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terça-feira, 8 de maio de 2007

«Catingueiros» Perfumados!

A Paz é um dos mais preciosos perfumes da humanidade. E o tempo que corre oferece-nos a rara oportunidade de consolidarmos os benefícios de tão agradável fragrância. Acontece que os quase 30 anos de guerra deixaram-nos imundos e mal cheirosos. E para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, era importante implementarmos uma mega operação de limpeza e purificação colectiva a fim de banirmos do nosso seio os erros que originaram a devastação e estagnação da nossa amada Pátria e eliminarmos os vícios que exploram e manipulam as nossas naturais diferenças e obstam a convivência fraterna entre todos os angolanos.

Só que nada disso tem acontecido. Continuamos a falar da «consolidação da Paz» como se fosse algo realizável com um condão mágico e sem muito esforço. Insistimos em consolidar a Paz sob os alicerces da velha estrutura onde ainda imperam o abuso de poder, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, a degradação dos valores, etc.

Os obscuros interesses partidários e as ideologias do regime dominante continuam a ter primazia. O povo continua a ser usado, instrumentalizado e desprezado. Os direitos fundamentais dos angolanos continuam a ser desrespeitados. Continuamos a fomentar os elitismos sociais e políticos e a cor da pele continua a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade.

Continuam intactos e muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de partidarização da sociedade, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Continuam, também, intactos e muito bem oleados os poderosos mecanismos moldados para manterem a grande massa de angolanos completamente à margem dos inúmeros lucros das riquezas nacionais. Por isso, os consolidadores da Paz e promotores da Reconciliação continuam, descaradamente, a usar em proveito próprio os abundantes lucros das riquezas de Angola e teimam em não aplicar as astronómicas quantias monetárias em projectos socio-económicos que visem melhorar as condições de vida dos cidadãos.

Insistimos em promover a absoluta hegemonia de Luanda e teimamos em manter o velho modelo de Estado hegemónico, politizado e concentrado como instrumento ideal de estabilização do país e de manutenção da unidade nacional, apesar da nossa história recente já nos ter provado, de forma trágica e dolorosa, que este velho modelo constitui um erro político de graves repercussões e um claro atentado a tão desejada integridade territorial.

Persistimos em manter o velho aparelho de administração, herdado do colonialismo, altamente centralizado e profundamente corrupto como instrumento fundamental da ingente tarefa de reconstrução nacional e como o único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola, apesar de já estar mais do que provado que a velha estrutura de gestão administrativa é absolutamente incapaz de funcionar como instrumento fundamental de promoção do desenvolvimento económico, social e cultural de todo o país, não serve de atenuante das naturais rivalidades derivadas das complexidades socioculturais do país, nem de instrumento de correcção das desigualdades regionais e pessoais.

No plano moral continuamos a fomentar a profanação dos sagrados valores e a sacralização dos profanos vícios. Por causa dessas reprováveis atitudes, a honestidade, a rectidão de carácter, o civismo, o sentido de responsabilidade e os bons costumes continuam a figurar na vergonhosa lista dos desprezíveis valores. Por isso, entre nós, continuam a imperar o culto da fraude, da violência, da impunidade, da desonestidade, da promiscuidade e de outras vergonhosas imoralidades.

Portanto, continuamos imundos e mal cheirosos. E por todo este triste cenário, torna-se um total desperdício derramar-se o precioso perfume da Paz sobre uma comunidade que continua a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de misérias, de preconceitos, de imoralidades e de violência. E, como sabemos, não há nada mais incómodo e perturbador do que a explosiva mistura de perfume e suor malcheiroso.

Diz-nos o Profeta: “Lavai-vos e purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal” (ISAÍAS 1, 16). Assim, para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, precisamos de ter a coragem de despirmo-nos dos antigos preconceitos, dos velhos comportamentos e das longas rivalidades. Importa mergulharmos, com humildade, na grande banheira da reconciliação. Urge, tomarmos, sem demoras, um bom banho de profunda conversão das mentalidades, das maneiras de pensar o País, de viver a angolanidade e de estar e conviver com os outros. E só com esta colectiva atitude estaremos em condições de eliminar esse suor malcheiroso que nos envergonha, prejudica e nos torna impuros aos olhos de Deus, dos compatriotas e das nações.

E uma vez que o forte odor da «catinga» tem a grande capacidade de desvirtuar a qualidade do melhor perfume, este processo de colectiva eliminação da sujidade acumulada durante estes longos e dolorosos anos de guerra, terá de ser contínuo e requererá muito esforço e uma incansável dedicação. Porque, como escreveu o Papa Paulo VI, “as paixões humanas não se extinguem. O egoísmo é uma erva daninha que não se consegue arrancar completamente da psicologia do homem”. Por isso, a vitória sobre o mau odor que infesta a nossa problemática sociedade exigirá de nós um esforço diário e colectivo. Diário, porque tal como quem cheira mal deve esforçar-se por tomar banho todos os dias, assim também cada um de nós deverá esforçar-se diariamente por combater os maus hábitos e os comportamentos nocivos fortemente enraizados no seio da nossa comunidade. Colectivo, porque o aroma agradável dos poucos que se empenharem, seriamente, na consolidação da Paz perderá o seu precioso valor, enquanto muitos ainda continuarem a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de preconceitos, de imoralidades e de violência.

José Maria Huambo

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