximas eleições».

Atendendo à conjuntura dominante, rapidamente se desvenda que a UNITA não tem ambiente, nem condições, nem argumentos para confrontar, politicamente, o núcleo duro do MPLA e opor-se, democraticamente, ao cada vez mais poderoso grupo de José Eduardo dos Santos. Não é, por isso, sensato esperar-se dos «maninhos» uma forte e séria oposição ao poderoso sistema reinante. Isto porque, quatro décadas depois da sua fundação, facilmente constatamos que a UNITA nunca foi um organização tão «fantoche» como nos tempos que correm.

Respeito a indignação e a revolta daqueles que acham ser uma grande afronta reciclar e reutilizar nesta fase, dita de Paz e Reconciliação, um dos vocábulos mais polémicos e mais marcantes dos tenebrosos anos de guerra. Mas, por mais que doa a muitos, a minha geração precisa de questionar, repensar e debater tudo aquilo que nos foi ensinado durante os quase 30 anos de conflito.

Porque é que o termo fantoche se tornou, entre nós, sinónimo de UNITA? Um fantoche é uma espécie de boneco animado e manipulado internamente por uma pessoa. Os «Marretas» e os bonecos da Rua Sésamo são os fantoches mais famosos do mundo. O termo fantoche é usado pejorativamente para designar pessoas ou grupos de pessoas sem autonomia e sem vontade própria que são manipuladas por outros indivíduos ou grupos de pessoas.

Durante longos e dolorosos anos, a poderosa máquina de propaganda e desinformação ao serviço do núcleo duro do MPLA incutiu, ampla e insistentemente, nos nossos espíritos a ideia de que a UNITA não era um legítimo movimento de nacionalistas angolanos. Ela era uma criação dos colonialistas portugueses e não passava de uma organização «fantoche» à mercê dos interesses e dos caprichos do imperialismo e da racista África do Sul.

Apesar da longa fama, tem-se constatado que só nos últimos 5 anos é que a UNITA tem sido uma organização «fantoche». Porque desde a sua fundação, só agora se vê confrontada pela contingência da sua sobrevivência política depender das constantes manipulações e da permanente sujeição aos caprichos e desmandos do grupo dominante.

E insisto em dizer que a UNITA não tem ambiente, nem condições e nem argumentos para confrontar, politicamente, o partido dominante e opor-se, democraticamente, ao sistema reinante, porque ela foi durante longos anos intensamente «diabolizada» pelos veículos de propaganda e contra-informação do núcleo duro do MPLA (TPA, Rádio Nacional, Jornal de Angola e órgãos afins). E a máscara da Paz e Reconciliação tem sido absolutamente incapaz de ocultar tudo aquilo que nos foi ensinado e passamos a acreditar: «A UNITA é a grande responsável por todas as desgraças de Angola». Assim, nas disputas políticas e nos debates democráticos, os dirigentes do Galo Negro confrontam-se com uma especializada estrutura de propaganda e desinformação, montada para perpetuar a «diabolização» da UNITA e desacreditar as suas intenções democráticas. É por isso que nem as sessões do seu X Congresso nem os debates dos candidatos à presidência do partido mereceram a devida atenção dos órgãos de informação de um Estado que afirma ser democrático e de direito.

A UNITA saiu derrotada do longo e doloroso conflito pela supremacia político-militar. O núcleo duro do MPLA que hoje domina por completo a sociedade angolana sempre guiou-se pelo seu famoso lema: «os nossos opositores não têm alternativa. Quer queiram quer não, estão condenados a ser governados por nós». Iluminados por este propósito, o grupo dominante arquitectou uma estrutura política e sócio-económico treinada para manipular e «domesticar» o Partido do Galo Negro. Como acontece com todos os vencidos que jazem nas arenas políticas de Angola, os dirigentes da UNITA têm sido forçados a submeter-se às regras impostas pelos vencedores e, por força desta dura realidade, ficaram sem ambiente, sem condições e sem argumentos para confrontá-los politica e democraticamente. Todos vimos a intrigante submissão dos «maninhos» nas grandes questões da nova Constituição, na calendarização das eleições, na polémica da Agenda Nacional de Consenso, na «maka» dos deputados, na escolha dos seus ministros do GURN, etc., etc.

A UNITA, com a sua famigerada guerrilha, muito contribuiu para a actual atmosfera de desgovernação e estagnação do País. E, por força dos acordos de Paz, é, agora, parte integrante do mesmo governo que sempre combateu. Por isso, não tem ambiente, nem condições, nem argumentos para confrontar, politicamente, a danosa e desastrosa gestão governativa do núcleo duro do MPLA e opor-se, democraticamente, ao vergonhoso clima de corrupção e incompetência que reina entre nós. Aliás, na gíria corrente, o GURN significa: «os Grandes Uniram-se para Roubar a Nação». E, a não ser que retire os seus membros do governo, nem a UNITA parlamentar e co-governante, nem a equipa de Samakuva, nem Chivukuvuku e seus partidários conseguirão, nos próximos tempos, contrariar este cenário ambíguo.

No quotidiano jogo pela realização pessoal e sobrevivência sócio-política, os dirigentes do Galo Negro esbarram, constantemente, contra uma super-estrutura partidária que se confunde com o Estado e que controla os acessos aos bens materiais necessários à sua estabilidade familiar e económica. Por isso, a UNITA parlamentar e co-governante, o deputado Chivukuvuku e a equipa de Samakuva não têm tido outra alternativa se não aceitar que seja o mesmo «regime» que sempre combateram que tenha, agora, de atribuir-lhes as casas, os carros, os ordenados, os subsídios e outras importantes regalias. E neste ambiente de completa dependência económico-financeira, qualquer crítica ou tomada de posição dos altos dirigentes da UNITA dirigidas ao partido no poder ou ao Presidente da República é tida como um reprovável acto de ingratidão. Isto porque, no seio do núcleo duro do MPLA e entre os seus fervorosos adeptos circula a tese segundo a qual os altos dirigentes do Galo Negro estão em grande dívida para com os «camaradas». Porque foi o MPLA quem salvou a UNITA de um fim inglório, transformando-a num partido político. E se hoje os seus principais dirigentes continuam a fazer política, aparecendo bem nutridos e bem vestidos é tudo devido ao forte sentido de Estado e à incomparável magnanimidade do Camarada Presidente José Eduardo dos Santos.

José Maria Huambo

terça-feira, 8 de maio de 2007

As 3 Dimensões do Amor à Pátria!

Não iremos longe e dificilmente a nossa amada Pátria entrará na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano, enquanto continuarmos a exibir uma cidadania gravemente inacabada, uma consciência cívica profundamente deficiente e toda a espécie de patriotismos muito mal envernizados. Sim, porque apesar da ruidosa exaltação do nosso tão apregoado amor à Pátria e apesar do nosso tão gabado orgulho angolano, a grande e dolorosa verdade é que não cessamos de fazer tábua rasa aos requisitos de um autêntico patriotismo e aos grandes valores que dignificam a pessoa humana, honram um cidadão e engrandecem um País.

Inspirados pela teoria das 3 dimensões da vida perfeita, abordadas por Martin Luther King no seu livro Força Para Amar, diremos que o verdadeiro amor à Pátria tem 3 dimensões: comprimento, largura e altura.

O comprimento do amor à Pátria, corresponde ao percurso que cada um de nós deve seguir a fim de alcançarmos os nossos objectivos e as nossas ambições pessoais. Esta dimensão corresponde, enfim, à profunda preocupação pelo nosso bem-estar pessoal, pela nossa máxima realização individual e pelo completo desenvolvimento dos nossos talentos e das nossas capacidades.

A largura do amor à Pátria, corresponde à nossa preocupação exterior pelo bem-estar e pelas condições de vida dos outros. Aliás, é nesta dimensão que se exprime o verdadeiro patriotismo. Só poderemos ser bons patriotas e contribuir para o progresso do nosso País quando estivermos em comunhão com os interesses dos compatriotas e preocuparmo-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos. Enfim, como bem disse Luther King, “ninguém pode saber o que é viver sem sair dos limites dos seus próprios interesses para se lançar nos vastos interesses de toda a humanidade (...) Para que a vida seja fecunda e significativa, o nosso interesse pessoal tem de andar ligado ao fraterno interesse pelos outros”.

A altura do amor à Pátria, corresponde à nossa elevação espiritual. Esta dimensão espiritual do verdadeiro patriotismo tem a sua máxima expressão no orgulho resultante da prática dos grandes valores que dignificam a pessoa humana, honram um cidadão e engrandecem um País. Por exemplo: No orgulho de sermos membros de uma comunidade que respeita e protege os nossos inalienáveis direitos. No orgulho de sermos governados por patriotas dispostos a canalizarem os recursos disponíveis e as suas capacidades na solução dos intermináveis problemas do povo e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual dos seus compatriotas. No orgulho de pertencermos a uma terra afortunada, a um país organizado e a uma sociedade justa e próspera.

E como nenhuma cidadania pode ser completa e nenhum patriotismo pode ser autêntico sem o desenvolvimento harmonioso dessas 3 dimensões, facilmente se constata que ao longo destes dolorosos anos temos sido maus cidadãos e péssimos patriotas. Porquê?

Porque na maior parte da nossa breve existência como orgulhosos patriotas não temos ido além da primeira dimensão do amor à Pátria, ou seja, vivemos apenas absolutamente concentrados nas nossas ambições e nos nossos interesses pessoais. Assim, o nosso bem-estar tornou-se no único e incansável propósito digno do nosso interesse. Os outros que se arranjem. Apenas eu e a minha família, o nosso futuro, a nossa formação, os nossos estudos, a nossa saúde, a nossa estabilidade financeira, o nosso conforto económico e a nossa boa vida. Por isso, as condições de vida dos outros deixaram de fazer parte das nossas preocupações e pouco nos importa a vergonhosa degradação dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.

Essa colectiva e institucionalizada incapacidade de sairmos dos nossos interesses privados e das nossas ambições pessoais fornece-nos as razões da vergonhosa inexistência de uma Angola pública e está na origem da estagnação da nossa amada Pátria. Isto porque, durante longos e dolorosos anos, cada um de nós concentrou-se apenas em libertar, reconstruir e desenvolver a sua própria Angola. Assim, cada um de nós delimitou o seu sagrado território. Escolheu os seus cidadãos. Criou o seu próprio sistema de ensino e de educação. Ergueu a sua própria rede de fornecimento de luz eléctrica e de abastecimento de água. Privatizou os órgãos e os mecanismos de Administração Pública. Desenvolveu o seu próprio sistema económico-financeiro e estabeleceu o seu próprio sistema jurídico e penal.

E é sob os desonrosos destroços desta Angola profundamente degradada e vergonhosamente retalhada que, agora, pretendemos proclamar o nosso amor à Pátria, ostentar ao mundo as nossas inúmeras potencialidades e gabar o nosso imenso orgulho em sermos angolanos. Só que amar o País, trazer Angola no coração e ter-se orgulho em ser angolano, são importantes elementos da terceira dimensão do amor à Pátria: a altura. E não nos será possível alcançar a dimensão espiritual do verdadeiro patriotismo, enquanto vivermos apenas concentrados nas nossas ambições e nos nossos interesses pessoais e deixarmos de cultivar, em grande escala, o activo interesse pelas condições de vida dos outros e pelos problemas da nossa comunidade política. É isto que Mahatma Gandhi quis dizer quando, no seu livro Todos os Homens São Meus Irmãos, sentenciou: “Não acredito que um indivíduo possa ganhar espiritualmente enquanto aqueles que o rodeiam sofrem”.

Assim, o nosso suposto amor à Pátria, ainda que seja tão intenso, a ponto de sufocar o nosso coração, deixa de fazer sentido enquanto continuarmos a excluir os outros das benesses da angolanidade por razões políticas, raciais, étnicas, religiosas e socio-económicas. De nada nos vale proclamarmos bem alto perante a África e o mundo o nosso imenso orgulho em sermos angolanos, enquanto permanecermos desumanamente indiferentes à vergonhosa degradação e ao imerecido sofrimento dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas. De nada nos vale apregoar que somos uma das terras mais ricas deste universo, uma temível potência africana e o País que mais crescerá neste mundo, enquanto cada um de nós continuar a preocupar-se apenas com a sua própria «Angola». E por tudo isso, torna-se doloroso trazer no coração um país degradado e retalhado e amar uma Angola cada vez mais de alguns, onde a pobreza extrema convive lado a lado com a riqueza ostensiva.

Portanto, não iremos longe enquanto continuarmos a exibir uma consciência cívica profundamente deficiente e a ostentar um patriotismo muito mal envernizado. E sem uma profunda conversão das mentalidades, das maneiras de pensar o País, de viver a angolanidade e de estar e conviver com os outros, dificilmente a nossa amada Pátria entrará na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano. Isto porque a Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida é uma comunidade de pessoas que comungam das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas. E todos os filhos de Angola desejam usufruir daqueles bens que elevam a vida!

Por isso, ninguém pode ser bom patriota ignorando as condições de vida dos compatriotas e desligando-se dos problemas da Pátria. Ninguém pode orgulhar-se de ser angolano entrincheirado nas fronteiras da sua «Angola» privada e permanecendo indiferente à degradação das estruturas do País e ao imerecido sofrimento dos outros angolanos. Ninguém pode amar loucamente a Pátria desprezando e excluindo os outros membros dessa mesma Pátria. Enfim, e parafraseando os Bispos Católicos de Angola, não é possível amarmos a Pátria e desprezarmos os nossos compatriotas. Se desprezamos os nossos compatriotas, desprezamos também a nossa Pátria. Se quisermos amar esta, temos de amar também aqueles. Em suma, ou somos amigos dos nossos compatriotas ou somos inimigos da nossa Pátria.

José Maria Huambo

«Catingueiros» Perfumados!

A Paz é um dos mais preciosos perfumes da humanidade. E o tempo que corre oferece-nos a rara oportunidade de consolidarmos os benefícios de tão agradável fragrância. Acontece que os quase 30 anos de guerra deixaram-nos imundos e mal cheirosos. E para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, era importante implementarmos uma mega operação de limpeza e purificação colectiva a fim de banirmos do nosso seio os erros que originaram a devastação e estagnação da nossa amada Pátria e eliminarmos os vícios que exploram e manipulam as nossas naturais diferenças e obstam a convivência fraterna entre todos os angolanos.

Só que nada disso tem acontecido. Continuamos a falar da «consolidação da Paz» como se fosse algo realizável com um condão mágico e sem muito esforço. Insistimos em consolidar a Paz sob os alicerces da velha estrutura onde ainda imperam o abuso de poder, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, a degradação dos valores, etc.

Os obscuros interesses partidários e as ideologias do regime dominante continuam a ter primazia. O povo continua a ser usado, instrumentalizado e desprezado. Os direitos fundamentais dos angolanos continuam a ser desrespeitados. Continuamos a fomentar os elitismos sociais e políticos e a cor da pele continua a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade.

Continuam intactos e muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de partidarização da sociedade, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Continuam, também, intactos e muito bem oleados os poderosos mecanismos moldados para manterem a grande massa de angolanos completamente à margem dos inúmeros lucros das riquezas nacionais. Por isso, os consolidadores da Paz e promotores da Reconciliação continuam, descaradamente, a usar em proveito próprio os abundantes lucros das riquezas de Angola e teimam em não aplicar as astronómicas quantias monetárias em projectos socio-económicos que visem melhorar as condições de vida dos cidadãos.

Insistimos em promover a absoluta hegemonia de Luanda e teimamos em manter o velho modelo de Estado hegemónico, politizado e concentrado como instrumento ideal de estabilização do país e de manutenção da unidade nacional, apesar da nossa história recente já nos ter provado, de forma trágica e dolorosa, que este velho modelo constitui um erro político de graves repercussões e um claro atentado a tão desejada integridade territorial.

Persistimos em manter o velho aparelho de administração, herdado do colonialismo, altamente centralizado e profundamente corrupto como instrumento fundamental da ingente tarefa de reconstrução nacional e como o único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola, apesar de já estar mais do que provado que a velha estrutura de gestão administrativa é absolutamente incapaz de funcionar como instrumento fundamental de promoção do desenvolvimento económico, social e cultural de todo o país, não serve de atenuante das naturais rivalidades derivadas das complexidades socioculturais do país, nem de instrumento de correcção das desigualdades regionais e pessoais.

No plano moral continuamos a fomentar a profanação dos sagrados valores e a sacralização dos profanos vícios. Por causa dessas reprováveis atitudes, a honestidade, a rectidão de carácter, o civismo, o sentido de responsabilidade e os bons costumes continuam a figurar na vergonhosa lista dos desprezíveis valores. Por isso, entre nós, continuam a imperar o culto da fraude, da violência, da impunidade, da desonestidade, da promiscuidade e de outras vergonhosas imoralidades.

Portanto, continuamos imundos e mal cheirosos. E por todo este triste cenário, torna-se um total desperdício derramar-se o precioso perfume da Paz sobre uma comunidade que continua a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de misérias, de preconceitos, de imoralidades e de violência. E, como sabemos, não há nada mais incómodo e perturbador do que a explosiva mistura de perfume e suor malcheiroso.

Diz-nos o Profeta: “Lavai-vos e purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal” (ISAÍAS 1, 16). Assim, para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, precisamos de ter a coragem de despirmo-nos dos antigos preconceitos, dos velhos comportamentos e das longas rivalidades. Importa mergulharmos, com humildade, na grande banheira da reconciliação. Urge, tomarmos, sem demoras, um bom banho de profunda conversão das mentalidades, das maneiras de pensar o País, de viver a angolanidade e de estar e conviver com os outros. E só com esta colectiva atitude estaremos em condições de eliminar esse suor malcheiroso que nos envergonha, prejudica e nos torna impuros aos olhos de Deus, dos compatriotas e das nações.

E uma vez que o forte odor da «catinga» tem a grande capacidade de desvirtuar a qualidade do melhor perfume, este processo de colectiva eliminação da sujidade acumulada durante estes longos e dolorosos anos de guerra, terá de ser contínuo e requererá muito esforço e uma incansável dedicação. Porque, como escreveu o Papa Paulo VI, “as paixões humanas não se extinguem. O egoísmo é uma erva daninha que não se consegue arrancar completamente da psicologia do homem”. Por isso, a vitória sobre o mau odor que infesta a nossa problemática sociedade exigirá de nós um esforço diário e colectivo. Diário, porque tal como quem cheira mal deve esforçar-se por tomar banho todos os dias, assim também cada um de nós deverá esforçar-se diariamente por combater os maus hábitos e os comportamentos nocivos fortemente enraizados no seio da nossa comunidade. Colectivo, porque o aroma agradável dos poucos que se empenharem, seriamente, na consolidação da Paz perderá o seu precioso valor, enquanto muitos ainda continuarem a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de preconceitos, de imoralidades e de violência.

José Maria Huambo