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terça-feira, 8 de abril de 2008

Por Amor À Nossa Angola, Toleremo-nos Uns Aos Outros!

As constantes denúncias de confrontos entre os fervorosos apoiantes do MPLA e da UNITA já deveriam merecer uma especial atenção de todos quantos desejam preservar a paz dolorosamente conquistada e construir um País unido, próspero e democrático.

Parafraseando Adolfo Maria e face à persistência dos actos de intolerância, é pertinente afirmarmos que, apesar da dolorosa experiência do passado, ainda não será desta que os adeptos e militantes dos principais partidos angolanos passarão a ver qualquer outro angolano como seu compatriota, diferente certamente, mas não inimigo a abater ou pessoa a excluir do convívio nacional. E assim, teimamos em manter o velho hábito de não admitirmos como resultado normal da nossa diversidade racial, étnica, cultural, social e religiosa, o facto de muitos compatriotas não comungarem das nossas crenças e das nossas opiniões nem partilharem da nossa forma de ser angolano, de pensar o País e de viver a angolanidade.

Quando era miúdo proliferavam entre os meus contemporâneos o interessante hábito de mantermos acaloradas e intermináveis discussões sobre quem eram os melhores nos mais diversos panoramas da vida política, artística e desportiva. Quem tinha mais carisma: Fidel Castro, Kadhafi ou Thomas Sankara? Quem Cantava mais: Roberto Carlos ou Júlio Iglésias? Os Kiezos ou os Jovens do Prenda? Quem jogava mais: Maradona ou Pelé? Zico ou Platini? Ndunguidi ou Jesus? Quem era melhor artilheiro: Paolo Rossi, Rummenigge ou Van Basten? Quem defendia mais: Napoleão do 1º de Agosto ou Carnaval do Mambroa? Schumacher da RFA ou Dasaev da URSS? Dino Zoff da Itália ou Valdir Peres do Brasil? Quem pilotava melhor: Nelson Piquet, Ayrton Senna ou Alain Prost?

Os concorridos e inflamados debates «parlamentares» decorriam nos pátios das escolas, nas nossas ruas e noutros espaços improvisados. Mas nem todos os fãs dos ídolos em confronto intervinham nas acesas discussões. Delegavam esta importante tarefa aos kotas e aos miúdos que detinham importantes informações sobre os feitos de cada um dos ídolos em conflito. Eram uma espécie de nossos «deputados» que ganharam esse privilegiado estatuto por serem pessoas que já ouviam a BBC, liam a Bola e os jornais e revistas imperialistas, sabiam tudo o que era preciso saber sobre as grandes personalidades mundiais, sobre as copas de 78 (Argentina), 82 (Espanha) e 86 (México) e sobre os euros de 80 (Itália), 84 (França) e 88 (RFA). Por isso, o numeroso aglomerado de fãs limitava-se a escutar atentamente os «deputados» que, com brilhante eloquência, se esforçavam por expor convincentemente os grandes feitos de cada um dos ídolos em confronto.

Aquelas memoráveis e renhidas discussões deram-me algumas lições de tolerância e ajudaram-me a educar a forma como passei a ver os compatriotas que não comungam das minhas convicções políticas, ideológicas, religiosas e culturais nem partilham da minha forma de ser angolano, de pensar o País e de viver a angolanidade.

Primeira lição: É uma perigosa fantasia desejar que todos os angolanos admirem apenas os nossos ídolos, militem apenas no nosso partido, sigam apenas a nossa opinião e só comunguem das nossas crenças. Porque com as intermináveis e renhidas discussões da minha infância aprendi que por mais que os ferrenhos adeptos de Maradona achassem que não havia neste e noutro mundo jogador ao nível do seu ídolo e por mais que gastassem energias a tentarem convencer os outros adeptos a venerarem o astro argentino, a grande verdade é que havia muita gente que considerava Pelé como uma bênção de Deus e um prodígio inigualável. Por isso, não compreendiam como era possível existir pessoas que venerassem Maradona e não eram capazes de se renderem ao génio do brasileiro.

Segunda lição: Aqueles que admiram outros ídolos, escolhem outros partidos, opinam de forma diferente e comungam de outras crenças, têm o direito de livremente viverem as suas escolhas sem perderem o respeito dos outros, sem terem medo de perseguições e de serem excluídos do convívio nacional. Assim, os ferrenhos adeptos de Roberto Carlos, em vez de desprezarem e ridicularizarem as opções e as crenças dos fãs do cantor espanhol, deviam esforçar-se por compreender que os que achavam Júlio Iglésias o maior cantor do mundo não eram pessoas anormais e musicalmente incultas nem foram enganadas por qualquer propaganda barata. Escolheram o romântico espanhol seguindo os sagrados ditames das suas consciências. E como disse o Papa João Paulo II: «todos devem respeitar a consciência de cada um e não procurar impor a ninguém a própria «verdade», permanecendo íntegro o direito de a professar, sem que, por isso, seja desprezado quem pensa de outro modo».

Terceira lição: Para o bem de Angola e das gerações vindouras, devemos todos aprender a conviver com as nossas profundas diferenças. Recorrer à violência para converter ou destruir os que não seguem os nossos ídolos, o nosso partido, a nossa opinião e as nossas crenças constitui um empreendimento inglório e um insensato desperdício de vidas e energias. Porque com as intermináveis e renhidas discussões da minha infância aprendi que os ferrenhos adeptos de Jesus, por mais que se julguem fortes e imbatíveis, por mais que se considerem os únicos iluminados capazes de apreciar um grande jogador, nunca conseguirão impor o absoluto predomínio do seu ídolo, nem conseguirão obrigar os fãs de Ndunguidi a venerarem incondicionalmente o mítico avançado do Petro de Luanda. Perseguir, reprimir, prender, torturar e matar todos aqueles que teimarem em idolatrar o famoso avançado do 1º de Agosto, não fará de Jesus o único jogador angolano digno de eterna e exclusiva admiração. Isto porque, do meio da carnificina, dos escombros e das ossadas dos perseguidos haverá sempre sobreviventes e novos adeptos que continuarão a achar que Ndunguidi é e sempre será o maior jogador angolano de todos os tempos.

Quarta lição: Não é possível divergirmos eternamente sobre todos os temas que nos dividem. Nas densas trevas dos intermináveis confrontos das nossas profundas diferenças é importante focarmos as luzes da razão sobre os temas que realmente interessam ao País e reúnam o consenso de todos. Naquele tempo, havia três ídolos que eram consensuais e incomparáveis: Fidel Castro, Rinat Dasaev e Michael Jackson. O líder da Revolução Cubana deixou de ter adversários desde o dia em que um «deputado», tio de um dos nossos amigos e que tinha acabado de regressar de Cuba, narrou de forma brilhante e comovente as várias vezes que Fidel Castro escapou às mil e uma armadilhas que a temível CIA preparara para o matar. Rinat Dasaev, por causa de uma incrível defesa, ganhou o incomparável estatuto de melhor guarda-redes do mundo e deixou de ser comparado a Dino Zoff, Schumacher, Peter Shilton, Valdir Peres, etc. Contavam os «deputados» que a bola caminhava perigosamente em direcção ao canto superior direito da baliza. Dasaev voou confiante em direcção à bola. Só que o esférico bateu traiçoeiramente num defesa da URSS, mudou de trajectória e passou a caminhar em direcção ao canto inferior esquerdo. O Guarda-redes soviético fez o impossível: Mostrando uma agilidade felina e exibindo os seus incríveis reflexos conseguiu acompanhar a nova trajectória da bola e evitou, de forma brilhante, aquilo que parecia um golo certo! Michael Jackson era para todos nós o melhor cantor do mundo. Assim, independentemente de gostarmos de cantores diferentes, não havia, naquela altura, nenhum mortal capaz de rivalizar com ele.

José Maria Huambo