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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Afinal, A Luta Continua!

A medida em que o ano 2002 vai ficando para atrás e as negras nuvens das cinzas da guerra se vão dissipando do espaço angolano, começa a ficar mais claro para nós que a Paz não está a trazer a reconciliação que os angolanos precisam nem a favorecer a construção da Angola que há muito sonhamos.

Com o alcance da tão desejada Paz esperávamos que tivesse chegado, finalmente, o grande momento nos unirmos e trabalharmos juntos na construção de uma nova Pátria e no derrube da velha Angola, construída sob as fundações das antigas divergências, alicerçada na intolerância racial, étnica, política e sociocultural, e cimentada na desastrosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais.

Mas, fomos redondamente enganados. Aquilo a que nos habituamos a chamar «processo de paz e reconciliação», afinal não tem passado da triunfante consagração absoluta de um poderoso grupo que teima em perpetuar as velhas lutas pelo predomínio absoluto de um só grupo (racial, político, étnico, religioso, etc.) que devastaram Angola e estagnaram o nosso promissor País.

Assim, a nossa amada e sofrida terra está agora refém do grupo vencedor do longo e doloroso conflito e que está determinadíssimo em consolidar a sua hegemonia e a gerir o país como se fosse sua propriedade privada.

O pior de tudo é que os angolanos indefesos estão a sobreviver completamente desamparados pela comunidade internacional. Porque, a dependência do petróleo deu ao poderoso grupo uma ascendência sobre a política externa dos Estados Unidos, da China, da França, da Inglaterra, da Rússia, do Japão, de Portugal e doutros antigos defensores acérrimos da Democracia e dos Direitos Humanos. Por isso, não há no mundo de hoje instituição divina ou humana capaz de travá-los, contrariá-los, questioná-los ou censurá-los.

Apesar de já não utilizar as mortíferas armas da guerra civil, o poderoso grupo continua a atacar os angolanos indefesos e a atentar, gravemente, contra a soberania nacional e integridade territorial. As armas, agora, são outras. São mais sofisticadas e muito inteligentes. Assim, para consolidar a sua hegemonia política arrancada a ferros e proteger os seus prósperos interesses económicos, o poderoso grupo continua a fazer ataques mortíferos e cirúrgicos contra os direitos dos cidadãos indefesos usando como poderosas armas as leis do país, os órgãos de soberania, o sistema judicial, as estruturas financeiras, a comunicação social e os órgãos de defesa e segurança nacional.

A gananciosa atitude deste grupo e a sua danosa gestão dos nossos recursos humanos e naturais estão a comprometer, seriamente, o futuro próspero e pacífico das gerações vindouras.


E quando as gerações vindouras olharem para atrás para perceberem as razões dos seus sofrimentos e julgarem os actos praticados no nosso presente ficarão muito tristes e decepcionados com o incompreensível silêncio dos angolanos bons, com a indiferença dos conformados com as suas vidinhas e com a passividade daqueles que podem, hoje, fazer alguma coisa para salvar o futuro da Angola.

E, assim, estamos todos a ajudar o poderoso grupo na irresponsável missão de comprometer seriamente o futuro próspero e pacífico das gerações vindouras. Andamos todos a evitar ter chatices e absolutamente concentrados nas nossas ambições egoístas e nos nossos interesses pessoais. Por isso, preferimos comprometer a sobrevivência da Angola do amanhã a perder as casas, os carros, os negócios e outras regalias que o regime dominante nos dá como se fossem grandes favores.

Porém, a grande verdade é que não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Não adianta andarmos em guerrilhas e aos empurrões por causa de futilidades e benesses efémeras. Porque estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra.

E mesmo que nos fiemos na presunçosa ilusão de vivermos por longos e felizes anos, não devemos esquecer que a vida dá muitas voltas. Os ricos e poderosos de hoje podem não ser os mandões de amanhã. Os privilegiados de hoje podem vir a ser os prejudicados de amanhã. Os filhos dos dirigentes da Angola de hoje podem não vir a ser os pais dos dirigentes da Angola do amanhã.

Por isso, em nome do futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos e em nome da salvaguarda do património que muitos conseguiram com muitos sacrifícios, temos de decidir, hoje, aqui e agora se é Angola que deve girar, continuamente, à volta do dos privados interesses do poderoso grupo de Eduardo dos Santos (zeducentrismo) ou é o país que deve estar em primeiro lugar fazendo com que os interesses dos grupos políticos, raciais, étnicos, económicos e religiosos devam girar à volta dos supremos interesses de Angola (angocentrismo)?

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País injusto onde a pobreza extrema esteja condenada a viver lado a lado com a riqueza ostensiva. Um país corrupto que promove o uso fraudulento do dinheiro público e onde os recursos destinados ao bem público sirvam para outros interesses de carácter privado ou mesmo criminoso.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País onde continue a imperar a dominação de uns pelos outros e onde todos os poderes e todas as benesses permaneçam concentrados nas mãos duma só classe social, dum só partido político, duma só raça ou dum só grupo étnico.

Temos de decidir, hoje, aqui e agora se queremos deixar para as gerações vindouras um País intolerante onde os grupos dominantes se recusem a conviver com as nossas naturais diferenças e persigam, por todos os meios, os compatriotas que não comunguem das suas convicções políticas, ideológicas, religiosas e culturais nem partilhem das suas formas de ser angolano, de pensar o País e de viver a angolanidade.

Enfim, temos de decidir, hoje, aqui e agora se Angola é um feudo privado do grupo de Eduardo dos Santos ou se é uma comunidade política que pertence a todos os seus filhos.

Porque a escolha clara e decidida entre o «zeducentrismo» e o «angocentrismo» irá determinar o triunfo ou o fracasso do País reconciliado, pacífico, próspero e democrático que sempre sonhamos e que queremos deixar para os nossos netos e bisnetos.


José Maria Huambo

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os Donos da Bola

NOTA: Este artigo foi escrito em finais de 2005 para ser publicado no Semanário Folha 8.
Por ter merecido um grande acolhimento, foi postado no blogue e publicado no portal Angonotícias em Junho de 2006.
Por continuar muito actual, decidi voltar a partilhá-lo convosco.
Aproveito esta oportunidade para enviar um enorme OBRIGADO a todos os angolanos e amigos de Angola que acompanham as minhas reflexões. Numa altura em que não é nada fácil exercitar a cidadania e questionar o rumo do País, é animador sentirmos o reconfortante apoio daqueles que nos querem bem!


Um homem esfomeado pensa antes de mais nada em satisfazer a sua fome. Venderá a sua liberdade e tudo mais para obter um pouco de comida”.
MAHATMA GANDHI

Quando trocamos direitos por favores, deixamos de ser livres”.
DANIEL OLIVEIRA
Semanário Expresso (Portugal), Agosto de 2008

Há, entre nós, uma generalizada desilusão motivada pela forma como a oposição política, as principais instituições civis e religiosas, as lideranças sindicais e alguns intelectuais proeminentes se submetem aos jogos, caprichos e desmandos do núcleo duro que detém o poder e domina a sociedade angolana.

Este triste fenómeno fez-me recuar no tempo e rever uma das mais sinistras figura da minha memorável infância: o dono da bola. Aqueles que, como eu, passaram grande parte da infância a jogar a bola, lembram-se, com certeza, que durante a década de oitenta eram poucos os que tinham um esférico a sério! A maior parte de nós passava longas horas a jogar com bolas de trapos ou de meias. E a imensa criatividade dos miúdos do meu tempo proporcionou-nos o prazer de jogar futebol com bolas de vários tipos e feitios, sendo as mais «sofisticadas», aquelas que o Narciso fazia: envolvia um monte de plásticos em peúgas militares, até formarem um grande esférico. Depois cobria-o com restos de colchão de esponja, para dar-lhe elasticidade. Por fim, envolvia o esférico esponjado num saco plástico, entrelaçando-o com cordas de barbante que lhe dava o aspecto atractivo.


Bola do género daquelas que o Narciso Fazia. Foto de Pedro Soares


Claro que, enquanto incondicionais amantes do futebol, o nosso ardente desejo e a nossa mais profunda ambição era jogar com um esférico a sério, quer fosse de borracha ou de «catchu». Mas, naquele tempo, as ditas bolas eram um raro bem, apenas ao alcance dos clubes a sério, das equipas dos caçulinhas e dos filhos dos «pequenos burgueses».

É neste contexto que os poucos proprietários de um esférico a sério surgiram como figuras marcantes da nossa infância. E de todas essas figuras com as quais me deparei, uma delas destaca-se como paradigma perfeito da confrangedora situação vivida pelas cada vez mais passivas figuras da oposição política, da intelectualidade nacional e das lideranças sindicais, sociais e eclesiásticas.

Por razões pessoais, vou omitir o seu verdadeiro nome e chamar-lhe Jota-Jota. Apesar de ser um bom miúdo, Jota-Jota nunca foi um daqueles jogadores indispensáveis, quer nas equipas da nossa rua, quer nos grupos que actuavam nos pelados das escolas que circundavam o nosso bairro. Na maior parte das vezes, ele só entrava em campo nos dias em que havia pouco pessoal.

Mas, por caprichosa conspiração do universo, tudo mudou a seu favor quando umas das tias vinda de Luanda entregou-lhe uma prenda carinhosamente enviada pelo padrinho que vivia em Portugal: uma novinha bola de «catchu» mikasa e um equipamento completo da Adidas, daqueles com fato olímpico, calções, camisola, meias e chuteiras. Assim, por ser dono da mais cobiçada bola do meu tempo, Jota-Jota passou a ser o miúdo mais adulado e o jogador mais procurado da minha rua.

A bola dos nossos sonhos

Cansados de jogar com as «sofisticadas» bolas do Narciso e ansiosos por colocar os nossos pés descalços na bendita mikasa preta e branca, pressionamos o novo dono a marcar um jogo de estreia. Mas só no dia do desafio nos apercebemos que o Jota-Jota, como qualquer dono da bola que se preze, iria usar a mikasa como instrumento de poder e de influência. Os caprichos e desmandos que um esférico de «catchu» lhe conferia vieram logo ao de cima na altura do «bota-sapato».

Para quem não sabe ou não se lembra, o «bota-sapato» era um «democrático» mecanismo que determinava a escolha das equipas. Dois jogadores ofereciam-se ou eram escolhidos para seleccionarem os elementos das suas equipas. Marcava-se um ponto de referência. Os dois jogadores davam a mão e, partindo desse ponto, recuavam até uma certa distância, a partir da qual começavam a contar os passos em direcção ao ponto de referência. Por cada passo dado um dizia «bota» e outro respondia «sapato». Aquele que alcançasse primeiro o ponto de referência tinha direito à primeira escolha.

Fui escolhido para apadrinhar o primeiro «bota-sapato» do dono da bola. Durante o percurso em direcção ao ponto de referência, Jota-Jota deu dois passos a mais e ganhou o direito à primeira opção. Todos vimos a monumental batota. Mas, levados pela ânsia de jogar com uma bola a sério, acabamos por desculpar a fraude.

Jota-Jota, ciente do ascendente que passou a exercer sobre nós, estava decidido a ficar com os melhores em campo. E esta pretensão ficou clara quando anulou as minhas primeiras escolhas que tinham recaído sobre o Nato (Bernardo) e o Enoque, que eram, respectivamente, o melhor guarda-redes e o mais temível avançado do nosso Bairro. Esta situação gerou uma longa discussão que só terminou quando o Jota-Jota decidiu ir para casa.

Naquele tempo, levar a respectiva bola era o mais poderoso instrumento de chantagem que os donos gostavam de usar para fazerem vincar os seus desmandos e caprichos. Assim, vergados pela força da chantagem e determinados em não deixar escapar a rara oportunidade de jogar com uma mikasa, acabamos por acatar a desonesta e arrogante imposição.

Depois dos desentendimentos iniciais, lá começou o jogo que se tornou recheado de controvérsias. A minha equipa marcava um golo. Os batoteiros do outro lado apressavam-se a invalidá-lo. Discussão. É golo... não é... é golo... não é... E lá vinha o Jota-Jota: «vou levar a bola!» E nós: «ta bem, pronto... não foi golo». Um jogador da minha equipa dá um encostão ao adversário na zona do meio campo. Jota-Jota pega na bola e decide assinalar... grande penalidade. Os ânimos exaltam-se. Perante a tenaz resistência dos adversários, o dono da mikasa decide: «vou levar a bola!» E nós, preferindo engolir a fraude monumental a perder o jogo, lá acabamos por fazer-lhe a vontade: «ta bem, pronto... é penalti».

Apesar da batota dos adversários, chegamos a meio do jogo a ganhar por 6-3. O grande responsável pelo esmagador resultado chamava-se Bato (Bartolomeu). Este miúdo, escolhido a ultima da hora para reforçar a minha desfalcada equipa, revelou-se um grande e habilidoso jogador, um genuíno «brinca na areia» que destronou o temido Enoque e fez o Nato parecer um vulgar guarda-redes. Esse Bato protagonizou um incidente que mudou o curso do jogo.

Naquele tempo era suprema humilhação um jogador permitir que o adversário conseguisse passar-lhe a bola por entre a s pernas (dar da «ova» ou das «cuecas»), driblar-lhe em sprint (levar na «colola») e fazer passar-lhe a bola por cima da cabeça (dar «cabrito» ou fazer «chapéu»). O habilidoso Bato, que se revelara um mestre da «colola» e que já tinha dado «das cuecas» de todos os adversários, cometeu a imperdoável heresia de dar duplo «cabrito» ao dono da bola.

Desolado com a pesada derrota da sua equipa e sentindo-se humilhado pelo Bato, Jota-Jota pegou na preciosa mikasa e, sem explicações, começou a abandonar o campo. Depois de suplicantes pedidos de desculpas do Bato e de longos minutos de uma autêntica batalha diplomática, lá conseguimos convencê-lo a esquecer o humilhante incidente e a regressar ao campo.

Ciente da sua dominante posição, o dono da bola decidiu retomar a partida impondo duas grandes condições: o jogo recomeçava empatado a 6 golos e o Bato passava para equipa dele. De início, insurgimo-nos com veemência. Mas, depois, cedemos, acabando por tolerar as injustas condições.

É escusado dizer que a minha decapitada equipa sofreu um autêntico «massacre». Mas, o que valeu mesmo e constituiu para nós um supremo prazer foi o facto de aquela bola de «catchu» nos ter dado a possibilidade de encarnarmos os nossos ídolos e explanarmos todo o nosso futebol. E por felizes momentos deixamos de ser nós mesmos e passamos a ser Ndunguidi, Maluka, Sarmento, Jesus, Vata, Napoleão, Chico Diniz, Arsénio, Maradona, Rummenigge, Dasaev, Boniek, Paolo Rossi, Zico, Platini, etc.

Pois é, meus caros. O actual cenário da política angolana não difere muito das peripécias narradas por este incrível episódio da minha memorável infância. E a oposição política, as principais instituições civis e religiosas, as lideranças sindicais, as ordens profissionais e alguns intelectuais proeminentes continuarão a submeter-se, de forma humilhante e preocupante, aos caprichos e desmandos dos donos de Angola pelo facto de vivermos numa sociedade empobrecida, onde os mecanismos que possibilitam o justo acesso aos chamados «bens socialmente desejados» (habitação, alimentação, educação, saúde, emprego, etc.) continuam concentrados nas mãos do núcleo duro que detém o poder e domina a sociedade angolana.

Assim, no quotidiano jogo pela realização pessoal e sobrevivência sociopolítica, esbarramos, constantemente, contra uma super-estrutura partidária que se confunde com o Estado e que controla os acessos aos bens materiais necessários ao nosso bem-estar e à nossa estabilidade familiar e económica. E cansados de jogar com as «sofisticadas» «bolas de trapos» que dispomos no quotidiano jogo pela sobrevivência, temos sido forçados a recorrer aos nossos «Jota-Jotas» para usufruirmos dos preciosos bens capazes de tornar menos pesado o duro fardo da vida.

E, para continuarmos a desfrutar de um «esférico» a sério, já sabemos o que não se deve fazer aos poderosos donos da bola: dar «cabrito» ao Presidente Eduardo dos Santos, nem pensar! E os «Batos» que ousaram fazê-lo, sofreram as devidas consequências. Os atrevidos que tentarem Levar na «colola» os altos dirigentes já sabem que correm o risco de levar um «carrinho» mortal ou uma daquelas entradas duras, capazes de deixá-los gravemente lesionados. Dar das «cuecas» do governo do MPLA pode desencadear a perda da casa, do carro, dos dólares, das bolsas de estudo, da junta médica, dos subsídios do partido, dos negócios, dos privilégios e de outras regalias.

E, assim, no quotidiano jogo da realização pessoal e da sobrevivência socio-política, contestar os nossos «Jota-Jotas» transformou-se num risco que poucos se atrevem a correr. E usufruir das «bolas de catchu» proporcionadas pelo poderoso sistema transformou-se num deleitante prazer que ninguém deseja abdicar. Por isso, entre nós, tornou-se preferível suportar os caprichos e desmandos dos donos das preciosas «mikasas» a jogar honestamente com as «bolas de trapos» da nossa empobrecida sociedade.


José Maria Huambo

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Órfãos do Ódio


O destino podia ter-nos colocado noutras paragens deste maravilhoso planeta. Mas não. Caprichosamente fez-nos despertar para vida atirando-nos para este precioso recanto chamado Angola. E o tempo ensinou-nos a amar este abençoado pedaço de terra.

Mas, não tem sido fácil amar este terra que há 500 anos é palco de acesas lutas políticas, raciais, étnicas e socioculturais. Não tem sido fácil amar esta terra cujos filhos há séculos que têm sido incapazes de conciliar os diferentes grupos raciais, étnicos, políticos e socioculturais em torno de um projecto comum.
Não tem sido fácil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os «civilizados» desprezam os «gentios». Onde os ditos «genuínos» hostilizam os «crioulos». Onde os negristas acham que os brancos e mulatos não podem ser angolanos. Onde os colonos racistas nunca conceberam uma Angola com «pretos». Onde os de pele mais clara julgam que têm primazia sobre os mais escuros.

É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde alguns advogam que Angola é Luanda e o resto é paisagem. Onde muitos acham que os kimbundos são os mais «evoluídos» e estão acima dos outros grupos étnicos. Onde os «puros mangolês» hostilizam os bakongos, a quem apelidam de «zairenses». Onde os Cabindas não querem nada com os «angolanos». Onde os rurais não vêem as vantagens da angolanidade e continuam a espera da «independência». Onde os do Cunene acham que, enquanto angolanos, muito têm perdido. Onde os chamados «das províncias» acham-se marginalizados como angolanos.

É difícil erguer a paz e a reconciliação numa terra regada de sangue e coberta de ódios, mágoas e ressentimentos. É difícil fazer triunfar o amor e a fraternidade numa terra onde os colonos exploraram, humilharam e aniquilaram os africanos em nome da «Angola Portuguesa». Onde os africanos mataram, humilharam e hostilizaram os angolanos de origem portuguesa em nome da «Angola Independente». Onde os angolanos do MPLA abateram outros angolanos em nome de todos os angolanos. Onde os angolanos da UNITA chacinaram outros angolanos em nome da «Angola profunda». E onde muitos já não querem ser angolanos nem saber de Angola.

E o que mais dói, no meio de tudo isto, é vermos que, apesar das duras lições das guerras, continuamos prepotentes, fanáticos, intolerantes e de coração duro, persistindo nos mesmos erros que naufragaram o País e conservando os mesmos vícios que estagnaram a nossa promissora Pátria.

E com isso continuamos a perder tempo e a atrasar o País, desperdiçando, assim, a soberana ocasião de recolocar Angola na digna rota do progresso e do desenvolvimento.

E a dura realidade é que a vida é breve e não temos toda a eternidade para continuarmos a espera de uma Angola unida, fraterna, pacífica e próspera que tarda a chegar. É como diz o Salmista: Os dias da nossa vida andam pelos setenta anos e, se robustos, por uns oitenta/ A maior parte são trabalho e desilusão/, passam depressa e nós partimos.

Por isso, é hoje, aqui e agora que devemos empenhar-nos na «invenção» de um modelo de Estado que seja capaz de unir e conciliar os angolanos, corrigir as profundas desigualdades socioeconómicas, edificar a desejável paz duradoura e evitar o germinar contínuo e insufocável de revoltas e rebeliões.

Não adianta insistirmos em alimentar vãs grandezas e ilusórias vaidades. Estamos todos de passagem. Mais tempo, menos tempo acabaremos todos por deixar este abençoado pedaço de terra. E nesta fugaz peregrinação terrena em vez de unirmos forças na construção da Angola que sempre sonhamos, andamos todos a odiar-nos, a atropelar-nos e a guerrearmo-nos por futilidades e bens passageiros.

Mas, para quê? Se a nossa imensa pátria tem espaço para todos os seus filhos! Se os recursos de Angola chegam e sobram para todos os angolanos! Porquê tanta ganância! Porquê tanta arrogância e prepotência! Porquê tanta fadiga nas disputas pelo poder absoluto! Para quê este insaciável desejo de acumular riquezas a ponto de se deixar os outros na indigência extrema!

Como bem sentenciou o Sábio Salomão, ninguém é senhor do seu sopro de vida, nem é capaz de a conservar. Ninguém tem poder sobre o dia da sua morte nem faculdade de afastar esse combate (ECLESIASTES 8, 8). Por isso, quando chegar a hora de deixarmos este mundo de nada nos valerá termos sido poderosos a ponto de, num simples gesto, decidirmos a vida e a morte dos que estão sob o nosso poder e domínio. De nada nos valerá a nossa condição social, o nosso poder e influência bem como a importância dos nossos poderosos familiares! De nada nos valerá a esbelta cor da nossa pele, a pureza da nossa religião, a força da nossa etnia nem a supremacia do nosso partido. Porque para todos a entrada da vida é mesma e a partida semelhante(SABEDORIA 7, 6).

O que vai importar é a gratificante recompensa de sermos amados e respeitados pelo facto de termos dedicado os breves anos da nossa vida semeando o amor, fazendo o bem, lutando pelo bem-estar daqueles que amamos, contribuindo para progresso do País que tanto amamos e vivendo em comunhão com os interesses dos compatriotas, preocupando-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos.

O que vai valer é a consoladora certeza de termos partido deste mundo deixando para as gerações vindouras um país onde reina a paz, a harmonia e a prosperidade. O que vai importar é a feliz alegria de partirmos deste mundo deixando uma terra capaz de ser orgulhosamente amada pelos nossos filhos, netos e bisnetos.

Mas os que amam este abençoado pedaço de terra não têm tido a sorte de morrerem tranquilos e felizes. É que a segurança e a integridade física das pessoas que muito amam e a salvaguarda dos bens que conquistaram com muitos sacrifícios nunca estarão garantidas numa sociedade onde imperam o abuso de poder, as lutas do prestígio e do predomínio, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, as desigualdades socioeconómicas, a degradação dos valores, etc., etc.

O futuro tranquilo dos nossos filhos, netos e bisnetos nunca estará garantido numa sociedade que promove os elitismos sociais e políticos. Numa sociedade onde a filiação partidária e a cor da pele continuam a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade. Numa sociedade que mantém muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Numa sociedade onde a pobreza extrema convive lado a lado com a riqueza ostensiva. Numa sociedade que promove o egoísmo, a ganância, a fraude, a corrupção, o lucro desonesto, a impunidade e outras vergonhosas imoralidades.


José Maria Huambo

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Porque é Que a Tua Angola Não Vai Crescer?

Meu irmão esquece esse palavreado em torno das riquezas de Angola. Deixa de repetir, cegamente, que somos o país que mais cresce no mundo. Esquece isso, meu irmão!

Essa Angola maravilhosa e fantástica que está hoje nas bocas do mundo não é, nunca foi e, tão cedo, não será para ti! Essa Angola com magníficos arranha-céus, moderníssimos escritórios, Brutas mansões, grandes condomínios privados e luxuosos hotéis não é tua. Essa Angola e parafraseando o músico Dog Murras é Angola dos investidores estrangeiros que estão a enriquecer de forma extraordinária. É Angola dos nossos «kota bué» que tudo podem e que tudo fazem. É Angola das mesmas pessoas que ficam com os bons empregos e com as boas oportunidades. É Angola dos herdeiros que não fazem nada e têm «bwé de massa».

A tua Angola que não tem nada, está desgraçada e «bwé» rebentada vai continuar à margem do tão falado crescimento económico.

Porquê? Porque enquanto os dirigentes do país teimarem em manter e exibir um dos mais inoperantes modelos de Estado, uma das mais ineficazes estruturas de gestão governativa e um dos mais corruptos aparelhos de administração pública, a tua Angola nunca irá beneficiar dos fabulosos lucros do crescimento económico e do investimento estrangeiro.

Esses fabulosos lucros nunca vão chegar à tua Angola por duas razões. A primeira razão prende-se com o facto de vigorarem em Angola os 5 modelos de mau crescimento económico identificados pelos especialistas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento):

Crescimento sem emprego- a economia em geral cresce, mas falha na expansão das oportunidades de emprego. Crescimento desumano - Os ricos tornam-se mais ricos e os pobres não obtêm nada. Crescimento sem direito à opinião - a economia cresce, mas a democracia/ participação da maioria da população não é respeitada. Crescimento desenraizado - a identidade cultural é submersa ou deliberadamente anulada pelo governo central. Crescimento sem futuro - os recursos desperdiçados pela geração actual, que irão ser necessários às futuras gerações.

A segunda razão prende-se com o facto de os nossos dirigentes terem sido desastrosos na condução do nosso destino colectivo e na gestão dos nossos recursos humanos e naturais. Ou seja, os nossos governantes não têm sabido canalizar, de forma eficiente, laboriosa e disciplinada, os fabulosos lucros do crescimento económico e do investimento estrangeiro na criação de condições que contribuam para que as pessoas da tua Angola possam ter boa vida; viver mais tempo; aumentar os seus conhecimentos; participar activamente na vida das suas comunidades e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens.

Vamos tentar explicar melhor: Os Estados precisam do investimento estrangeiro, entre outras razões, para obterem as receitas que precisam para suportar as avultadas despesas usadas na satisfação das necessidades colectivas (saúde, educação, segurança, defesa nacional, etc.). Assim, quanto mais lucrarem as empresas estrangeiras, mais dinheiro mandam para os cofres do Estado. Além disso, o investimento estrangeiro cria muitos empregos aos nacionais do país onde investem. Assim, muitos empregos põem muita gente a ganhar dinheiro. Quanto mais os cidadãos ganharem, mais dinheiro mandam para os cofres do Estado.

Se reparares, os empregados e funcionários angolanos mandam todos os meses uma boa parte dos seus salários para os cofres do Estado. Como? Através do IRT (Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho). As alfândegas estão a facturar milhões. Há imensas receitas do petróleo e diamantes. Enfim, o Governo angolano tem muitas fontes de receitas. Há muito dinheiro a entrar para os cofres do Estado.

Mas nunca irás beneficiar desses fabulosos lucros. Porque somos um país altamente desorganizado e porque os grandes de Angola insistem em apropriar-se do dinheiro público e a canalizarem os lucros das nossas riquezas em investimentos privados. E com um modelo de Estado inoperante, com uma gestão governativa ineficaz e com uma administração altamente corrupta não é possível haver crescimento económico e bem-estar social.

É que o crescimento económico e o investimento estrangeiro devem andar de mãos dadas com desenvolvimento humano sustentado e só são úteis e eficazes nos países sérios e organizados. Porque significam que há muita gente a enriquecer, há muitas pessoas que passam a ter um grande poder de compra. Assim, quanto mais rendimentos e poder de compra as pessoas tiverem, mais impostos irão pagar. Quanto mais impostos pagarem, mais receitas irão para os cofres do estado.

Quanto mais dinheiro o Estado tiver, mais capacitado estará em investir nas pessoas e nas infra-estruturas do país. Enfim, os governantes dos países sérios e organizados irão usar esse dinheiro na criação de condições que contribuam para que os seus cidadãos possam ter boa vida (Economia e Finanças); viver mais tempo (Saúde e Nutrição); aumentar os seus conhecimentos (Educação e Cultura); participar activamente na vida das sua comunidade (Democracia) e usufruir da segurança das suas pessoas e dos seus bens (Paz, Ordem e Justiça).

Com este laborioso e eficaz trabalho do Governo e de outras instituições do Estado, os cidadãos terão maior acesso ao ensino de qualidade e a uma melhor formação técnico-profissional; terão serviços de saúde de alta qualidade e melhor assistência médica e medicamentosa; terão mais e melhores empregos; mais e melhores vilas e cidades; mais e melhores redes de transportes, bons portos, caminhos-de-ferro e aeroportos; terão mais e melhores redes de saneamento e de abastecimento de água, luz, gás e energia; mais e melhores escolas, hospitais, bibliotecas, teatros, cinemas, infra-estruturas de lazer e desporto, etc., etc.

Tudo isso irá aumentar o crescimento económico do país, trará maior riqueza à nação e fará com que haja mais gente com grandes rendimentos e óptima qualidade de vida. E assim, o ciclo da relação entre crescimento económico e desenvolvimento humano sustentado irá continuar. Isto porque, quanto maior for o número de pessoas com boa vida e com grandes rendimentos, maior será o número de cidadãos a pagarem impostos.Quanto mais impostos as pessoas pagarem, mais dinheiro entrará para os cofres do Estado.

Quanto mais dinheiro o Estado tiver, mais capacitado estará para melhorar de forma significativa e extraordinária as condições que contribuam para o elevado bem-estar físico e espiritual de todos os seus cidadãos...

José Maria Huambo