BlogBlogs.Com.Br

sábado, 13 de maio de 2006

«Nova» Constituição, Um Projecto Caluandista

Mais do que em qualquer outra época da nossa conturbada história, o tempo que corre oferece-nos a suprema oportunidade de lançarmos os alicerces de um projecto político e socio-económico que nos torne, finalmente, capazes de construir um país e consolidar um Estado. Mas apesar desta excelente ocasião, continuamos a persistir nos erros que originaram a devastação e estagnação da nossa amada Pátria.

Um desses erros e vícios tem sido, em minha opinião, a arrogante tendência dos grupos dominantes pretenderem, a todo custo, consolidar a hegemonia de uma região (Luanda) e impor o absoluto predomínio de um grupo etnocultural (os lusitanizados), forçando as outras regiões a submeterem-se a Luanda e obrigando os outros povos a caminhar a reboque dos lusitanizados. E essa visão unicista da realidade angolana ficou, claramente, reflectida na dita «nova» Constituição. Assim, mediante complicados sistemas de justificação, os poderosos grupos conseguiram impor como Lei Fundamental e consagraram como verdades constitucionais as suas intragáveis teses unicistas.

Pela leitura do ante-projecto facilmente se constata que a dita «nova» Constituição irá manter Luanda como o centro de gravidade da vida económica, social, política e administrativa do país. Aquilo a que se pretende chamar «República de Angola» continuará a ser as grandiosas ruínas daquele projecto arquitectado e edificado pela e para a «comunidade branca» da Angola colonial. A descentralização político-administrativa continuará a ser, entre nós, uma miragem. O poder continuará distante dos cidadãos. Os que vivem nas «províncias» continuarão sem o direito de debaterem os problemas que os afectam. A investidura dos governadores (provinciais, municipais, etc.) por sufrágio universal continuará a estar longe das cogitações dos nossos «democratas». Exceptuando os deputados, os dirigentes angolanos continuarão a aceder aos respectivos cargos por nomeação ou aprovação do Presidente.

Estas escandalosas opções, ardilosamente preparadas pelos grupos dominantes, terão reflexos negativos na tão falada estabilização do país e no tão propalado desenvolvimento de Angola. Vejamos: O Estado moderno prossegue uma considerável multiplicidade de fins, detém uma grande variedade de atribuições a seu cargo que se tornam cada vez mais complexas e diversificadas. Uma das complexas atribuições do Estado consiste na promoção do desenvolvimento económico, social e cultural de todo o território nacional. Ora, o Estado angolano não está em condições de prosseguir de forma hegemónica, politizada, concentrada e centralizada esta gigantesca tarefa, dado que Angola, com os seus 1.246.700 km2, apresenta-se como um país muito vasto.

Para termos uma noção da magnitude do nosso território, diremos que a superfície do nosso país equivale ao somatório das áreas geográficas de Portugal (92.446 km2); Itália (301.268 km2); França (551.500 km2); Holanda (40.844 km2); Bélgica (30.519 km2); Suíça (41.293 km2); Dinamarca (43.007 km2); Áustria (83.853 km2); Croácia (56.538 km2); Luxemburgo (2.586 km2); Singapura (618 km2); Mónaco (1, 95 km2); Andorra (453 km2); Liechtenstein (160 km2); Malta (316 km2); São Marino (61 km2) e Ilhas Seychelles (455 km2).

Mais. A Província de Malange com os seus 97.602km2 é maior que Portugal. A Província do Namibe (57.091km2) é maior que a Dinamarca. A Província do Uige (56.698km2) é maior que a Croácia. A Província do Kuanza-Sul (55.660km2) é maior que a Suíça ou a Holanda. A Bélgica é menor que a Província de Benguela (39.826km2). A Áustria é menor que a Província do Cunene (87.342km2).

Luanda fica a 1424 kms de Ondjiva; 1051 kms de Menongue; 1175 kms de Lucapa; 1039 kms de Saurimo; mais de 600 kms de Benguela; quase 700 kms do Huambo; 1314 kms do Luena; 709 kms do Kuito; 1015 kms do Lubango; 1234 kms da cidade do Namibe. Sair de Luanda a Ondjiva é quase o mesmo que ir de Lisboa a Paris (1450 kms). E a distância que separa o Huambo de Luanda é maior do que a que separa Lisboa de Madrid (636 kms). Por tudo isso, é justo dizer-se que nenhum poder hegemónico, politizado e concentrado, nenhum aparelho administrativo profundamente centralizado será capaz de fomentar o progresso equitativo e harmonioso de um território tão imenso como o nosso.

Por acharem que Angola é Luanda e por cegamente acreditarem que o resto do país não passa de uma vasta paisagem, os complexados arquitectos da «nova» Constituição inviabilizaram a descentralização político-administrativa e pretendem aglutinar todos os poderes num único centro decisório e fomentar a concentração das principais actividades da vida social, económica, cultural e política na capital do país. Acontece, porém, que as 17 Províncias angolanas são mais do que simples áreas administrativos dependentes dos caprichos de Luanda. São mais do que importantes feudos de acomodação política de alguns dirigentes. Cada uma das nossas Províncias constitui uma parcela territorial diferente e autónoma, determinada pela natureza, pela história, pelas especiais características de ordem étnica, económica, social e cultural. E os vários povos que compõem Angola sempre tiveram uma sólida e exacta noção das delimitações do seus territórios e sempre defenderam os seus punhados de terra quer contra as invasões dos povos vizinhos quer contra a invasão do colonizador. Por isso, num país tão extenso como o nosso, social e culturalmente tão heterogéneo, centralizar todo o poder e toda a vida social, económica e administrativa numa pequena parcela do território e tratar os que vivem nas «províncias» como se todos partilhassem entre si os mesmos modos de vida, as mesmas necessidades e as mesmas preocupações, constitui um erro político de graves repercussões e um claro atentado a tão desejada integridade territorial.

E a história recente já nos provou, de forma trágica e dolorosa, que o actual modelo de Estado hegemónico, politizado e concentrado é absolutamente incapaz de assegurar a coesão de um mosaico de línguas, povos e culturas tão heterogéneas, para que ninguém se sinta submetido ou excluído. Mas os complexados arquitectos da «nova» Constituição teimam em mantê-lo como instrumento ideal de estabilização do país e de manutenção da unidade nacional.

Já está mais do que provado que o actual aparelho de administração, herdado do colonialismo, altamente centralizado e profundamente corrupto, não funciona como instrumento fundamental de promoção do desenvolvimento económico, social e cultural de todo o país, não serve de atenuante das rivalidades derivadas das complexidades socioculturais do país, nem de instrumento de correcção das desigualdades regionais e pessoais. Isto porque fomenta o completo desinteresse do Poder Central pelas especificidades étnicas e realidades socioculturais dos angolanos. Promove o subdesenvolvimento. Abre fossos entre as regiões. Discrimina os cidadãos e alimenta profundas desigualdades. Mas os «sábios e clarividentes» que se apresentam como fiéis portadores da vontade dos angolanos teimam em mantê-lo como o único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola.

E é uma grande pena! Porque, ao persistirmos nos erros que originaram a estagnação da nossa amada Pátria, ao permitirmos o triunfo de uma Lei Fundamental absolutamente fora do contexto angolano e recheada de conceitos decorativos importados da Constituição Portuguesa, estaremos a deitar por terra a excelente ocasião de edificarmos, juntos, uma estrutura política, administrativa, económica e sociocultural que vise conciliar os angolanos, construir um grande país, edificar a desejável paz duradoura e evitar o germinar contínuo de rebeliões.

José Maria Huambo