Não iremos longe, enquanto os membros do núcleo duro do MPLA, que alegam estar em condições de, finalmente, colocarem Angola na merecida rota do desenvolvimento, teimarem em governar o País mergulhados numa permanente indefinição ideológica, numa constante incoerência de valores e numa interminável contradição com as causas que dizem defender.
E é em consequência dessa perturbação colectiva que o poderoso grupo insiste em impor, como instrumento ideal de estabilização do País e como único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola, um complexo sistema de gestão governativa e de administração pública, caracterizado por uma confusa miscelânea de correntes ideológicas e de várias formas de estados e de governos. A este propósito, Alfredo Margarido, professor de história de África, observa o seguinte: “Os angolanos viveram com três ou quatro modelos constantes: o modelo argelino, porque uma parte do aparelho político esteve exilado na Argélia e aprendeu na Argélia todas as regras do partido único, centralizador, unitário e imperativo; o modelo cubano, salvo lhes faltava o Fidel Castro; o modelo chinês, visto que Mao Tsé Tung exerceu uma certa influência; e, finalmente, o modelo soviético. Essa confusão levou a exacerbação terrível, que ainda não desapareceu”.
O poderoso e omnipresente sistema não é, oficialmente, um regime de Ditadura autocrática. Isto porque, os seus engenhosos arquitectos fizeram vigorar uma Constituição onde estão consagrados os direitos, as liberdades e as garantias dos angolanos (temos, até, um Provedor de Justiça ao qual os cidadãos podem apresentar queixas contra os abusos dos poderes públicos). Dotaram a nossa comunidade política de uma aparente hierarquia de normas jurídicas que asseguram um controlo das autoridades públicas por órgãos e juízes «independentes». Preconizaram a designação dos governantes através de eleições regulares. Instituíram o multipartidarismo (somos um dos países com mais partidos políticos) e constituíram um representativo Parlamento com amplos poderes e privilégios.
Mas não se pode dizer que o sistema que nos quer tirar do subdesenvolvimento seja um verdadeiro regime Democrático. Isto porque, os valores e os princípios da Democracia são frequentemente atropelados. O Governo, ferreamente chefiado pelo Presidente da República, detém um controlo absoluto sobre os outros órgãos de soberania. Exceptuando os deputados, todos os restantes dirigentes ascendem aos respectivos cargos por nomeação ou aprovação do Presidente. O Chefe Supremo está, assim, revestido de um poder absoluto e acima de qualquer exame ou controlo por parte de outro órgão, seja ele judicial, legislativo ou eleitoral. Continuam a confundir o Partido com o Estado e subsiste a ditadura de Partido único na gestão da «Coisa Pública» e na condução dos destinos do País. Os governantes continuam acima da lei, nunca explicam aos angolanos os seus actos e as suas decisões e persistem no bloqueio à participação política. Defendem a pluralidade partidária, mas o seu Partido continua único e singular. Consagram na Constituição a liberdade de pensamento e de expressão, mas os dogmas e as teses oficiais são as únicas expressões de liberdade. E para zelar pelos supremos interesses do «Estado» e para salvaguardar a ordem «democrática», eles mantêm operante uma poderosa máquina de desinformação, intimidação, espionagem, patrulhamento e repressão.
O sistema não é, oficialmente, uma Monarquia. Porque os integrantes do regime dominante definem-se como convictos republicanos. Afirmam terem feito de Angola uma República independente e soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular. Garantem que, entre nós, a soberania reside no Povo angolano que a exerce segundo as normas previstas na Constituição. Asseguram que a terra é de todos nós e todos os angolanos devem usufruir dos fabulosos lucros das riquezas do País.
Contudo, o poderoso sistema só é formal e constitucionalmente uma República. Porque na prática os nossos «republicanos» governam como na Monarquia absolutista e agem e vivem como autênticos monárquicos. Assim, todo o poder do Estado pertence, exclusiva e eternamente, ao «Rei» (Presidente) e não pode ser partilhado com mais ninguém. O «Supremo Monarca», os seus herdeiros e a «Rainha oficial» vivem e agem como se Angola fosse uma propriedade familiar. A «elite» do regime é uma espécie de «fina aristocracia», cujos membros vivem e agem como autênticos nobres, gozando de protecção especial do «Rei», beneficiando de um estatuto jurídico privilegiado e de uma ofuscante proeminência social. Aos «nobres» (distintos membros do Partido e do Exército) pertencem grande parte dos feudos políticos e económicos, recebidos do «Supremo Monarca» como prémio das suas conquistas político-militares e da cega lealdade ao «Rei». Por isso, gozam de um eterno direito de precedência generalizada e de inesgotáveis privilégios económicos, fiscais, jurídicos e de jurisdição. Monopolizam «até que a morte os separe» os títulos nobiliários (há mais de 20 anos que alguns exercem, de forma incólume e intangível os concorridos cargos de ministros, governadores, directores e chefes). Agem como se fossem os únicos iluminados do «Reino» e consideram-se intangíveis por qualquer força humana.
Os membros do poderoso regime que, agora, nos quer tirar do subdesenvolvimento não são, propriamente, capitalistas. Isto porque, durante longos e dolorosos anos, não se cansaram de exibir uma temível versão angolana de estalinismo e de marxismo-leninismo. Pelo triunfo do Socialismo científico, guerrearam a «pequena burguesia» que fomentava a miséria entre os angolanos e explorava a classe operária e camponesa. Pela consagração do Comunismo, mantiveram um duro combate ao Imperialismo Norte-americano. E, até há bem pouco tempo, os seus gabinetes estavam religiosamente decorados com ícones de Lenine, Marx e Engels e consideravam um hediondo crime económico tocar em dólares americanos e apropriar-se das riquezas do heróico Povo angolano.
Mas os poderosos camaradas já não vivem como comunistas autênticos nem agem como socialistas científicos. Porque, na sequência da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra-fria, o poderoso grupo protagonizou uma das mais incríveis metamorfoses político-ideológicas, passando, em tempo recorde, de convictos socialistas a poderosos capitalistas. Assim, os que rumavam certinhos em direcção ao socialismo desencadearam uma louca corrida pela privatização e usurpação dos bens do «Povo angolano». Monopolizaram a iniciativa privada e o máximo lucro tornou-se no fim único de todas suas actuações. Enfim, todos se entregaram à ganância ou como sentenciou o Profeta Isaías, tornaram-se “vorazes e insaciáveis (…) Cada qual segue o seu caminho, cada um busca o seu interesse”(ISAÍAS 56, 11). Por isso, vulgarizaram a fraude e a corrupção. Institucionalizaram o peculato, a apropriação de comissões, o compadrio, os orçamentos astronómicos, as compras fantasmas, o tráfico de influências e o suborno generalizado.
José Maria Huambo
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
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1 comentário:
No fim do post refere-se a uma suposta metamorfose dos politicos que passaram de socialistas/comunistas para predadores da coisa publica... pois bem eu discordo!
Não houve metamorfose nenhuma, da propria direcção do MPLA que proclamou a independencia nem todos tinham essa idologia. A posição ideologica era transitoria para obterem ajuda dos Cubanos e Sovieticos. A maioria dos verdadeiros socialistas/comunistas do MPLA desapareceram ou foram afastados a partir do 27 de Maio de 1977. A partir dessa altura começou a ocupação das posições politicas por parte dos actuais predadores... muito mais interessados no seu bem estar que o do povo Angolano.
Aconselho a leitura do livro "Purga em Angola" o livro de Dalila Cabrita Mateus e de Álvaro Mateus. Para melhor percebermos porque razão temos o governo que temos. (Dificil encontrar, vai-se la saber porque)
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