
Que tenha definitivamente terminado para ti, querida Angola, o tempo do teu desamparo! Queridos angolanos! Congratulo-me convosco pela estrada que corajosamente iniciastes. Refiro-me a consolidação de Angola como um Estado de direito, assente nos valores e nos princípios da vida, da justiça social e do respeito mútuo (visita a Angola 1992). Mas Ninguém se iluda de que a simples ausência de guerra, apesar de tão desejada, seja sinónimo de paz duradoura. Não há paz verdadeira, sem equidade, verdade, justiça e solidariedade. Está destinado à falência qualquer projecto que deixe separados dois direitos indivisíveis: o direito à paz e o direito a um progresso integral e solidário. As injustiças, as excessivas desigualdades de ordem económica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens, são uma constante ameaça à paz e provocam as guerras. Tudo o que se faz para combater estas desordens, contribui para edificar a paz e evitar a guerra (mens. de Paz de 2000). Assim, para restaurar a Paz há que repor a justiça da verdade, a justiça da igualdade social, a justiça da solidariedade fraterna (visita a Angola, 1992).
Para servir a Paz é preciso respeitar a liberdade. Nunca haverá verdadeira liberdade, fundamento da paz, quando todos os poderes estiverem concentrados nas mãos duma só classe social, ou duma só raça, ou dum só grupo, ou quando o bem comum for confundido com os interesses dum só partido que se identifique com o Estado. E não haverá verdadeira liberdade quando as liberdades dos indivíduos se acharem absorvidas por uma colectividade. A liberdade constitui a medida da maturidade do homem e da nação (mensagem de Paz de 1981).
Se quereis a Paz, respeitai a liberdade de consciência de cada homem. Nenhuma autoridade humana tem o direito de intervir na consciência seja de quem for. Isto implica, por sua vez, que todos devem respeitar a consciência de cada um e não procurar impor a ninguém a própria «verdade», permanecendo íntegro o direito de a professar, sem que, por isso, seja desprezado quem pensa de outro modo. Em suma, é ao nível da consciência que se pode encontrar a mais eficaz solução do problema de assegurar uma paz sólida e duradoura. Uma séria ameaça à paz se encontra na intolerância, que se manifesta na recusa da liberdade de consciência dos outros. Das diversas conjunturas da história apreendemos dolorosamente os excessos a que ela pode conduzir. A intolerância pode-se insinuar em todos os aspectos da vida social, manifestando-se na marginalização ou opressão das pessoas e minorias, que procuram seguir a própria consciência no que se refere aos seus modos legítimos de viver. Na vida pública, a intolerância não deixa espaço à pluralidade de opções políticas ou sociais, impondo deste modo a todos uma visão uniforme da organização civil e cultural (mens. de Paz de 1991).
Para fortificar a Paz urge recorrer incansavelmente à verdade, que é por excelência a força pacífica e potente da paz, uma vez que ela se comunica pela sua própria irradiação, extravasando para fora de todos os constrangimentos. Se é exacto afirmar, e ninguém duvida disso, que a verdade serve a causa da paz, também é indiscutível que a «não-verdade» anda a «pari passu» com a causa da violência e da guerra. Por «não-verdade» é preciso entender aqui todas as formas e todos os níveis de ausência, de recusa e de desprezo da verdade: mentira propriamente dita, informação parcial e deformada, propaganda sectária, manipulação dos meios de comunicação e outras ainda, por exemplo, da prática que consiste em impor àqueles que não compartilham as mesmas posições a fim de mais facilmente os atacar e os reduzir ao silêncio a etiqueta de inimigos, atribuindo-lhes intenções hostis e estigmatizando-os como agressores, mediante uma propaganda hábil e constante: eis o desprezo da verdade, posto em acção, a fim de desenvolver um clima de incerteza, no qual se pretende constranger as pessoas, os grupos, as próprias instâncias internacionais a silêncios resignados e cúmplices, a compromissos parciais e a reacções não razoáveis; todas estas atitudes são igualmente susceptíveis de favorecerem o jogo perigoso da violência e de atacarem a causa da paz (mens. de Paz de 1980).
Em nome do afecto que tenho por cada um de vós, peço-vos firmemente que procureis o diálogo (visita a Angola, 1992). Julgo ser útil, pois, recordar aqui as qualidades de um verdadeiro diálogo. Elas têm aplicação em primeiro lugar no diálogo entre pessoas; mas eu penso também e sobretudo no diálogo entre grupos sociais, entre forças políticas numa Nação. E hão de verificar-se também no diálogo entre os vastos agrupamentos humanos que se distinguem e se enfrentam no plano étnico, cultural, ideológico ou religioso. O diálogo exige a abertura para o acolhimento: que cada uma das partes exponha os próprios dados, mas que também ouça a exposição da situação como a outra parte a apresenta e sente sinceramente, com os verdadeiros problemas que lhe são peculiares, os seus direitos, as injustiças de que tem consciência e as soluções razoáveis que propõe. Neste sentido, o diálogo é fazer de outrem um próximo; é aceitar a sua contribuição; é partilhar com ele a responsabilidade perante a verdade e a justiça (mens. de Paz de 1983).
A justiça anda em relação permanente e dinâmica com a paz. Justiça e paz têm em vista o bem de cada um e de todos, pelo que exigem ordem e verdade. Quando uma é ameaçada, vacilam as duas; quando se ofende a justiça, põe-se em perigo também a paz. Justiça e paz não são conceitos abstractos nem ideais inacessíveis; são valores inseridos no coração de cada pessoa, como património comum. Indivíduos, famílias, comunidades, nações, todos são chamados a viver na justiça e a trabalhar pela paz. Ninguém pode eximir-se desta responsabilidade. Posto ao serviço dos cidadãos, o Estado é o gestor dos bens do povo, que deve administrar tendo em vista o bem comum. O bom governo requer o controle pontual e a plena legalidade em todas as transacções económicas e financeiras. Não se pode permitir de maneira alguma que os recursos destinados ao bem público sirvam para outros interesses de carácter privado ou mesmo criminoso. O uso fraudulento do dinheiro público penaliza sobretudo os pobres, que são os primeiros a sofrerem a privação dos serviços básicos indispensáveis para o desenvolvimento da pessoa. Quando, depois, a corrupção se infiltra na administração da justiça, são ainda os pobres quem mais duramente suporta as consequências: atrasos, ineficácia, carências estruturais, falta duma defesa adequada. E tantas vezes não lhes resta outro caminho senão sofrer a prepotência (mens. de Paz de 1998).
Todas as pessoas têm o direito de buscar e de alcançar o que é bom e verdadeiro. Todas têm o direito de escolher aqueles bens que elevam a vida. Aquilo que é verdadeiro quanto ao desenvolvimento das pessoas individuais, mediante uma selecção de valores que elevam a vida, aplica-se também ao desenvolvimento da sociedade. Tudo aquilo que impede a autêntica liberdade vai contra o desenvolvimento da sociedade e das instituições sociais. A exploração, as ameaças, a sujeição forçada, a recusa por parte de um sector da sociedade a dar a outros oportunidades, são coisas inaceitáveis e contradizem a própria noção de solidariedade humana. Recusar os meios para alcançar o pleno desenvolvimento a um sector de determinada sociedade, ou então a uma inteira nação, só poderá levar à insegurança e à agitação social. Isso fomenta o ódio e a divisão e destrói as esperanças de paz (mens. de Paz de 1987).
Como referiu o Papa Paulo VI, «a Paz que põe termo a um conflito é habitualmente uma imposição, um acto de prepotência e um jugo, a que a parte mais fraca e que sucumbe se vê forçada a submeter-se; mas, isso não passa, muitas vezes, de um adiar a desforra que virá mais tarde e de uma aceitação do estatuto protocolar, que serve a disfarçar a hipocrisia de corações que continuam a ser inimigos. Nesta Paz, muito frequentemente fictícia e instável, falta a solução completa do conflito; quer dizer, falta o perdão, falta a renúncia do vencedor às vantagens alcançadas, vantagens que humilham e tornam o vencido inevitavelmente infeliz; por outro lado, falta também ao vencido a força de ânimo para a reconciliação. Paz sem clemência, como se pode chamar Paz ? Paz cheia de espirito de vingança, como pode ela ser verdadeira? De um e de outro lado é necessário o apelar para aquela justiça superior que é o perdão: é este, efectivamente, que reduz a nada as questões insolúveis de prestígio e torna possível outra vez a amizade» (mens. de paz de 1970). Então oferecei o perdão e recebereis a paz. É tempo de nos decidirmos a empreender, juntos e de ânimo firme, uma verdadeira peregrinação de paz, cada qual a partir da situação concreta em que se encontra. As dificuldades são, por vezes, demasiado grandes: a proveniência étnica, a língua, a cultura, a crença religiosa constituem frequentemente uma série de obstáculos. Caminhar juntos, quando sobre os ombros pesam experiências traumatizantes ou mesmo divisões seculares, não é empresa fácil. Surge então a pergunta: Que estrada seguir? Que ponto de orientação tomar? São muitos, certamente, os factores que podem influir favoravelmente no restabelecimento da paz, salvaguardando os imperativos da justiça e da dignidade humana. Mas nenhum processo de paz poderá jamais ter início, se não maturar nos homens uma atitude de sincero perdão. Sem este, as feridas continuam a sangrar, alimentando ao longo de sucessivas gerações um rancor sem fim, que é fonte de vingança e causa de sempre mais ruínas. O perdão oferecido e aceite é a premissa indispensável para caminhar rumo a uma paz autêntica e estável (mens. de Paz de 1997).
O vosso país está a viver momentos cruciais para a recta definição do seu futuro. Que ninguém desanime perante as inevitáveis dificuldades. O Senhor há de ajudar-vos a realizar a reconstrução das consciências e da fraternidade social. Que Deus abençoe o presente e o futuro desta querida Nação (visita a Angola, 1992).
José Maria Huambo