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sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Os Efeitos da Solução Privada dos Problemas Públicos

A não ser que os responsáveis pelo nosso destino colectivo mudem radicalmente de atitude e de mentalidade, Angola dificilmente entrará, durante as próximas décadas, na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano. Isto porque as estruturas de gestão governativa e de administração pública estão infestadas de vícios que mantêm emperrada toda a máquina susceptível de dar um novo impulso ao nosso problemático país. E o vício de procurar soluções privadas dos problemas públicos é, de longe, aquele que mais irá contribuir para a perpetuação da estagnação da nossa promissora pátria.

É bonito contemplar as abundantes e favoráveis projecções estatísticas sobre a nova era angolana amplamente divulgadas pelas principais instituições do universo político, económico e financeiro. É animador ouvir os especialistas estrangeiros garantirem que seremos a economia do mundo que mais irá crescer e que seremos, de longe, o mais próspero país de África.

Mas o regresso a Angola real e concreta obriga-nos a reavaliar as projecções das organizações internacionais e a repensar as garantias dos especialistas estrangeiros. Como é que vamos nos destacar dos outros países, nós que erguemos e exibimos um dos mais inoperantes modelos de Estado, uma das mais ineficazes estruturas de gestão governativa e um dos mais corruptos aparelhos de administração pública?! O que temos de tão especial que nos torna muito diferentes do Egipto, da Índia, da Líbia, da Rússia, da Nigéria, da Venezuela, do Brasil e de outros países que, apesar das suas culturas milenares e das suas riquezas, têm fracassado na promoção do crescimento económico das suas comunidades e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os seus cidadãos?!

Não somos um povo especial. Partilhamos das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas de todos os povos do mundo. Por esta razão, o desenvolvimento do nosso país está longe de ser algo automaticamente realizável pelo simples facto de possuirmos abundantes riquezas naturais, de exibirmos um PIB acima da média e beneficiarmos de um forte investimento estrangeiro. O tão desejável desenvolvimento só será materializado se os nossos dirigentes, a semelhança do que fizeram os políticos dos países que prosperaram, canalizarem, de forma eficiente, laboriosa e disciplinada, todos os recursos, todos os investimentos e todas as potencialidades na criação de condições que contribuam para que os angolanos possam ter boa vida (Economia e Finanças), viver mais tempo (Saúde e Nutrição), aumentar os seus conhecimentos (Educação e Cultura), participar activamente na vida das sua comunidade (Democracia) e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens (Paz, Ordem e Justiça).

Quer isto dizer que, para entrarmos na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano, os responsáveis pelo nosso destino colectivo terão de focalizar os recursos disponíveis e as suas capacidades na solução dos intermináveis problemas do povo. Ora, com um modelo de Estado inoperante, com uma gestão governativa ineficaz e com um aparelho de administração pública altamente corrupto, nenhuma estrutura governativa consegue promover o crescimento económico da sua comunidade e criar condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual dos seus cidadãos.

E não se pense que essa incapacidade de resolver os problemas que debilitam a nossa comunidade política seja fruto de feitiços e maus-olhados lançados por aqueles que invejam e cobiçam as nossas riquezas ou que seja, apenas, uma das múltiplas consequências da longa guerra que nos foi imposta. Além das contingências da colonização e do longo conflito armado, o nosso atraso e subdesenvolvimento devem-se, sobretudo, a existência e a persistência no seio das estruturas que conduzem o nosso destino colectivo de um sistema circulatório de maus hábitos de gestão governativa e de administração pública. E o mau hábito dos dirigentes procurarem resolver de forma privada e egoísta os problemas que afectam todo a comunidade política é, de longe, aquele que mais se destaca. Para demostrar os malefícios desse mau hábito, partiremos de três exemplos básicos: o fornecimento de luz eléctrica, o abastecimento de agua canalizada e o acesso aos cuidados de saúde.

A luz eléctrica é, sem dúvidas, uma das mais importantes necessidades dos povos modernos. A falta dela afecta a qualidade de vida das comunidades e põe em risco os planos de crescimento económicos de qualquer país. Atendendo as circunstâncias históricas e a conjuntura político-militar que ensombraram o nosso país, produzir e fazer chegar a luz eléctrica às vilas e cidades do país constituía um verdadeiro desafio para os responsáveis pelo nosso destino colectivo. Mas que fizeram eles? Em vez de canalizarem, de forma eficiente e laboriosa, os recursos disponíveis e as suas capacidades na solução desse problema público, preferiram abdicar desta espinhosa missão e recorrer à solução privada desse importante problema do povo: instalaram nas suas vivendas e nos seus domínios privados potentes geradores de electricidade que garantem o fornecimento ininterrupto da luz eléctrica. Por isso, a escuridão geral do país deixou de fazer parte das suas preocupações. E para sobrevivermos aos abundantes e constantes apagões, cada um de nós, conforme as suas capacidades, seguiu o mau exemplo dos chefes e procurou adquirir um gerador.

O mesmo aconteceu com o problema público do acesso à água canalizada. Em vez de procurarem eficazes soluções para esse importante problema do povo, os dirigentes limitaram-se a instalar nas suas propriedades privadas sofisticados mecanismos de abastecimento de água. Assim, persiste no seio da nossa comunidade uma vergonhosa carência de água potável e uma deficiente distribuição do precioso líquido, algo imperdoável num país com inúmeros recursos hídricos.

A solução do problema do acesso aos cuidados de saúde não foi muito diferente. E mais uma vez, os dirigentes deram ao mundo provas inequívocas da nossa incapacidade de gestão governativa e de administração pública ao mostrarem-se indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e ao persistirem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Assim, entre nós, os investimentos no sistema de saúde pública são irrisórios, os cuidados básicos de saúde não existem e quando existem são de tal maneira precários que se tornam inúteis. Por isso, doenças facilmente curáveis dizimam os angolanos.

Perante estas tristes constatações, torna-se legítimo perguntar: como pode crescer economicamente um país desprovido de energia eléctrica? Como pode desenvolver-se uma comunidade que sobrevive quase às escuras e sem água canalizada? Como pode um povo doente e mal nutrido colaborar na reconstrução nacional, trazer o desenvolvimento para Angola e fazer desta terra um grande país?

Portanto, o mau hábito dos dirigentes resolverem de forma privada e egoísta os abundantes e intermináveis problemas públicos é, de longe, o vício que mais tem contribuído na estagnação e na ineficácia da máquina susceptível de dar um novo impulso ao nosso problemático país. E com um modelo de Estado inoperante, com uma gestão governativa ineficaz e com uma administração altamente corrupta não é possível haver crescimento económico e bem-estar social. Por isso, a não ser que os responsáveis pelo nosso destino colectivo mudem radicalmente de atitude e de mentalidade, Angola dificilmente entrará, durante as próximas décadas, na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano.

José Maria Huambo