BlogBlogs.Com.Br

terça-feira, 8 de maio de 2007

As 3 Dimensões do Amor à Pátria!

Não iremos longe e dificilmente a nossa amada Pátria entrará na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano, enquanto continuarmos a exibir uma cidadania gravemente inacabada, uma consciência cívica profundamente deficiente e toda a espécie de patriotismos muito mal envernizados. Sim, porque apesar da ruidosa exaltação do nosso tão apregoado amor à Pátria e apesar do nosso tão gabado orgulho angolano, a grande e dolorosa verdade é que não cessamos de fazer tábua rasa aos requisitos de um autêntico patriotismo e aos grandes valores que dignificam a pessoa humana, honram um cidadão e engrandecem um País.

Inspirados pela teoria das 3 dimensões da vida perfeita, abordadas por Martin Luther King no seu livro Força Para Amar, diremos que o verdadeiro amor à Pátria tem 3 dimensões: comprimento, largura e altura.

O comprimento do amor à Pátria, corresponde ao percurso que cada um de nós deve seguir a fim de alcançarmos os nossos objectivos e as nossas ambições pessoais. Esta dimensão corresponde, enfim, à profunda preocupação pelo nosso bem-estar pessoal, pela nossa máxima realização individual e pelo completo desenvolvimento dos nossos talentos e das nossas capacidades.

A largura do amor à Pátria, corresponde à nossa preocupação exterior pelo bem-estar e pelas condições de vida dos outros. Aliás, é nesta dimensão que se exprime o verdadeiro patriotismo. Só poderemos ser bons patriotas e contribuir para o progresso do nosso País quando estivermos em comunhão com os interesses dos compatriotas e preocuparmo-nos, activamente, em saber da sua existência, dos seus problemas, das suas aspirações, das suas alegrias e dos seus sofrimentos. Enfim, como bem disse Luther King, “ninguém pode saber o que é viver sem sair dos limites dos seus próprios interesses para se lançar nos vastos interesses de toda a humanidade (...) Para que a vida seja fecunda e significativa, o nosso interesse pessoal tem de andar ligado ao fraterno interesse pelos outros”.

A altura do amor à Pátria, corresponde à nossa elevação espiritual. Esta dimensão espiritual do verdadeiro patriotismo tem a sua máxima expressão no orgulho resultante da prática dos grandes valores que dignificam a pessoa humana, honram um cidadão e engrandecem um País. Por exemplo: No orgulho de sermos membros de uma comunidade que respeita e protege os nossos inalienáveis direitos. No orgulho de sermos governados por patriotas dispostos a canalizarem os recursos disponíveis e as suas capacidades na solução dos intermináveis problemas do povo e na criação de condições que contribuam para o bem-estar físico e espiritual dos seus compatriotas. No orgulho de pertencermos a uma terra afortunada, a um país organizado e a uma sociedade justa e próspera.

E como nenhuma cidadania pode ser completa e nenhum patriotismo pode ser autêntico sem o desenvolvimento harmonioso dessas 3 dimensões, facilmente se constata que ao longo destes dolorosos anos temos sido maus cidadãos e péssimos patriotas. Porquê?

Porque na maior parte da nossa breve existência como orgulhosos patriotas não temos ido além da primeira dimensão do amor à Pátria, ou seja, vivemos apenas absolutamente concentrados nas nossas ambições e nos nossos interesses pessoais. Assim, o nosso bem-estar tornou-se no único e incansável propósito digno do nosso interesse. Os outros que se arranjem. Apenas eu e a minha família, o nosso futuro, a nossa formação, os nossos estudos, a nossa saúde, a nossa estabilidade financeira, o nosso conforto económico e a nossa boa vida. Por isso, as condições de vida dos outros deixaram de fazer parte das nossas preocupações e pouco nos importa a vergonhosa degradação dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas.

Essa colectiva e institucionalizada incapacidade de sairmos dos nossos interesses privados e das nossas ambições pessoais fornece-nos as razões da vergonhosa inexistência de uma Angola pública e está na origem da estagnação da nossa amada Pátria. Isto porque, durante longos e dolorosos anos, cada um de nós concentrou-se apenas em libertar, reconstruir e desenvolver a sua própria Angola. Assim, cada um de nós delimitou o seu sagrado território. Escolheu os seus cidadãos. Criou o seu próprio sistema de ensino e de educação. Ergueu a sua própria rede de fornecimento de luz eléctrica e de abastecimento de água. Privatizou os órgãos e os mecanismos de Administração Pública. Desenvolveu o seu próprio sistema económico-financeiro e estabeleceu o seu próprio sistema jurídico e penal.

E é sob os desonrosos destroços desta Angola profundamente degradada e vergonhosamente retalhada que, agora, pretendemos proclamar o nosso amor à Pátria, ostentar ao mundo as nossas inúmeras potencialidades e gabar o nosso imenso orgulho em sermos angolanos. Só que amar o País, trazer Angola no coração e ter-se orgulho em ser angolano, são importantes elementos da terceira dimensão do amor à Pátria: a altura. E não nos será possível alcançar a dimensão espiritual do verdadeiro patriotismo, enquanto vivermos apenas concentrados nas nossas ambições e nos nossos interesses pessoais e deixarmos de cultivar, em grande escala, o activo interesse pelas condições de vida dos outros e pelos problemas da nossa comunidade política. É isto que Mahatma Gandhi quis dizer quando, no seu livro Todos os Homens São Meus Irmãos, sentenciou: “Não acredito que um indivíduo possa ganhar espiritualmente enquanto aqueles que o rodeiam sofrem”.

Assim, o nosso suposto amor à Pátria, ainda que seja tão intenso, a ponto de sufocar o nosso coração, deixa de fazer sentido enquanto continuarmos a excluir os outros das benesses da angolanidade por razões políticas, raciais, étnicas, religiosas e socio-económicas. De nada nos vale proclamarmos bem alto perante a África e o mundo o nosso imenso orgulho em sermos angolanos, enquanto permanecermos desumanamente indiferentes à vergonhosa degradação e ao imerecido sofrimento dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e dos compatriotas. De nada nos vale apregoar que somos uma das terras mais ricas deste universo, uma temível potência africana e o País que mais crescerá neste mundo, enquanto cada um de nós continuar a preocupar-se apenas com a sua própria «Angola». E por tudo isso, torna-se doloroso trazer no coração um país degradado e retalhado e amar uma Angola cada vez mais de alguns, onde a pobreza extrema convive lado a lado com a riqueza ostensiva.

Portanto, não iremos longe enquanto continuarmos a exibir uma consciência cívica profundamente deficiente e a ostentar um patriotismo muito mal envernizado. E sem uma profunda conversão das mentalidades, das maneiras de pensar o País, de viver a angolanidade e de estar e conviver com os outros, dificilmente a nossa amada Pátria entrará na rota do crescimento económico e do desenvolvimento humano. Isto porque a Angola que todos dizemos amar e desejamos ver desenvolvida é uma comunidade de pessoas que comungam das mesmas aspirações, das mesmas necessidades e dos mesmos problemas. E todos os filhos de Angola desejam usufruir daqueles bens que elevam a vida!

Por isso, ninguém pode ser bom patriota ignorando as condições de vida dos compatriotas e desligando-se dos problemas da Pátria. Ninguém pode orgulhar-se de ser angolano entrincheirado nas fronteiras da sua «Angola» privada e permanecendo indiferente à degradação das estruturas do País e ao imerecido sofrimento dos outros angolanos. Ninguém pode amar loucamente a Pátria desprezando e excluindo os outros membros dessa mesma Pátria. Enfim, e parafraseando os Bispos Católicos de Angola, não é possível amarmos a Pátria e desprezarmos os nossos compatriotas. Se desprezamos os nossos compatriotas, desprezamos também a nossa Pátria. Se quisermos amar esta, temos de amar também aqueles. Em suma, ou somos amigos dos nossos compatriotas ou somos inimigos da nossa Pátria.

José Maria Huambo

«Catingueiros» Perfumados!

A Paz é um dos mais preciosos perfumes da humanidade. E o tempo que corre oferece-nos a rara oportunidade de consolidarmos os benefícios de tão agradável fragrância. Acontece que os quase 30 anos de guerra deixaram-nos imundos e mal cheirosos. E para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, era importante implementarmos uma mega operação de limpeza e purificação colectiva a fim de banirmos do nosso seio os erros que originaram a devastação e estagnação da nossa amada Pátria e eliminarmos os vícios que exploram e manipulam as nossas naturais diferenças e obstam a convivência fraterna entre todos os angolanos.

Só que nada disso tem acontecido. Continuamos a falar da «consolidação da Paz» como se fosse algo realizável com um condão mágico e sem muito esforço. Insistimos em consolidar a Paz sob os alicerces da velha estrutura onde ainda imperam o abuso de poder, a cultura do medo, a dominação de uns pelos outros, a férrea imposição de ideias, as medidas arbitrárias, as situações de miséria, a degradação dos valores, etc.

Os obscuros interesses partidários e as ideologias do regime dominante continuam a ter primazia. O povo continua a ser usado, instrumentalizado e desprezado. Os direitos fundamentais dos angolanos continuam a ser desrespeitados. Continuamos a fomentar os elitismos sociais e políticos e a cor da pele continua a ser preponderante na definição do angolano e no usufruto das benesses da angolanidade.

Continuam intactos e muito bem afinados os instrumentos de «pessoalização» do poder, de monopolização dos cargos públicos, de partidarização da sociedade, de apropriação dos bens públicos e de desfalques dos cofres do Estado. Continuam, também, intactos e muito bem oleados os poderosos mecanismos moldados para manterem a grande massa de angolanos completamente à margem dos inúmeros lucros das riquezas nacionais. Por isso, os consolidadores da Paz e promotores da Reconciliação continuam, descaradamente, a usar em proveito próprio os abundantes lucros das riquezas de Angola e teimam em não aplicar as astronómicas quantias monetárias em projectos socio-económicos que visem melhorar as condições de vida dos cidadãos.

Insistimos em promover a absoluta hegemonia de Luanda e teimamos em manter o velho modelo de Estado hegemónico, politizado e concentrado como instrumento ideal de estabilização do país e de manutenção da unidade nacional, apesar da nossa história recente já nos ter provado, de forma trágica e dolorosa, que este velho modelo constitui um erro político de graves repercussões e um claro atentado a tão desejada integridade territorial.

Persistimos em manter o velho aparelho de administração, herdado do colonialismo, altamente centralizado e profundamente corrupto como instrumento fundamental da ingente tarefa de reconstrução nacional e como o único modelo a seguir na definição do novo rumo de Angola, apesar de já estar mais do que provado que a velha estrutura de gestão administrativa é absolutamente incapaz de funcionar como instrumento fundamental de promoção do desenvolvimento económico, social e cultural de todo o país, não serve de atenuante das naturais rivalidades derivadas das complexidades socioculturais do país, nem de instrumento de correcção das desigualdades regionais e pessoais.

No plano moral continuamos a fomentar a profanação dos sagrados valores e a sacralização dos profanos vícios. Por causa dessas reprováveis atitudes, a honestidade, a rectidão de carácter, o civismo, o sentido de responsabilidade e os bons costumes continuam a figurar na vergonhosa lista dos desprezíveis valores. Por isso, entre nós, continuam a imperar o culto da fraude, da violência, da impunidade, da desonestidade, da promiscuidade e de outras vergonhosas imoralidades.

Portanto, continuamos imundos e mal cheirosos. E por todo este triste cenário, torna-se um total desperdício derramar-se o precioso perfume da Paz sobre uma comunidade que continua a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de misérias, de preconceitos, de imoralidades e de violência. E, como sabemos, não há nada mais incómodo e perturbador do que a explosiva mistura de perfume e suor malcheiroso.

Diz-nos o Profeta: “Lavai-vos e purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal” (ISAÍAS 1, 16). Assim, para tirarmos máximo partido das qualidades do precioso perfume da Paz e exalarmos o agradável aroma da união, do progresso e do bem-estar social, precisamos de ter a coragem de despirmo-nos dos antigos preconceitos, dos velhos comportamentos e das longas rivalidades. Importa mergulharmos, com humildade, na grande banheira da reconciliação. Urge, tomarmos, sem demoras, um bom banho de profunda conversão das mentalidades, das maneiras de pensar o País, de viver a angolanidade e de estar e conviver com os outros. E só com esta colectiva atitude estaremos em condições de eliminar esse suor malcheiroso que nos envergonha, prejudica e nos torna impuros aos olhos de Deus, dos compatriotas e das nações.

E uma vez que o forte odor da «catinga» tem a grande capacidade de desvirtuar a qualidade do melhor perfume, este processo de colectiva eliminação da sujidade acumulada durante estes longos e dolorosos anos de guerra, terá de ser contínuo e requererá muito esforço e uma incansável dedicação. Porque, como escreveu o Papa Paulo VI, “as paixões humanas não se extinguem. O egoísmo é uma erva daninha que não se consegue arrancar completamente da psicologia do homem”. Por isso, a vitória sobre o mau odor que infesta a nossa problemática sociedade exigirá de nós um esforço diário e colectivo. Diário, porque tal como quem cheira mal deve esforçar-se por tomar banho todos os dias, assim também cada um de nós deverá esforçar-se diariamente por combater os maus hábitos e os comportamentos nocivos fortemente enraizados no seio da nossa comunidade. Colectivo, porque o aroma agradável dos poucos que se empenharem, seriamente, na consolidação da Paz perderá o seu precioso valor, enquanto muitos ainda continuarem a exalar «catingas» de ódios, de fanatismos, de preconceitos, de imoralidades e de violência.

José Maria Huambo