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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Não Existem Governos Tranquilos Nem Paises Acabados

«O mais importante é resolver os problemas do Povo»
AGOSTINHO NETO

«Todo o progresso é precário e a solução de um problema coloca-nos diante de outro problema»
MARTIN LUTHER KING

Primo, espero que esteja tudo bem contigo.

Recebi o teu e-mail e agradeço as amáveis palavras de encorajamento. Sabe sempre bem sentirmos o reconfortante apoio dos que nos são queridos.

Sabes, não é fácil exercitar a cidadania e questionar o rumo do País, numa altura em que, entre nós, ganhou força a ideia de que a insistência nas críticas ao esforçado governo de Eduardo dos Santos não passa de uma velha paranóia de alguns «reaccionários» hostis ao «governo legitimamente eleito» e de algumas forças ocultas que teimam em não querer que Angola avance.

Ou seja, primo, os advogados e adeptos deste regime teimam em fazer triunfar a ideia de que Angola está definitivamente bem. O país cresceu mais rápido do que os outros alguma vez cresceram e não há nenhum problema dos angolanos que o nosso esforçadíssimo governo não esteja a resolver. Por isso, não precisam da oposição nem merecerem críticas. Antes pelo contrário, os angolanos deviam agradecer aos deuses por terem sido abençoados com um líder tão sábio e clarividente e aplaudir sempre as opções deste governo que muito fez e está a fazer pelo seu amado povo.

Pura ilusão, primo, pura fantasia! Não existem países acabados, nem povos completamente felizes, nem governos impecáveis e eternamente adorados.
Um país sério e organizado é, sempre, um projecto inacabado e de renovação contínua. E nenhum Governo é suficientemente bom para merecer a eterna adoração dos cidadãos! Porque? Porque os povos são insaciáveis e difíceis de agradar. Nunca estão satisfeitos e felizes com o que têm. Querem, sempre, ser mais do que aquilo que já são. Ter mais do aquilo que já conseguiram. Melhorar cada vez mais a boa vida que já têm. Por isso, os seus problemas nunca serão definitivamente resolvidos.

Por exemplo: Portugal tem um sistema de saúde que, comparado com o nosso, é excelente. Mas mesmo assim, os portugueses estão sempre a exigir melhores condições de saúde e de acesso aos mais avançados meios capazes de prolongar as suas vidas. A França tem um dos melhores sistemas de segurança social do mundo. O Estado protege os franceses no desemprego, na doença, na maternidade, na infância, na invalidez, na viuvez e na velhice. Mas mesmo assim, os franceses exigem melhorias dos subsídios sociais e o Governo tem sido obrigado a reformar e a melhorar o sistema. Os Estados Unidos têm um dos melhores e mais importantes sistemas de ensino do mundo. Para aumentarem os seus conhecimentos, os americanos dispõem das mais modernas e poderosas ferramentas de formação, informação e comunicação. Mas mesmo assim, têm sido inúmeros e muito acesos os debates que exigem melhorias no sistema de ensino vigente e Barack Obama prometeu mais e melhor educação para os americanos.

Se os povos dos países desenvolvidos continuam a exigir dos seus eficazes e excelentes governos mais e melhores condições, porque haveria os angolanos de se resignarem perante os seus imensos problemas não resolvidos?

Primo, os angolanos não são um povo especial. Eles partilham das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas de todos os povos do mundo. E todos os seres humanos esperam que os seus governos sejam capazes de satisfazerem os desejos de terem boa vida (Economia e Finanças), viverem mais tempo (Saúde e Nutrição), aumentarem os seus conhecimentos (Educação e Cultura), participarem activamente na vida das sua comunidade (Democracia) e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens (Paz, Ordem e Justiça). A contínua e empenhada satisfação destas necessidades é que torna um país próspero e faz um bom Governo.

É por tudo isso, primo, que nenhum Governo de Angola será suficientemente bom para merecer a eterna adoração dos cidadãos e Angola será sempre um projecto inacabado e de renovação contínua. Isto porque, a semelhança dos outros povos do mundo, os angolanos sempre vão querer ser mais do que aquilo que já são. Ter mais do aquilo que já conseguiram. Melhorar cada vez mais a boa vida que já têm.

Lembras-te, primo, o que os jovens dos anos 80 faziam para conseguir um walkman? Naquele tempo ter um aparelho desses era o auge, porque significava ter estatuto, admiração e damas. Pois é, tudo isso passou! Porque nos anos 90 os jovens já queriam exibir-se com um minidisc da Sony. Como tudo na vida, essa febre também passou. Porque nos primeiros anos da década de 2000 os jovens passaram a suspirar por um bom leitor MP3. Agora, já exigem iphone e ipod.

Nos anos 80 o auge da felicidade familiar era ter um desses televisores a preto e branco. Quem tivesse 1 desses televisores era idolatrado pela vizinhança. Era o rei da rua e do bairro. Depois, as pessoas evoluíram. O televisor dos seus sonhos tinha de ser a cores. Hoje em dia, para seres idolatrado pela vizinhança e reinares na rua e no bairro precisas de ter em casa um plasma gigante.

Nos anos 80 os quadros e dirigentes de Angola viviam contentes por terem na garagem um carro LADA (Lá Andam Dirigentes Analfabetos). Logo a seguir, ter um LADA já não condizia com o nobre estatuto. Foi assim que passaram a andar num NIVA (Não Importa Vamos Alfabetizá-los). Depois, evoluíram e passaram a circular orgulhosamente num VW carocha importado do Brasil, (os famosos AZ e AX, lembras-te?). Logo a seguir, um bom dirigente tinha de ter um LAND ROVER SANTANA. Depois, vieram os VW PASSAT, os AUDI´s e os VOLVO´s executivos. Agora, exigem RANGE ROVER «TUBARÃO», PORSCHE CAYENNE, VW TOUAREG, BMW X6 e outras luxuosas máquinas. E, primo, enquanto Angola existir, os quadros e dirigentes sempre vão querer ser mais do que aquilo que já são. Ter mais do aquilo que já conseguiram. Melhorar cada vez mais a boa vida que já têm.

Primo, até as amantes dos chefes evoluíram e estão mais exigentes. No inicio, só exigiam AMOR, CARINHO e COMPREENSÃO. Em finais dos anos 80 já queriam um TOYOTA STARLET. Nos anos 90 um bom amante era aquele que podia oferecer-lhes um TOYOTA RAV4. Depois, já exigiam um TOYOTA PRADO. Agora, querem grandes jipes e brutas casas.

Nos anos 80, a maior parte dos angolanos sonhava acabar a 12ª classe e ser técnico médio! Era o auge da época do socialismo, com direito a cartão de compras na loja dos dirigentes! Depois, ser técnico médio já não era assim tão especial e todos passaram a fazer tudo por tudo para entrar na faculdade e obter a licenciatura! Mas agora, ter curso superior, também, já não é nada. Porque qualquer um pode andar na faculdade. Lembras-te daqueles dirigentes quase analfabetos? Pois é, muitos, hoje, são licenciados. Agora, a meta mais almejada pelos angolanos é fazer um mestrado e um doutoramento.

Os angolanos nunca deixarão de lamentar a carência de casas e a velha questão não ficará resolvida com a construção de 1 milhão de casas. A falta de habitação será um problema sempre interminável e o parque habitacional terá de ser continuamente renovado. Porque os angolanos sempre vão querer ter mais do aquilo que já conseguiram. Melhorar cada vez mais a boa vida que já têm. Assim, os que não têm onde morar sonham em ter uma casa. Os que têm casa querem ter um apartamento num bom condomínio. Os que têm apartamento vão lutar para conseguirem uma vivenda com piscina. Os que têm vivendas querem mansões. Esses acham que as suas mansões estão a ficar pequenas e sonham viver em palacetes. Os que vivem em palacetes não estão felizes porque a casa dos seus sonhos é um grande castelo.

É, primo, assim é o ser humano! Sempre insaciável, nunca satisfeito!

Cumprimentos à família.
Aquele fraternal abraço.

José Maria Huambo