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terça-feira, 24 de junho de 2008

A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL




















“São muitos os homens que amam ideais nobres e elevados e se calam com receio de serem considerados «diferentes» ”.
MARTIN LUTHER KING

“Pecar por silêncio quando se deve protestar, faz dos homens cobardes”.
ABRAHAM LINCOLN

“Muito tempo guardei silêncio, permaneci calado e me contive. Mas agora grito, como a parturiente”.
ISAIAS 42, 14

“O Homem tem uma dignidade natural, inata, inviolável e deve lutar por ela, seja contra quem for”.
D. MANUEL VIEIRA PINTO



Com fundado e compreensível receio, algumas pessoas que me são queridas estão preocupadas com o conteúdo ousado de alguns dos meus artigos. Por isso, insistem em aconselhar-me a não me expor tanto, a guardar só para mim o que penso da dura realidade angolana, a zelar pela minha vidinha e a evitar meter-me nessas coisas porque «a política angolana é muito tenebrosa» e, apesar da guerra ter terminado e vivermos em tempo de Paz, «muita boa gente ainda acha que é dona País e que o seu propósito na terra é reinar para sempre e exterminar os incómodos». E com todo o zelo de quem nos quer bem, insistem em avisar-me: «Ainda vais só estragar a tua vida».

É claro que tenho medo e concordo, absolutamente, com os meus preocupados confidentes! Porque somos membros de uma sociedade intensamente militarizada, profundamente politizada e onde, durante longos anos, a força e a prepotência primaram sobre a razão e o Direito. Confesso que muitas vezes hesito bastante em partilhar convosco as minhas experiências e expor, publicamente, as minhas ideias. Isto porque, tenho plena consciência de fazer parte de uma geração que cresceu sob uma vergonhosa cultura de medo, terror e opressão das consciências.

Martin Luther King escreveu, no se livro Força Para Amar, que “uma das coisas que a maioria das pessoas mais teme é a de ser obrigada a tomar uma posição nitidamente contrária à opinião prevalecente. A tendência da maioria é a de adoptar uma maneira de ser tão ambígua que sirva para tudo, ou tão popular que sirva para todos”.

É muito difícil ser cidadão que exige os seus direitos e cumpre os seus deveres numa sociedade intolerante como a nossa, onde as «verdades» e os dogmas instituídos pelos «sábios e clarividentes» são as únicas expressões de liberdade e onde o consenso geral é obrigatório e institucionalizado. Por isso, seria mais fácil para mim viver esta minha efémera passagem por este mundo diluído no anonimato do imenso aglomerado amorfo de angolanos que os poderosos desprezam, descaradamente, e consideram indignos de uma valorização integral.

Não é fácil opinar, abertamente, sobre a amarga realidade do nosso problemático País, numa altura em que dissertar sobre as causas do nosso definhamento colectivo e evocar os males que têm emperrado um dos mais promissores países do mundo é considerado uma velha paranóia de alguns «reaccionários» hostis ao nosso «esforçado governo» e de algumas forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance. Por isso, seria mais fácil desligar-me dos problemas dos outros e concentra-me só na organização da minha vidinha. Os outros que se lixem e se arranjem. Apenas eu e a minha família: o nosso futuro, os nossos estudos, a nossa saúde, a nossa estabilidade financeira, o nosso conforto económico e a nossa boa vida. Quero lá saber das condições de vida e do sofrimento dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.

Acreditem que já tentei várias vezes desligar-me de tudo e concentra-me só nos meus projectos, nos meus interesses e na minha felicidade. Mas não consigo! A minha educação cristã e a minha formação humanista não me permitem ficar indiferente perante a intensa e implacável destruição do angolano, perante o imerecido sofrimento dos meus compatriotas. E pior. Cheguei a conclusão de que o nosso sucesso e o nosso bem-estar só são plenos quando partilhados com aqueles que nos rodeiam. Isto porque a Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida não é um arquipélago de pessoas isoladas, indiferentes e a viverem apenas concentradas nos seus interesses privados e nas suas ambições pessoais. Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida é uma comunidade de pessoas que comungam das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas. E todos os filhos de Angola desejam e merecem usufruir daqueles bens que elevam a vida!

Portanto, só poderemos dar pleno sentido às nossas efémeras vidas, crescer como pessoas, ser bons patriotas e contribuir para o progresso do nosso País quando estivermos em comunhão com os interesses dos demais compatriotas e preocuparmo-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos. É isto que Mahatma Gandhi quis dizer quando sentenciou: “Não acredito que um indivíduo possa ganhar espiritualmente enquanto aqueles que o rodeiam sofrem”.

Assim, admiro aqueles que se conformam perante o desigual usufruto dos lucros das nossas riquezas. Perante a mediocridade dos nossos dirigentes. Perante os desmandos dos nossos políticos. Perante o mau desempenho dos governantes na gestão dos nossos recursos e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual de todos os angolanos.
Mas eu não consigo conformar-me. E como cristão e cidadão consciente recuso-me, assim, a fazer parte do grupo de angolanos que acha que não tem nada a ver com a política e que, por estarmos em Paz, já não faz sentido criticar os nossos «esforçados governantes» e levantar questões que só fomentam as divisões políticas, étnicas e raciais.

Por isso, não me peçam para não me meter «nessas coisas da política» e para guardar só para mim o que penso da dura realidade angolana. Isto porque, ninguém pode amar, loucamente, Angola ficando alheio ao actual contexto do País e desligando-se dos problemas da Pátria.

Admiro aqueles que conseguem ficar indiferentes às indignas condições de vida e ao imerecido sofrimento dos familiares, dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.

Mas eu não consigo ficar indiferente! E como cristão e cidadão consciente recuso-me, assim, a fazer parte do grupo de angolanos que acha que não tem nada a ver com os problemas do povo só porque usufruem de um nível de vida que se pode considerar aceitável.

Por isso, não me peçam para ficar no meu cantinho e preocupar-me apenas em organizar a minha vidinha, vivendo somente concentrado nas minhas ambições e nos meus interesses pessoais. Isto porque ninguém pode orgulhar-se de ser um verdadeiro angolano vivendo entrincheirado nas fronteiras da sua «Angola privada», ignorando as condições de vida dos compatriotas e permanecendo indiferente à degradação das estruturas do País e ao imerecido sofrimento dos outros angolanos.


José Maria Huambo

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Estranho Milagre de Abril

Há décadas que a nossa problemática sociedade é assolada por impressionantes e estranhos fenómenos. E nestes últimos anos de Paz, um deles se impôs como a mais recente novidade: o súbito e misterioso desaparecimento dos mais graves problemas que infestavam a nossa sociedade.

Até um pouco antes de 4 de Abril de 2002 estávamos no isolado grupo que liderava o «campeonato» mundial da corrupção. Tínhamos os piores índices de analfabetismo, de mortalidade materno-infantil, de esperança de vida e de acesso ao saneamento básico. Mais de 80% dos angolanos vivia sob um deplorável índice de privação humana. Os salários eram miseráveis e o desemprego atingia mais de 55% da força activa. Milhares de jovens traumatizados e sem projectos de vida vegetavam nos grandes centros urbanos. Os homens tinham 32,9% de probabilidade de, à nascença, ultrapassarem os 65 anos e as mulheres 38,1%. Enfim, pouco antes do efusivo abraço dos desavindos éramos, ainda, cotados como um dos mais problemáticos países do mundo. Dizia-se, mesmo, que Angola era um dos piores sítios para uma criança nascer e um adulto viver com dignidade.

Mas, de repente, como que por obra de um poderoso feitiço lançado sobre nós em Abril de 2002, todos esses problemas que nos afectavam desapareceram, subitamente, deixando de ser temas dos grandes debates e de constar no conteúdo das análises dos influentes sectores da opinião pública nacional e internacional. E por força desse estranho fenómeno, dissertar sobre as causas do nosso definhamento colectivo e evocar os males que têm emperrado um dos mais promissores países do mundo tornou-se uma velha paranóia de alguns «reaccionários» hostis ao «nosso esforçado governo» e de algumas forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance.

Agora, a paz tornou-se, entre nós, irreversível e absolutamente consolidada. Estamos definitivamente reconciliados, cada vez mais unidos e prontos a trilhar os caminhos do progresso e do bem-estar social. O «governo» está a trabalhar melhor do que nunca. Os governantes estão cada vez mais responsáveis. Cimentamos a nossa posição de potência e peça importante na geopolítica africana. Ocupamos um lugar cimeiro nos palcos das grandes decisões internacionais. Afirmamo-nos cada vez mais na região Austral e estamos à altura de criar condições para o crescimento e desenvolvimento sustentável na região.

E, para atestar ao mundo a veracidade do excepcional momento vivido pelos angolanos, os ilustres estrangeiros que, oficial ou particularmente, nos visitam não se têm mostrado «forretas» nos elogios: a democracia em Angola é um dado consolidado. O governo angolano está cada vez mais transparente na gestão dos fundos e mais credível nas grandes instituições internacionais. A situação dos direitos humanos melhorou de forma significativa. Angola é o País que mais está crescer em todo o mundo e dentro de poucos anos será o Estado mais próspero de África!

A difícil procura de factos que nos ajudassem a compreender as razões e as motivações que sustentam o súbito e estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade levou-me a viajar no tempo e rever um dos mais bizarros comportamentos da minha memorável infância.

Quando éramos miúdos púnhamos as nossas aprazíveis brincadeiras acima de quaisquer outros aspectos considerados importantes da nossa vida em sociedade. Aliás, é hoje ponto assente e unânime considerar a brincadeira como um dos aspectos fundamentais do desenvolvimento da criança. Mas os nossos zelosos encarregados de educação não entendiam assim. Por isso, desde cedo, queriam fazer-nos «maduros» e «responsáveis», obrigando-nos a eleger os estudos e as lides domésticas como prioridades absolutas.

Não era, por isso, de estranhar que tivéssemos desenvolvido fortes resistências aos trabalhos domésticos. Assim, mal vínhamos da escola, partíamos logo para a gostosa diversão. E durante as férias chegávamos a desaparecer o dia inteiro.

Só que os «inimigos» da brincadeira não dormiam em serviço, estando sempre atentos às nossas minuciosas manobras. Assim, mal se apercebiam da nossa fuga aos sagrados deveres, procuravam agir de imediato. E o pior de tudo é que era sempre no auge da brincadeira que os zelosos encarregados de educação gostavam de nos chamar ou ir buscar para arrumar e limpar a casa, lavar a loiça, varrer o pátio, etc., etc. E perante a inevitabilidade do autoritário apelo, os mais temerosos abandonavam a brincadeira voluntariamente contrariados. Para os mais duros, abandonar a diversão era um acto tão difícil que só saíam dela sob dolorosas séries de «cocos» na cabeça ou forçosamente arrastados pelos impulsos dos puxões de orelhas.

Por tudo isso, era óbvio que chegássemos à casa sem a mínima motivação para cumprir os sagrados deveres impostos pelos «inimigos» da brincadeira. E não era, por isso, de estranhar que, no momento de executar as lides domésticas, e no claro intuito de apenas satisfazer as caprichosas exigências dos zelosos encarregados de educação e para, rapidamente, podermos voltar à diversão, fizéssemos tudo mal e às pressas. Assim, ao arrumarmos a casa, muito lixo era atirado para debaixo dos tapetes e das camas ou deixado atrás das portas. Só limpávamos o pó dos objectos absolutamente visíveis. Apenas passávamos o pano do chão nas superfícies mais usadas. E ao varrer o quintal ou o passeio, o mais pequeno buraco ou arbusto servia para esconder o lixo.

Pois é, meus caros! As razões e as motivações que sustentam o súbito e estranho desaparecimento dos graves problemas da nossa sociedade não diferem muito das peripécias narradas por este incrível episódio da minha memorável infância. E tanto as bizarras condutas da esmagadora maioria dos altos responsáveis da nação como as intragáveis opiniões de alguns influentes círculos da opinião pública nacional têm provado, de forma eloquente, que, pelos vistos, não perdemos os velhos hábitos infantis. Ainda continuamos a colocar a brincadeira acima de quaisquer outros aspectos importantes da nossa vida em sociedade. Adoramos brincar aos «bons governantes», aos «patriotas exaltados», aos «cidadãos orgulhosos» aos «grandes países», etc.

E no decurso de três décadas de absoluta diversão desenvolvemos o vergonhoso hábito de instituir «bodes expiatórios» e inventamos sofisticadas formas de evitar o confronto directo com as puras razões do nosso definhamento colectivo. Assim, fácil e confortavelmente, passamos a atribuir as causas da dura realidade angolana a «estranhos factores», tais como «o colonialismo que cultivou o obscurantismo e a exploração do homem pelo homem»; «o imperialismo e seus lacaios»; «a cobiça de alguns países»; «os bandos de fantoches armados»; «a ingerência de alguns estados no assuntos internos de Angola»; «o regime comunista instaurado em Angola»; «a arrogância dos caudilhos»; «o regime totalitário de Luanda»; «o neocolonialismo russo-cubano»; «os profundos interesses das grandes potências mundiais», etc., etc.

Quando nos chamam para «arrumar» e «limpar» a nossa problemática sociedade ou para organizar o nosso dilacerado país comportamo-nos como crianças contrariadas por deixarem a gostosa brincadeira. Assim, e no claro intuito de apenas satisfazer as exigências da chamada «comunidade internacional», temos feito tudo mal às pressas. Em vez de «varrermos», «recolhermos» e «deitarmos fora» os males que têm emperrado o nosso promissor país, limitamo-nos a atirar o abundante «lixo» da nossa conturbada sociedade para debaixo do grande «tapete» da guerra. E o fim do cruel conflito pouco ou nada veio alterar a nossa «porquice». Porque os graves problemas continuam, agora, escondidos sob o vistoso «tapete» da tão propalada Paz. Os velhos problemas do povo estão cheíssimos de pó. Os «panos do chão» que usamos há mais de 30 anos não têm sido capazes de «limpar» as graves desordens que «mancham» a nossa sociedade.

José Maria Huambo

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O MPLA de José Eduardo dos Santos Está Fora de Prazo!

«Não temos futuro, nem representamos o futuro. Já somos o passado. A nossa geração consumiu-se. Fez o que tinha a fazer a dado momento, lutou, ganhou a independência. Depois consumiu-se. É preciso saber retirar, quando se não têm mais nada para dar. Muitos não sabem, agarram-se ao passado mais ou menos glorioso, são os fósseis»
ANÍBAL, O SÁBIO, personagem do Romance de PEPETELA A Geração da Utopia


“Impõem-se portanto o aparecimento de homens que façam uma verdadeira e clara opção pelo Povo, pela sua vida e os seus direitos, pelo seu desenvolvimento e bem-estar, pela sua personalidade e cultura, pela sua autonomia, independência e soberania. Homens que façam sinceramente e corajosamente uma opção pela paz (…) uma opção pelos valores que podem efectivamente salvar o Homem, o Povo [e] a Nação”
D. MANUEL VIEIRA PINTO, Arcebispo Emérito de Nampula (Moçambique)


O MPLA de Eduardo dos Santos insiste em apresentar-se, nas próximas eleições, como o grupo político que melhor se posiciona para, finalmente, levar os angolanos rumo à Angola Prometida. Assim, O cada vez mais poderoso grupo promete, por exemplo, construir, no período 2009-2013, cerca de um milhão de habitações em todas as províncias, das quais mais de meio milhão serão construídas nas áreas rurais!

Na verdade, estamos perante um ambicioso programa que vai, plenamente, ao encontro das exigências do actual contexto do nosso País e das reais necessidades dos angolanos. Só que este MPLA de José Eduardo dos Santos que, hoje, se apresenta como o grupo político que melhor se posiciona para, finalmente, levar os angolanos rumo à Angola reconciliada, pacífica, próspera e democrática é, exactamente, o mesmo grupo responsável pela instauração do hediondo futunguismo e que, há mais de 30 anos, anda connosco às voltas e reviravoltas sem irmos a lado nenhum.

E ao contemplar as imagens da III Conferência deste MPLA de Eduardo dos Santos pude ver que estavam presentes todos os dinossauros do futunguismo. Uns apenas estão mais velhos do que eram nos fervorosos anos da revolução angolana e da luta contra o imperialismo e seus lacaios. Outros estão mais gordos e mais ricos do que eram nos duros anos do marxismo-leninismo. Tirando isso, pouco ou quase nada mudaram.

Isso fez-me lembrar da pergunta da minha filha. Ela está habituada a ver as fotos da família que tenho no computador. Certo dia, estava eu na Internet a ler uma bombástica declaração do general Kundy Paihama sobre os paióis da UNITA. A minha filha, ao ver a foto deste célebre dirigente angolano, perguntou:

-Papá essa foto é do avô? Respondi-lhe que não.
Mas, depois de ouvir a curiosa pergunta da minha filha, pus-me a pensar. Afinal, este grupo de Eduardo dos Santos já nos dirige há muitos anos! Por exemplo, em 1977, quando eu tinha a idade que a minha filha tem hoje (5 anos), Kundy Paihama já era um importante membro do Governo. Hoje tenho 36 anos e o General ainda é um intocável membro da estrutura do futunguismo! Ora, o grupo que quando eu tinha 5 anos prometia uma Angola melhor para mim e para os meus pais é, exactamente, o mesmo que, hoje, promete à minha filha de 5 anos uma Angola fantástica que não tive a sorte de ver e que, certamente, nunca verei!

O problema deste poderoso grupo reside no facto de os seus membros teimarem em governar o País mergulhados numa permanente indefinição político-ideológica, numa constante incoerência de valores e numa interminável contradição com as causas que dizem defender. Vejamos:

O grupo que, hoje, se apresenta como único capaz de promover a Reconciliação, a tolerância e a coesão nacional é, exactamente, o mesmo que nos ensinou que o MPLA tem de ser o único partido que um verdadeiro angolano deve aderir e apoiar. Por isso, aprendemos, com eles, a considerar todos aqueles que não se mostram fervorosos apoiantes deste MPLA de Eduardo dos Santos como pessoas de nenhum valor. Por causa disso, os desgraçados adeptos de outros partidos perdiam a sagrada condição de seres humanos, de compatriotas, conterrâneos, familiares, amigos ou vizinhos e ganhavam uma vil e desprezível identidade, passando a serem pessoas a desprezar e a abater. E os efeitos destes ensinamentos ficaram visíveis nas vergonhosas hecatombes de 1975, 1977, 1992 e 1993. E, hoje, o confronto entre a nossa mentalidade intolerante e os valores da reconciliação tem sido brutal.

O grupo que, hoje, se apresenta como a única força política capaz de reorganizar, moralizar, civilizar, educar e disciplinar a nossa caótica sociedade e promover o desenvolvimento cultural e espiritual dos angolanos é, exactamente, o mesmo que se mostrou incansável na promoção da destruição do angolano e da degradação moral da nossa sociedade. É que, enquanto as sociedades modernas reconheciam ser de extrema importância para o desenvolvimento cultural e espiritual dos seus membros manter as estruturas escolares e sanitárias das igrejas e os grandes valores do Cristianismo, o MPLA de Eduardo dos Santos optou por caminhar no sentido oposto. Assim, declarou que a religião era o ópio do povo e só contribuía para a perpetuação do obscurantismo dos angolanos. Por isso, o grupo protagonizou uma virulenta perseguição às igrejas cristãs e sentenciou que em pouco menos de 50 anos Angola seria um país sem igrejas. Destruiu toda a excelente rede de escolas e hospitais das igrejas. Passou a profanar o sagrado e a sacralizar o profano. Institucionalizou a fraude, o crime, a impunidade, a promiscuidade, a desonestidade e outras infames imoralidades.

O grupo que, hoje, se considera mais do que apto para construir uma sociedade democrática e participativa, garantindo as liberdades e os direitos fundamentais e desenvolvimento da sociedade civil é, exactamente, o mesmo que até há bem pouco tempo não suportava ouvir falar em Democracia, em Multipartidarismo nem em Eleições. É que, enquanto as sociedades modernas passavam a valorizar a Democracia e o Estado de Direito, o MPLA de Eduardo dos Santos optou por caminhar no sentido oposto. Assim, bloquearam a participação política. «Pessoalizaram» o poder. Monopolizaram os cargos públicos. Criaram um monstruoso aparelho de opressão, espionagem e repressão. Instituíram o militarismo, o autoritarismo e o culto da força. E a forma como agiram durante o vergonhoso e caricato processo de exoneração, julgamento e condenação do camarada Garcia Miala é o exemplo perfeito da incapacidade do grupo em se adaptar aos valores da Democracia e do Estado de Direito.

O grupo que, hoje, promete uma utilização eficaz dos recursos naturais e uma justa repartição do rendimento nacional e proclama ser capaz de protagonizar uma das mais extraordinárias recuperações económicas da História e colocar o País entre os mais prósperos do mundo é, exactamente, o mesmo que há décadas protagoniza uma péssima e desastrosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais e usa em proveito próprio, e de forma descarada, os abundantes lucros das nossas riquezas. É que, enquanto os governantes das sociedades modernas se esforçavam por canalizarem, de forma eficiente, laboriosa e disciplinada, todos os recursos, todos os investimentos e todas as potencialidades na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual dos seus cidadãos, o MPLA de Eduardo dos Santos optou por caminhar no sentido oposto. Assim, apoderaram-se dos bens públicos. Desfalcaram os cofres do Estado. Ergueram um inoperante modelo de Estado, uma ineficaz estrutura de gestão governativa e um corrupto aparelho de Administração Pública.

É por estas e outras dolorosas constatações que insisto em dizer que este MPLA de Eduardo dos Santos está fora de prazo e não está à altura das exigências da actual realidade do nosso País. E todos esses dinossauros do futunguismo deviam perceber que a sua missão gorou e que representam um doloroso passado que urge esquecer e que deve estar, sempre, bem presente na definição do futuro de Angola.

Por isso, recuso-me a continuar às voltas e reviravoltas com este grupo político. Desejo boa viagem para aqueles que ainda acreditam neste MPLA de Eduardo dos Santos e querem continuar esta longa e errante caminhada rumo a lado nenhum.

Quanto a mim, fico aqui nesta confusa encruzilhada a que chegamos. Vou aproveitar descansar e ficar com os meus filhos a espera que apareça uma nova geração de dirigentes com nova cultura política, novos projectos e novos ideais e que me dêem garantias de estarem a altura de, finalmente, nos levarem à Angola que merecemos e que muitos dos nossos mais velhos sonharam e bateram-se por ela dedicando os melhores anos das suas breves vidas.

Tal como os meus pais, pode ser que nunca venha a ter a sorte de chegar à Angola prometida. Mas tenho a obrigação de desistir desta interminável aventura e de ajudar os meus filhos a não continuarem a seguir este errante grupo de maus governantes.

José Maria Huambo

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Que «angolanos» irão trazer o desenvolvimento para Angola?

«As pessoas são a verdadeira riqueza de uma nação. Elas não são apenas os beneficiários do progresso económico e social, são também os seus agentes, quer individualmente quer como participantes em causas comuns com os outros».
PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

“Só há uma espécie válida de viagem,

a caminhada que tem os homens por meta final”.
PAUL NIZAN


Fala-se muito no desenvolvimento e na «reconstrução» do «nosso rico e belo país», como se fosse algo automaticamente realizável pelo mero facto de Angola ser um país com abundantes riquezas naturais. Tornou-se um deplorável lugar-comum os governantes apregoarem: «Alcançada a Paz, é hora de arregaçar as mangas e reconstruir o país». «Os angolanos que foram artífices da paz, serão eles também os artífices do desenvolvimento do seu próprio país».

Mas quem vai desenvolver Angola e «reconstruir» o nosso devastado país? Que «angolanos» irão trazer o desenvolvimento para Angola e fazer desta terra um grande país? É que nos deparamos com dois graves problemas:

Primeiro Problema: Não temos população suficiente para desenvolver o País. Ainda em plena época colonial, e desde cedo, os estudiosos debruçaram-se sobre a «carência demográfica de Angola». Eles apontavam como causas determinantes da fraca densidade populacional e do pequeno crescimento das populações nativas, entre outras, a tremenda razia demográfica operada durante a escravatura, as endemias tropicais, o alcoolismo, a mortalidade infantil e a dispersão familiar determinada pelas migrações do trabalho. A hedionda guerra civil e a infame má governação desolaram e agudizaram este iníquo cenário. Acredito, profundamente, que somos menos, mas segundo as estatísticas oficiais Angola tem cerca 14 milhões de habitantes.

Para um país tão vasto como o nosso e cuja superfície equivale ao somatório das áreas geográficas de Portugal (92.446 km2); Itália (301.268 km2); França (551.500 km2); Holanda (40.844 km2); Bélgica (30.519 km2); Suíça (41.293 km2); Dinamarca (43.007 km2); Áustria (83.853 km2); Croácia (56.538 km2); Luxemburgo (2.586 km2); Singapura (618 km2); Mónaco (1, 95 km2); Andorra (453 km2); Liechtenstein (160 km2); Malta (316 km2); São Marino (61 km2) e Ilhas Seychelles (455 km2), este número é bastante escasso para o seu pleno desenvolvimento.

Precisamos, pelo menos, do triplo da população portuguesa. Ou seja, se Portugal, que é menor do que a Província de Malange (97.602km2), tem 10 milhões de habitantes, o nosso pais, além de muita paz, precisa de pelo menos 30 milhões de habitantes valorizados, saudáveis e nutridos. Contudo, e apesar de confrangedor, este é o menos aterrador dos cenários.

Segundo Problema: Este é, de longe, o mais abominável dos obstáculos, o mais aterrador dos cenários. É que, e sem exagero, 13 dos escassos 14 milhões de angolanos definham na mais absoluta degradação humana que, segundo o PNUD, é mais do que privação de rendimentos e de alimentos. A pobreza humana é também “a negação de escolhas e oportunidades para viver uma vida aceitável, tais como a educação e saúde escassas, privação de conhecimento e comunicação, falta de condições para exercer os direitos humanos e políticos, e ausência de dignidade, confiança e respeito próprio”.

Nenhum país, por mais que se afogue em abundantes riquezas naturais, é capaz de se desenvolver enquanto a grande maioria dos seus habitantes definhar numa vergonhosa indigência. Assim, os 13 milhões de angolanos que, em geral, são gerados em famílias degradadas, nascem em condições degradadas, crescem em ambiente degradado e sobrevivem em condições degradantes, não estão em condições de «arregaçar as mangas e reconstruir o país», não estão à altura de trazer o desenvolvimento para Angola e fazer desta terra um grande país.

Pelo contrário, quem precisa de, urgentemente, «arregaçar as mangas» são os próprios dirigentes que terão de trabalhar afincadamente no sentido de retirar os 13 milhões de compatriotas da abjecta miséria que os envolve, elevando as suas condições de vida para níveis aceitáveis, isto porque, apesar de Angola ser um país com abundantes recursos naturais, é a qualidade dos seus recursos humanos que irá determinar o seu progresso e desenvolvimento. É que, como dizia o Papa Paulo VI, “o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo”. Ou como bem disse o Papa João Paulo II, “o desenvolvimento é uma questão de pessoas. São as pessoas, de facto, os sujeitos do desenvolvimento verdadeiro; são elas a finalidade do desenvolvimento verdadeiro. O desenvolvimento integral das pessoas constitui a meta e o ponto de aferimento de todos os planos de desenvolvimento”. E dado que o Homem é o centro do progresso, o nosso país jamais sairá da vergonhosa estagnação enquanto se não promover intensamente um pleno desenvolvimento humano e uma valorização integral do angolano.

Ao contrário dos governantes da Etiópia ou da Somália, os dirigentes angolanos dispõem dos meios e recursos necessários para rapidamente «arregaçarem as mangas». E não é assim tão difícil proporcionar aos angolanos o pleno usufruto das riquezas de Angola, isto porque, e contrariamente a certos gananciosos «compatriotas», os verdadeiros filhos de Angola são simples por natureza. Eles não clamam por exigências extravagantes e exorbitantes, nem ambicionam ilusórias grandezas ou imensas riquezas. Aspiram apenas à satisfação das exigências básicas dos homens de hoje. Segundo o Papa Paulo VI, os homens de hoje aspiram a ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situações que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais.

Está, assim, na hora de os nossos dirigentes «arregaçarem, seriamente, as mangas». Porque os filhos de Angola jamais estarão em condições de colaborar na «reconstrução do nosso país» enquanto continuarem a ser altamente desvalorizados, intensamente oprimidos, desumanamente tratados, exaustivamente explorados e perenemente humilhados. Os ditos «artífices do desenvolvimento» nunca estarão à altura de «trazer o desenvolvimento para Angola e fazer desta terra um grande país» enquanto não gozarem de liberdades políticas e poderem plenamente participar na vida da comunidade bem como nos debates e decisões que moldam as suas vidas. Enquanto não forem instruídos, educados e livres de se exprimirem. Enquanto não forem capazes de ter uma vida longa e saudável. E enquanto não tiverem um padrão de vida digno.

É necessário, portanto, tornar acessíveis aos angolanos todas as coisas de que necessitam para arregaçarem as mangas, desenvolverem o país e levarem uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao respeito e à protecção da sua vida.

José Maria Huambo