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domingo, 26 de fevereiro de 2006

A cólera é uma doença de fórum político

A FpD divulgou via e-mail a notícia de que amanhã irá visitar a Boavista - o bairro da nossa cidade caos - onde a cólera matou angolanas e angolanos neste início de 2006.

É muito bom que a FpD vá à Boavista estar com as angolanas e angolanos que aí residem e que, como sabemos, integram a grande maioria da população mais pobre do nosso país. Essa comunidade vive em condições que contrastam de modo extremo como bairro vizinho do Miramar onde vive boa parte dos angolanos mais abastados. Angolanos daqueles que de facto beneficiam dos bens e dos serviços desta terra que é o 2º pior lugar do mundo para se nascer.

A cólera é doença de pobre. Pode mas até agora nunca ouvi falar de rico infectado pelo macabro vibrião colérico. Cólera de rico que conheço é só mesmo aquela cólera autoritária com que se assanha contra o pobre. Cólera é doença de quem não é servido pela rede de adução de água para consumo humano, nem pelos serviços de saneamento básico de forma sistemática e suficiente. A gente que vive na Boavista é gente que além da carência em água e saneamento nem acesso à legalidade da posse dos seus espaços e à possibilidade de desenvolvimento tem tido.

É gente sacrificada ali mesmo de baixo do nariz da tal classe média que pretende ser a locomotiva do nosso desenvolvimento mas que ainda não entendeu que o egoísmo não lhe vai deixar chegar a esse "status". Os dois vizinhos são tão próximos que se podem observar à vista desarmada mas a gente rica do Miramar, lá em cima, está em termos de bem-estar a milhares de milhas de distancia da pobreza dos boavistenses lá em baixo. Tanta dessa a gente da tal de classe média angolana em formação, [os novos ricos que "ganhamos" na lotaria da nossa desgraça], assim como os representantes da comunidade internacional residentes no Miramar, em muitos casos, são servidos por cidadãs e cidadãos que vivem na Boavista. Gente que lhes lava a roupa, limpa as casa e os quintais, lhes mantém os jardins, dá de comer aos seus cães de raça e que em alguns casos até trata com carinho dos filhos desses patrões que a vizinhança lhes colocou à mão de semear.

Em cima estão os com tudo e na situação de tudo bem, em baixo os com quase nada e na situação de tudo mal. Os pobres estão fisicamente à distancia duma pedrada arremessada à mão mas, durante todos estes anos, nenhum dos do lado tudo bem se lembrou de arremessar um programa que melhora-se as condições sanitárias do meio onde vivem os vizinhos no tudo mal. Nem mesmo já só para impedirem o aparecimento de doenças que, dada a proximidade, os pode vitimar também. Muito provavelmente vão continuar o programa de correr com o pobre dali para os "cascos-da-rolha" ao invés de com ele elaborarem e implementarem um programa de desenvolvimento que melhore o meio e gere bem-estar para todos. Irão seguramente para algum depósito de pobreza algures na periferia do horizonte da cidade, pois os ricos e poderosos querem-nos longe das vistas, do nariz e do resto.

A cólera é uma doença dos pobres de países mergulhados na pobreza. Isso mesmo quando no meio da maior pobreza há riqueza e gente riquíssima. A cólera é ela mesma um indicador de pobreza generalizada. Por isso ela adquire também fóruns de doença política. É uma doença resultante de políticas predadoras ou da não existência de políticas de gestão da coisa pública e da cidade, ou seja políticas (não ter política é uma política) fundadas no demissionismo dos órgãos da Administração do Estado, na exclusão que engendra a situação de deserdados em que vive a maioria das cidadãs e cidadãos angolanos.

É necessário e urgente que os problemas dos deserdados da nossa terra sejam colocados no centro do político para que se tornem determinantes da agenda nacional e assim possam vir a ter as soluções que exigem com urgência. Afinal o Estado - a sociedade política - funda-se na existência da sociedade de que é pressuposto ser a concretização da respectiva vontade geral. Sociedade cuja parte maioritária são as pessoas das "boasvistas" todas da Angola marginal, a tal da outra Angola desde sempre e ainda hoje dominada e por isso carente da libertação social.

Num país onde a capacidade de auto protecção das pessoas é quase nula o demissionismo dos governantes, sobretudo no domínio da saúde pública, tendo como consequência a morte precoce de cidadãs e cidadãos é, e deve ser tido e tratado, como crime grave contra a humanidade. E quem comete crimes contra a humanidade, sejam de que índoles forem, tem que ser impedido de ser governo de quem quer que seja em qualquer país do mundo.

Por tudo isso é bom que a FpD vá amanhã à Boavista, a vizinha degradada do bairro fino do Miramar. Espero que depois, sistematicamente, vá a todas as "boasvistas" da nossa cidade e do país, de preferência antes da ocorrência de desgraças, para ajudar as comunidades a prevenirem-se. Os outros partidos da oposição devem todos fazer o mesmo. O da situação também. Faço votos para que assim se concretize o encontro entre os homens dos partidos políticos e a população mais pobre e deserdada da nossa terra porque é urgente que o Estado deixe de ser o vassalo exclusivo dos ricos que dele se servem e passe a ser o servidor de todos, em particular daqueles que são os mais carentes de entre nós. Por tudo isso bem-haja o gesto que a FpD anuncia.


por Luís Araújo

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