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quarta-feira, 16 de julho de 2008

Deixemos de ser Povo, Passemos a Ser Cidadãos!


Poucos países apresentam um contraste tão acentuado entre o potencial económico e a situação do seu povo.
É notável o conjunto de recursos de Angola: Petróleo, diamantes, muitos outros minerais, terra em abundância e um clima geralmente favorável, além de enormes recursos hidroeléctricos (…)
Fossem esses recursos devidamente aproveitados, a economia de Angola estaria entre as mais dinâmicas do mundo em desenvolvimento e o seu povo entre os mais bem alimentados, educados e saudáveis do continente africano

TONY HODGES


Mudança, mudança, mudança… É o grito que mais ecoa do seio da nossa geração. Só que muitos de nós continuam a espera de sinais de mudança vindos da parte dos nossos governantes. Exigem que os governantes mudem! Mas a grande verdade é que esses dirigentes que conhecemos desde a nossa infância já não mudam mais. Porquê? Porque eles estruturaram as suas longas carreiras políticas em torno da ideia segundo a qual o Povo angolano não passa de um aglomerado amorfo de pessoas cegas e ignorantes que nada percebem dos problemas do País, não sabem o que se passa no mundo e incapazes de avaliarem os seus actos de gestão governativa.

Por isso, a mudança que pode influenciar, positivamente, o novo rumo de Angola tem de partir de nós. Somos nós que temos de mudar. Ou como reza uma estrofe do poema Depressa, de Agostinho Neto: «Não esperemos os heróis/ Sejamos nós os heróis/ Unindo as nossas vozes e os nossos braços/Cada um no seu dever»

S. Paulo escreveu na 1ª Carta aos Coríntios a seguinte passagem: «No tempo em que eu era criança, falava como criança, sentia como criança, raciocinava como criança. Mas, quando me tornei homem, eliminei as coisas de crianças» (1 COR. 13, 11). É nisso que consiste a nossa mudança. E a primeira etapa desse processo de mudança deve incidir na desintoxicação da propaganda.

Assim, por mais que doa e custe a muitos, a nossa geração precisa de questionar, repensar, pôr em causa e debater tudo aquilo que nos foi ensinado durante os tempos da OPA e que tem condicionado a nossa forma de avaliar os governantes, de exercer a cidadania, de pensar o País e de viver a angolanidade. Para os que não sabem, a OPA (Organização dos Pioneiros de Agostinho Neto) era, nos anos do marxismo-leninismo, a organização responsável pela instrumentalização, manipulação, militarização e politização das crianças angolanas que estavam sob a jurisdição do então chamado MPLA-PT.

Assim, não podemos continuar a repetir incansavelmente que o nosso país é rico. Não podemos continuar a gabar-nos de sermos o maior produtor de petróleo de África. Isso era no tempo em que éramos crianças, sentíamos como crianças e raciocinávamos como crianças. Agora, temos de pensar como cidadãos e indagar se as nossas condições de vida estão ao nível dos nossos vastos recursos. Temos de perguntar se os nossos governantes têm gerido de forma competente essas tão gabadas riquezas. Temos de questionar se o facto de sermos os maiores produtores de petróleo tem trazido melhorias significativas dos nossos direitos humanos.

E são as pequenas coisas do nosso quotidiano que nos podem ajudar a avaliar o desempenho dos nossos governantes na gestão dos nossos recursos. Por exemplo: o Asfalto é um dos derivados do petróleo. Ele resulta dos hidrocarbonetos de elevado peso molecular e das impurezas que, durante o processo de refinação do petróleo bruto, se vão acumulando no fundo da torre de destilação a vácuo. Então, se somos os maiores produtores de petróleo e se o asfalto vem do petróleo, porque é que as ruas das cidades de Luanda, Benguela, Namibe, Lubango e Sumbe continuam esburacadas, empoeiradas e imundas? Porque é que a nossa capital tem poucas estradas e de qualidade duvidosa? Porque é que os automobilistas Luandenses continuam a aglomerar-se como sardinhas nas velhas estradas deixadas pelos colonos?

Não podemos continuar a gabar-nos de sermos um país com vastos recursos hidroeléctricos e donos dos mais importantes rios de África. Isso era o que nos ensinavam nos tempos da OPA. Agora, temos de pensar como cidadãos e perguntar se os nossos governantes têm gerido e aproveitado de forma competente esses tão gabados recursos hidroeléctricos. Temos de questionar se o facto de termos muitos rios tem trazido melhorias significativas dos nossos direitos humanos. Por exemplo: Se temos muita água, então, porque é que os que vivem nas cidades de Luanda e Benguela, e se gabam de ser mais urbanos e mais civilizados do que os outros, há décadas que não conseguem tomar banho de chuveiro? Sim, meus irmãos, tomar um duche é a coisa mais simples e mais normal que um urbano pode fazer. Se temos muitos recursos hidroeléctricos, então, porque é que os habitantes do Namibe e do Lubango, até hoje, não conseguem ter luz eléctrica durante 24 horas consecutivas?

A segunda etapa do processo da mudança deve incidir na afirmação da cidadania. Os dirigentes que conhecemos desde a nossa infância já não mudam mais porque estão habituados ao nosso comportamento de povo. Por isso, a mudança que pode influenciar positivamente o novo rumo de Angola tem de partir de nós. Assim, se quisermos que os futuros dirigentes mudem e se empenhem na construção de uma Angola pacífica, unida e próspera, somos nós que temos de mudar. Somos nós que estamos obrigados a deixar de ser povo e passarmos a ser cidadãos exigentes nos seus direitos e cientes dos seus deveres cívicos.

Nesta fase da afirmação da cidadania é crucial adoptarmos, no nosso quotidiano, duas atitudes: A primeira atitude deve consistir em combater a velha mentalidade muito enraizada entre nós que considera os actos daqueles que estão ao serviço do Estado como um grande favor que eles nos fazem. Assim, e já o disse noutros artigos, é preciso mentalizarmo-nos de uma vez por todas que ter uma casa, luz, água, roupa, comida, paz e sossego de modo a gozarmos de uma passagem digna e feliz por este mundo, não é um favor que um Presidente, um Governo ou um Partido Político nos faz por mera compaixão. É, sim, um sagrado direito nosso, aprovado por Deus e consagrado universalmente pelos homens de boa vontade. Construir escolas e hospitais, humanizar os serviços de assistência medico-medicamentosa, melhorar o emprego, a saúde, a educação e as nossas condições de vida não é um acto de caridade dependente da caprichosa vontade dos dirigentes. É, sim, uma obrigação fundamental do Governo e um sagrado dever do Estado.

A segunda atitude de afirmação da cidadania consiste em aprendermos a avaliar bem aqueles a quem queremos confiar os destinos do nosso promissor País. Porque só podem merecer a nossa confiança política, o nosso respeito e a nossa profunda admiração os dirigentes que se mostrem altamente competentes no respeito pelos nossos sagrados direitos e na canalização de todos os recursos e de todas as potencialidades do País na criação de condições que contribuam para o nosso bem-estar físico e espiritual.

Assim, deixar de ser povo é deixar de defender, de aclamar, de dar vivas, de seguir e de idolatrar o Presidente, o Ministro, o Governador Provincial, o Administrador Municipal e o Director que não nos respeitam como cidadãos e não cessam de dar provas de incompetência na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

Chegou, portanto, a hora de deixarmos de ser povo e passarmos a ser cidadãos. Ou como escreveu S. Paulo: «Chegou a hora de nos levantarmos do sono, a noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz» (ROMANOS 13, 11-12), «de modo que não seremos mais meninos inconstantes, levados por qualquer sopro de doutrina, pela malignidade dos homens e pelos seus artifícios enganadores» (EFÉSIOS 4, 14).


José Maria Huambo

terça-feira, 8 de julho de 2008

Competência e Direitos Humanos

Na Índia, os praticantes do hinduísmo, uma das maiores religiões do mundo, consideram as vacas como animais sagrados. Segundo a tradição, foi uma vaca que alimentou Krishna, um dos mais importantes deuses hindus. Por isso, todos veneram as suas vacas e ninguém pode fazer-lhes mal. Assim, os animais têm toda a liberdade de circulação nas vilas e nas cidades, podem fazer o que quiserem e destruírem o que bem lhes apetece. Os hindus podem viver na extrema pobreza, mas orgulham-se de exibirem as suas manadas como sinal de riqueza e prosperidade. Podem estar a morrer de fome, mas não são capazes de matar uma vaca e aproveitar a carne. Quem se atrever a mexer numa delas corre risco de morte.

Há, entre nós, uma muito enraizada mentalidade de «vacas sagradas». Assim, muitos se julgam sagrados e querem manter-se no poder a qualquer preço, apesar de terem dado intermináveis provas de serem dirigentes altamente incompetentes na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais. Muitos brancos e mulatos se julgam sagrados e destinados a manterem os seus privilégios por descenderem de uma raça superior. Muitos negros se julgam sagrados e destinados a dominarem o País por só saberem falar português, por descenderem de famílias nobres e por terem nascido em Luanda.

Aliás, o longo e cruel conflito angolano não foi mais do que o reflexo político-militar dos antagonismos socioculturais e etnorregionais que enfermam a sociedade angolana e resultou do virulento embate entre dois grupos de sagrados que pretendiam impor, por todos os meios, a hegemonia política. Assim, os do MPLA consideravam-se muito sagrados e, por isso, podiam fazer de nós o que quisessem por se acharem os mais «civilizados», o mais «capazes» e os mais «evoluídos» dos angolanos. Os da UNITA julgavam-se super sagrados e, por isso, podiam fazer de nós o que quisessem por se acharem os mais «genuínos» dos angolanos, as verdadeiras vítimas do colonialismo português e «legítimos» representantes da maioria negra.

Já perdemos muito tempo com estas vaidosas discussões e com estas lutas sagradas que os nossos Kotas mantiveram acesas durante longos e dolorosos anos. Por isso, urge libertarmo-nos desta discussão de saber quem são os mais sagrados e mudar a forma como encaramos os problemas do País e avaliamos os nossos governantes.

Assim, para a nossa geração, o que deve contar na avaliação do desempenho de todos os nossos líderes (políticos, religiosos, económicos, administrativos, cívicos e tradicionais) são os critérios da competência e dos direitos humanos. Por isso, só os líderes que se mostrarem competentes no cumprimento das suas obrigações e dedicarem tudo o que sabem na promoção dos direitos humanos merecem manterem-se no poder e serem idolatrados e respeitados pelos seus compatriotas.

Uma pessoa é competente e cumpre, eficientemente, as suas obrigações quando dá provas de possuir a habilidade, o conhecimento e a experiência necessárias na planificação de uma acção, na organização de um trabalho e na liderança e na motivação daqueles que estão sob sua responsabilidade.

Portanto, não basta os nossos líderes circularem em carros luxuosos, vestirem trajes caros, falarem correctamente o português, gabarem-se de serem os mais urbanos e os mais civilizados para merecerem o respeito e admiração dos seus compatriotas. Isto porque, a competência pouco tem a ver com estes complexos e preconceitos. Foi essa a lição que Mutu Ya Kevela deu ao exército colonial.

Entre os meses de Março e Agosto de 1902, nos territórios do reino do Bailundo, os indígenas revoltaram-se contra os comerciantes portugueses que operavam na zona. O Rei Kalandula tinha acabado de morrer e Mutu Ya Kevela, um dos seus conselheiros mais influentes, assumiu a liderança da rebelião e reuniu um grande exército. As colunas militares portuguesas, que foram chamadas para travar a rebelião dos selvagens e proteger os comerciantes, tiveram muita dificuldade em alcançar o Bailundo. Este atraso deveu-se à notável competência de Mutu Ya Kevela. Ele, que era considerado estúpido e selvagem, conseguiu elaborar um plano estratégico para cortar as linhas de avanço das tropas coloniais em 3 frentes: Bié-Caconda, Bailundo- Leste e Bailundo-Benguela. Esta estratégia, que tornou difícil o avanço das tropas coloniais, mereceu o elogio do então Governador-Geral de Angola, Cabral de Moncada. Na opinião do Governador «um plano daqueles só poderia ter sido amadurecido na cabeça de um General experiente e não em cérebros selvagens».

Não basta alguém considerar-se descendente da raça superior ou julgar-se o mais evoluído dos negros para ser considerado, naturalmente, competente e merecer o respeito e a admiração dos seus compatriotas. Isto porque, a competência pouco tem a ver com a superioridade da raça, com a pureza da pele ou com a aparência física. Foi esta a lição que a história deu ao General português Kaúzla de Arriaga e aos seus seguidores.

O General Kaúlza de Arriaga (1915-2004) era um racista assumido. Entre 1964 e 1968 foi professor no Instituto de Altos Estudos Militares. Durante o tempo que lá esteve ensinou, por exemplo, que os negros são pouco evoluídos porque a inteligência das raças diminui a medida que se percorre a chamada escala da latitude, no sentido Norte-Sul. Assim, primeiro vêm os nórdicos, depois os latinos, em seguida os árabes e, por fim, os negros.

Em 1969 o General assumiu o Comando Militar de Moçambique. Em 1970, Absolutamente convencido da superioridade racial e militar do exército português, apressou-se a promover uma super operação militar para, em poucos dias, acabar com a aventura dos indígenas subversivos e aniquilar a FRELIMO, assaltando e destruindo as suas bases. Chamou-lhe «Operação Nó Górdio». Considerada a maior e a mais dispendiosa operação de sempre, envolveu tropas do Exército, Marinha e Força Aérea, num total aproximado de 8.200 homens.

Apesar da clara desvantagem de homens e de meios, os guerrilheiros da FRELIMO foram muito competentes na forma como resistiram à poderosa ofensiva e ludibriaram o exército português. Por causa disso, o cerco às suas bases demorou muito mais do que o previsto e o General Kaúlza de Arriaga não conseguiu atingir o seu objectivo: aniquilar a FRELIMO e acabar com a guerrilha, em poucos dias. Assim, a «Operação Nó Górdio» entrou para os anais da História militar portuguesa como um grave erro estratégico e como um mau exemplo de desperdício de vidas e de meios.

Não basta os nossos líderes julgarem-se, naturalmente, competentes e exigirem respeito e admiração dos seus compatriotas só por terem estudado nos Liceus da Angola colonial, por terem frequentado grandes universidades e exibirem muitos títulos académicos. Isto porque a competência pouco tem a ver com as habilitações académicas de uma pessoa. Foi essa a lição que nos deu o saudoso Valentim Amós, o mais bem sucedido empresário angolano e tragicamente desaparecido em Janeiro de 2008, quando o avião em que viajava com mais 12 pessoas embateu contra uma montanha.

Valentim Amós (1961-2008) tinha poucas habilitações literárias. Não tinha nenhum mestrado ou doutoramento. Não cursou Economia na Universidade de Harvard (EUA) ou Gestão na Universidade de Oxford (Inglaterra). Mas era uma pessoa altamente competente e mostrou-se incansável na promoção dos direitos humanos. Graças a sua comprovada competência, construiu um império comercial avaliado em mil milhões de dólares. E por se ter dedicado à promoção dos direitos humanos, ele é hoje um líder muito chorado, idolatrado e respeitado.

José Maria Huambo

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Geração Enganada e Sacrificada

Conta-se que, em meados da década de 90 do Século passado e no auge da febre das bolsas, certo jovem decidiu redigir um requerimento ao director responsável pelo «gabinete de bolsas» de uma célebre instituição nacional. Assim, num vistoso papel de 25 linhas, o esperançoso jovem expôs, de forma cuidada e eloquente, a sua atribulada vida, o seu difícil percurso académico, os seus projectos, os seus anseios e a importância vital da tão desejada bolsa.

Depois de duras semanas a tentar romper a poderosa e preconceituosa teia burocrática, fortemente, enraizada na célebre instituição nacional, o esperançoso jovem, através dum influente amigo da prima do rico namorado da querida tia, lá conseguiu fazer chegar o importante requerimento às mãos da poderosa secretária do Sr. Director. E tinha imensas razões para comemorar o feito tão difícil. É que, quando chegassem às mãos da zelosa secretária, os documentos passavam a ter 99% das hipóteses de cumprirem o seu destino. E para colocar mais «gindungo» nas fortes expectativas do jovem, a zelosa secretária pediu-lhe que fosse falar com ela no início da semana seguinte.

Chegado o dia marcado, o nosso jovem dirigiu-se ao gabinete da poderosa senhora em busca de novidades. A zelosa secretária, habituada à persistência dos requerentes, sossegou o nosso jovem, garantindo-lhe que o seu documento já estava pronto a ser despachado pelo Sr. Director. E o deferimento só não tinha acontecido porque o chefe tivera uma série de complicadas reuniões. «Volte daqui há quatro dias».

Passado o tempo pedido, o cada vez mais ansioso jovem regressa ao poderoso gabinete da célebre instituição nacional. «Olha, o Director ainda não despachou o requerimento. Nestes últimos dias tem andado ocupadíssimo. Venha cá p’ra semana». Sete dias depois o persistente jovem reaparece. «Ainda não tenho novidades. Peço desculpas. O Sr. Director foi numa missão de serviço. Venha daqui há quinze dias e garanto-te que haverá novidades». Duas semanas depois, a mesma ladainha e... nada! Um mês, dois meses e...nada!

Numa das suas habituais visitas ao Roque Santeiro, o nosso cada vez mais frustrado jovem resolve comprar uma dose de pão com peixe frito para «enganar o estômago». Enquanto saboreava o «almoço», entreteve-se a contemplar a dura realidade que o envolvia e a imaginar a vida que levaria como bolseiro angolano no exterior. Mas, num repentino e irresistível impulso, digno de um verdadeiro sexto sentido, interrompeu a meditação e decidiu reparar bem no papel que embrulhava a «sande» de peixe frito. A cuidada caligrafia, a rigorosa estética e o eloquente conteúdo não deixavam dúvidas: aquele pedaço de papel gorduroso e amarfanhado era o que restava do seu importante requerimento.

E a razão deste incrível e repugnante fenómeno é muito simples: A mãe da zelosa secretária era assídua quitandeira no Roque Santeiro. E a poderosa auxiliar do Sr. Director tinha por habito entregar à querida progenitora toda a papelada excedente, composta de requerimentos indesejados, jornais, revistas e velhos documentos.

Pois é, meus caros. A dolorosa experiência vivida pelo nosso jovem não difere muito da dura realidade que envolve a por mim denominada «geração enganada e sacrificada». Em 1976, e no auge da febre da Independência, o esperançoso e promissor grupo dos nascidos entre 1950 e 1975 fez um eloquente e pomposo requerimento dirigido aos dirigentes que não cessavam de proclamar que, para eles, «o mais importante era resolver os problemas do povo».

No dito requerimento, esmeradamente dactilografado em papel de 25 linhas, os elementos do grupo, com idades entre os 0 e 25 anos, exprimiam o ardente desejo de terem acesso a todos os benefícios a que tinham direito por força da tão longamente esperada independência. Exigiam uma equitativa repartição dos recursos económicos. Queriam que houvesse uma igualdade de oportunidades e uma justa recompensa dos talentos que cada um deles desejava dispor ao serviço da comunidade. Pretendiam que nascessem e vivessem em humanas condições de vida e que tivessem habitações decentes e uma alimentação digna. E porque “um analfabeto é um espírito subalimentado”, desejavam também que frequentassem escolas e universidades com adequadas condições de aprendizagem, que tivessem oportunidades de se formarem e desenvolverem os seus talentos com dignidade. E, por fim, exigiam um sistema de saúde mais humano e que fosse capaz de prestar-lhes uma eficiente assistência médica e medicamentosa, fundamentais para responderem, com vigor, aos desafios da «reconstrução nacional».

Passou um ano de ansiosa espera pela resposta dos dirigentes. E nada. Dois anos... três... quatro... cinco... seis anos e nada! No sétimo ano (1983) os elementos do grupo, agora com idades entre os 8 e os 33 anos, resolvem indagar os dirigentes sobre o andamento do requerimento. - Então camaradas, os nossos problemas? – Ah, não, vocês vão precisar de mais um pouco de paciência e abnegação porque ainda não deu para resolver cabalmente os vossos problemas. Somos um país jovem. Sofremos cinco séculos de um colonialismo terrível que nos deixou uma pesada herança. Quando nos preparávamos para resolver os vossos problemas fomos atacados em várias frentes pelos nossos inimigos. Estamos a enfrentar o imperialismo que continua a financiar actividades subversivas e contra-revolucionárias para desestabilizar a situação política, militar e económica do nosso país. Tivemos repetidas agressões armadas levadas a cabo pelos racistas sul-africanos que culminaram numa invasão de grande envergadura. E nestes difíceis momentos da nossa história, precisamos do vosso patriótico sacrifício, dando tudo quanto têm de melhor para a defesa da Pátria, da nossa liberdade e integridade territorial. Sem o vosso engajamento não será possível defender as conquistas já alcançadas.

Entretanto, os anos foram passando e... nada. Em 1990, sete anos depois da última comovedora promessa, os elementos do grupo, agora com idades entre os 15 e os 40 anos, voltam a indagar os «esforçados» dirigentes. – Então camaradas, os nossos problemas? Ah, sabem, nós estamos cientes das vossas dificuldades. Mas, acreditamos que saberão compreender os graves obstáculos que continuamos a enfrentar. Os inimigos de sempre não desarmam e continuam com as suas manobras. A administração Reagan, através da emenda Clark, inaugurou uma grave política de ingerência nos nossos assuntos internos. O exército de Savimbi, apoiado pela racista África do Sul e pelo Zaire, intensificou as suas acções de guerra e incrementou os seus actos de terrorismo. Todos estes factores levaram-nos a desviar grande parte dos recursos financeiros e materiais para a conquista da paz, afectando, assim, grandemente o cabal cumprimento do nosso plano nacional. Mas não se preocupem, que irão sentir os benéficos efeitos do plano do SEF, gizado com profunda clarividência. Até lá, devem permanecer vigilantes e mobilizados para garantir a defesa das nossas conquistas.

Entretanto, passaram outros sete anos e os problemas agravavam-se cada vez mais. Estamos em 1997 e os destroçados elementos da geração da independência, agora com idades entre os 22 e os 47 anos, resolvem, mais uma vez, indagar os dirigentes. – Então camaradas, os nossos velhos problemas? Ah, já sabem o que aconteceu ao nosso país. Quando tínhamos tudo preparado para, finalmente, resolvermos cabalmente os vossos problemas, eis que o espectro da guerra voltou a pairar sobre nós. A Unita contestou, por via armada, os resultados eleitorais, abrindo uma grave crise que mergulhou o país numa verdadeira catástrofe. A sanha assassina de Savimbi obrigou-nos, novamente, a canalizar todos os recursos financeiros e materiais para o esforço de guerra. Graças a um gigantesco esforço nacional, o país, que estava à deriva, voltou ao rumo certo e retoma agora lenta mas seguramente a sua marcha. E não vos preocupeis. Porque os sinais destes tempos mostram que o país está a caminhar rapidamente para uma nova etapa, uma etapa em que iremos saber equacionar e resolver novos e velhos problemas. Mais uma vez, contamos com o vosso abnegado sacrifício na defesa da integridade territorial e no vosso esforço para recolocar Angola no caminho do progresso e da prosperidade.

Acontece que estamos em 2008, 11 anos depois das promessas de 1997 e 32 anos depois da entrega do requerimento. E… nada. Continuamos a ser bombardeados com velhas desculpas e com as promessas do costume. Dizem que é agora que tudo se vai resolver. Prometem, por exemplo, para o período 2009-2013, construir cerca de um milhão de habitações em todas as províncias. Vamos ver.

E como a esperança é a última a morrer, não desistimos e contamos regressar em 2013. Nessa altura, os elementos do grupo que dactilografou o requerimento terão entre os 38 e os 63 anos. Espero, sinceramente, que, até lá, os nossos dirigentes tenham a hombridade de dizerem a verdade sobre o destino do velho requerimento e que se redimam das suas faltas tornando menos pesado o fardo da vida dos filhos e dos netos da geração que tem sido enganada e sacrificada desde 1976.


José Maria Huambo