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sexta-feira, 21 de julho de 2006

Cabinda é mais Angola do que o Cunene!

Tenho acompanhado, com interesse, o esgrimir de cerradas posições em torno da chamada «questão de Cabinda». Do emaranhado de teses, conceitos e preconceitos que constituem o mais mediatizado dos problemas angolanos, ressaltam duas posições que reprovo com veemência: A contraditória e belicosa posição dos «unitaristas» e as teses radicais dos «independetistas». Os «unitaristas» propalam, nos areópagos nacionais e internacionais, que Angola está definitivamente em paz desde 4 de Abril de 2002. Mas concentraram no Enclave angolano uma poderosa máquina de guerra, espionagem e repressão para combater «os bandos organizados que espalham o terror entre a população indefesa» e «preservar a integridade territorial». Ora, se o nosso país é unitário «de Cabinda ao Cunene» porque é que há paz em Angola e acções militares em Cabinda? Dos «independentistas» reprovo o radicalismo da linguagem que adoptaram para alcançar os seus objectivos. Acho desproporcionadas e nem fazem sentido expressões como «Cabinda nunca foi Angola»; «Angola invadiu Cabinda»; «exigimos a retirada incondicional das tropas ocupacionais»; «os angolanos estão a torturar os cabindas», etc., etc.

É minha profunda convicção de que as reprováveis condutas dos «unitaristas» e dos «independentistas» advêm do facto de Cabinda estar separada das demais regiões que compõem Angola. E mais do que perturbar os espíritos dos directos opositores, este facto histórico tem gerado uma estranha e incompreensível resignação da opinião pública nacional. Assim, cada vez que olhamos para aquele deslocado pedaço de terra, pensamos: «é melhor o Governo dar-lhes só a tal independência! Eles não têm mesmo nada a ver connosco».

Pode até parecer uma escandalosa afirmação, mas Cabinda é e sempre foi, geográfica e culturalmente, mais Angola do que, por exemplo, o Cunene, as Lundas, o Moxico ou o Kuando-Kubango. Devido à grande influência que a descontinuidade territorial de Cabinda exerce nos espíritos de todos nós, é natural que seja muito difícil aceitar, de ânimo leve, esta quase «blasfémia». E para melhor esclarecê-la, vamos partir de duas perguntas: O que é Angola? E porquê que Cabinda está separada do resto do território?

1. O que é Angola? É nesta pergunta que as palavras do venerando Arcebispo D. Eduardo André Muaca (1924-2000), uma das mais reputadas figuras da história de Angola e ilustre filho de Cabinda, servem de precioso auxílio. Segundo aquele que foi o primeiro Bispo negro da moderna África portuguesa, “Angola nunca teve, desde o princípio da colonização portuguesa, a extensão actual. Quando chegaram os primeiros portugueses, a palavra Angola (Ngola) abrangia apenas as actuais províncias de Luanda, Bengo, Kuanza-Norte e Malange. A medida que os portugueses iam conquistando ou anexando novas regiões, a palavra Angola também foi aumentando de extensão e sentido”.

Esta é a grande verdade sobre a nossa história comum e que os partidários da «independência», por ignorância ou por má-fé, teimam em abafar. Inspirados pela singularidade geográfica da sua região, eles têm agido como se os habitantes do maior pedaço do território fossem todos iguais e eles os únicos dotados de identidade própria. Puro engano. Todos os povos que viriam a ser agregados sob a administração portuguesa tinham uma sólida e exacta noção das delimitações do seus territórios e sempre defenderam os seus punhados de terra quer contra as invasões dos povos vizinhos quer contra a invasão do colonizador. Exceptuando as regiões da Ngola, Benguela e Cabinda, todos os territórios independentes que viriam a formar as regiões de Angola foram submetidos ao «Protectorado Português» por força de longos e duros combates.

E diga-se que Portugal levou séculos a unificar os povos dos vastos territórios independentes. Segundo o prof. Custódio Gonçalves “até 1914, a administração colonial foi bem instalada nas duas cidades do litoral: Luanda e Benguela; mas no interior a sua acção reduziu-se geralmente a uma política nominal dependendo de alianças frágeis e ambíguas com os chefes locais. Refira-se que até 1914 o país ovambo, no sul, era independente; a leste, na Lunda, as terras tshokwe só foram ocupadas em 1920; a norte, entre os bakongos, a oposição demorou até 1919, enquanto que os Dembos só foram pacificados em 1918”.

É por tudo isto que ousei afirmar que a região dos cabindas é e sempre foi, geográfica e culturalmente, mais Angola do que, por exemplo, a região dos ovambos, vulgos cuanhamas. E invocar, levianamente, «Simulambuco» para reafirmar o ancestral sentido de emancipação dos cabindas não é de todo aceitável. Sim. Quem teve mais sentido de independência: os chefes cabindas que se «entregaram» voluntariamente ou os líderes cuanhamas que se opuseram ferozmente à presença portuguesa e defenderam os seus territórios com unhas e dentes?

Julgo muito infeliz a afirmação de um ilustre independentista segundo a qual o facto de nunca se ter sentido angolano lhe dava forças para continuar a luta pela independência. Que seria de nós se só fossem angolanos aqueles que de facto se sentissem como tais? É que os autóctones agrupados por Portugal num mesmo espaço territorial nunca formaram uma nação unificada como os colonizadores e o 11 de Novembro de 1975 não foi capaz de construir a identidade nacional. Por exemplo: o Dr. Paulo Carvalho conta, numa das suas obras, que o Dr. Américo Kwononoca, no âmbito de um estudo sociológico, pediu ao Soba dos Mungabwes (região da Huila) para representar o território angolano. Eis a resposta do soba: «o meu país, Angola, começa na Comuna do Jau e termina no Município dos Gambos». Alguém se lembrou de perguntar aos habitantes do Mbanza Congo, das Lundas ou do Kuando-Kubango se, depois da retirada dos portugueses, queriam ser angolanos? Será que as populações daquela área do Moxico que «invade» o território zambiano se identificam com Angola? Será que o mumuila da Humpata e o mucubal da Bibala se sentem de facto angolanos? Precisamos de ter mais cuidado. Porque as questões da angolanidade e da identidade nacional são muito complexas.

2. Porquê que Cabinda está separada do resto do território? Antes de mais, convém referir que o fenómeno da descontinuidade territorial não é um facto exclusivo de Angola. Por exemplo, todos os territórios das potências coloniais eram descontínuos e o território de Cabo Verde é composto por 9 ilhas separadas entre si. Muito antes de 1885, a presença portuguesa já se fazia sentir nas concorridas regiões situadas a norte do rio Zaire. Mas a «corrida a África» e os conflitos daí resultantes impuseram, às potências coloniais, novas regras de domínios territoriais. Por exemplo: nas disputas pela posse dos concorridos territórios, Portugal reclamava primazia por causa do seu papel nos descobrimentos e pelos velhos laços que mantinha com os chefes nativos. Em contrapartida, as outras potências exigiam uma ocupação clara e efectiva dos territórios reclamados. O debate prolongou-se durante e depois da célebre Conferência realizada em Berlim, entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885. É neste contexto que surge o tão famigerado «Tratado de Simulambuco».

O documento que tem empolgado os «independentistas» constituiu a fórmula encontrada pela diplomacia portuguesa para fazer vincar os seus argumentos. Assim, o monumento de Simulambuco, entre outros actos simbólicos, serviu de prova inequívoca da exigida ocupação efectiva e o documento escrito valeu como sustentáculo do argumento segundo o qual os chefes dos territórios reclamados eram, há muito, súbditos da coroa portuguesa. Aliás, o extracto da petição dos chefes cabindas que consta do Tratado é claro: «num tratado pelo qual fiquemos sob o protectorado de Portugal, tornando-nos, de facto, súbditos da coroa portuguesa como já o éramos por hábitos e relações de amizade».

Mas, apesar de ter usado o «Tratado de Simulambuco» como importante trunfo nas disputas pela posse das terras situados acima do rio Zaire, Portugal teve de ceder alguns territórios. E o Enclave de Cabinda nasceu, exactamente, dos sucessivos acordos de delimitação das fronteiras que Portugal celebrou com o «Estado livre do Congo», a Inglaterra, a França e a Bélgica, entre 1846 e 1901.

E se olharmos bem para qualquer mapa de África veremos o porquê de Cabinda se ter tornado numa região geograficamente descontínua: É que aquele espaço entre o Enclave e o resto do território constitui a única saída para o Oceano Atlântico que o então Congo Belga, ex- Zaire e actual R. D. do Congo possui. Portugal, que já dominava uma vasta região costeira, teve de ceder ao «Estado livre do Congo» e posteriormente à Bélgica aquele espaço vital que separou Cabinda das demais regiões que compõem Angola.

José Maria Huambo


5 comentários:

Dinamene disse...

Apreciei o vosso blogue, espero que seja para continuar. É preciso. E fiz-vos um linque com chamada de primeira página em http://espacotempo.wordpress.com/
Abraços.

Orlando Castro disse...

Respeitando e aceitando todas as opiniões, recordo que em termos históricos, que Portugal parece teimar em esquecer, Cabinda estava sob a «protecção colonial», à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, a integração em Angola.
Relembro que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.
Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.

Grato

Unknown disse...

Mais nada!!!
Não se trata da questão de Cabinda como quem dá uma tranca!
Há que posicionar a "coisa" em termos históricos, políticos e tribais.

Anónimo disse...

Meu caro, não consigo descortinar na sua argumentação qualquer tipo de suporte para o que defende. Mesmo porque, o facto de Cabinda, Luanda e Benguela terem tido comportamentos diferentes em relação a outros e iguais entre si, não os torna iguais. Cada região sempre defendeu a sua independência. Dizer que Cabinda é Angola, é não conhecer os povos. Depois esconder a "verdade" de simulambuco é revelar a "mentira" que tantas vezes dita se tornou verdade.

Fiote

Anónimo disse...

Eu penso que Cabinda tem donos , Desde Mangovo Tomé ,Maria Martins e outros sao os dono de Cabinda e do Mpla Fazem o que querem e ninguém diz nada assim a história vai repetindo . Mais tudo tem o seu tempo determinado.