É um dos meios capazes de fazer com que
o povo melhore as suas condições de vida em todos os sentidos”.
MAHATMA GANDHI
Angola vive cada vez mais ensombrada pelas profundas desigualdades socio-económicas. É, assim, válida, para a nossa sociedade, a dolorosa constatação do Concílio Vaticano II: “Enquanto multidões imensas carecem ainda do estritamente necessário, alguns (...) vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo e a miséria. Enquanto um pequeno número dispõe de um grande poder de decisão, muitos estão quase inteiramente privados da possibilidade de agir por própria iniciativa e responsabilidade, vivem e trabalham em condições indignas da pessoa humana”.
Porquê chegamos a esta dolorosa situação, se somos filhos de um país que tem obtido inúmeras receitas financeiras e tem recebido abundantes doações?
Além das consabidas dificuldades impostas pela guerra, a nossa triste sorte tem outra razão de ser. Segundo Max Weber “quem faz política aspira ao poder; ao poder como meio para a consecução de outros fins (idealistas ou egoístas) ou ao poder «pelo poder», para desfrutar o sentimento de prestígio que ele confere”.
O nosso grande problema reside, exactamente, no facto de os nossos dirigentes não usarem o poder político para execução de certos programas ou projectos, para porem em prática determinadas ideias, fazerem respeitar consagrados valores e defender os interesses da comunidade que governam, mas apenas para o deterem a título perpétuo e desfrutarem do sentimento de prestígio que ele confere. Em vez de aplicarem as astronómicas quantias monetárias em projectos socio-económicos que visem melhorar as condições de vida dos cidadãos «em todos os sentidos», eles limitam-se a usar em proveito próprio os abundantes lucros das riquezas de Angola. Por isso, tornaram-se maus governantes e homens corrompidos.
Como maus governantes não têm sido capazes de executar tarefas básicas de governação, nem têm sabido ser proficientes em actos mínimos de gestão. Tratam com negligência as feridas do corpo e da alma dos cidadãos e não se cansam de exclamar: «Tudo bem, tudo bem», quando nada vai bem. Apesar de contemplarem a vergonhosa indigência dos compatriotas, fazem-se de cegos fingindo nada ver. Ante os fortes gemidos da dolorosa agonia da imensa nação, fingem-se de surdos tapando os ouvidos à voz da consciência cívica. Por muito alto que os cidadãos gritem, não respondem nem os salvam da dura tribulação. Os seus semblantes são mais duros do que a pedra, seus corações são mais frios do que o gelo e recusam converter-se. Em mais de 30 anos, muitos dos seus feitos são apenas nada, obras ridículas. Muitos dos seus programas de governo não passam de vãos simulacros.
Como homens corrompidos têm posto toda a sua ambição em acumular riquezas. Por isso, os seus obscuros caminhos prosperam a toda hora, todos se entregaram à ganância e ao lucro desonesto, e, no meio da penúria da maioria, usam da abundância para a sua orgulhosa ostentação. “São cães vorazes e insaciáveis, são pastores que nada observam. Cada qual segue o seu caminho, cada um busca o seu interesse” (Isaias 56, 11). Por esta razão, tornaram-se ricos e poderosos. Apresentam-se nédios e bem nutridos. Vivem impunes e acima da lei. Agem como se fossem os únicos iluminados da Pátria, acham-se os maiores e consideram-se intangíveis por qualquer força humana. “Para eles não há sofrimento, seu corpo é saudável e robusto. Não têm contrariedades na vida, não são atormentados como os outros homens (...) Por isso, se julgam em segurança ao abrigo de todas as calamidades”(Salmo 73 «72», 4-10).
Diz o Prof. Maurice Duverger que “em todas comunidades humanas, e mesmo nas sociedades animais, o poder proporciona aos seus detentores vantagens e privilégios: honras, prestígio, lucros [e] prazeres”. Por isso, não nos opomos a que os nossos «governantes» e as demais elites da sociedade angolana usufruam de altas regalias e gozem das vantagens inerentes à governação ou ao privilegiado estatuto que detêm.
Assim, e embora os tormentos da vida em Angola justifiquem a sua aparição, seria completa insanidade da nossa parte exigir que tenhamos todos nas nossas garagens ou nos nossos quintais carros de luxo e de alta cilindrada, que frequentemos todos a zona chique do Mussulo, esbanjemos dinheiro em festanças, tenhamos os filhos a estudarem nos melhores estabelecimentos de ensino do país e do estrangeiro, viajemos todos em primeira classe, tenhamos todos passaportes diplomáticos, chorudas contas bancárias, belas casas de praia e possamos todos dormir nos melhores hotéis do mundo!
Deploramos e abominamos, sim, a desigual repartição das benesses da angolanidade que cria dois extremos com um enorme fosso a separá-los: de um lado, um pequeníssimo estrato da população que sórdida e criminosamente detém os enormes lucros das riquezas do País e do outro, uma maioria faminta e indigente que sobrevive em situações indignas da pessoa humana. Por isso, pugnamos por uma distribuição justa do rendimento nacional. Reprovamos com veemência a poderosa e vergonhosa concentração dos chamados «bens socialmente desejados» (habitação, alimentação, educação, saúde, emprego, etc.) nas mãos de poucos privilegiados, facto que cria escandalosas situações de desigualdades.
E não é assim tão difícil proporcionar aos angolanos o pleno usufruto dos enormes lucros das riquezas do País. Isto porque, e contrariamente a certos gananciosos «compatriotas», os verdadeiros filhos de Angola são simples por natureza. Por isso, não clamam por exigências extravagantes e exorbitantes, nem ambicionam ilusórias grandezas ou imensas riquezas. Aspiram apenas à satisfação das exigências básicas dos homens de hoje. Segundo o Papa Paulo VI, os homens de hoje aspiram a ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situações que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais.
Portanto, a imensa multidão de angolanos que sobrevive em situações indignas da pessoa humana não ambiciona coisas de concretização impossíveis. Suas legítimas exigências não são extravagantes. Só pretendem passar por esta vida com dignidade, com o essencial para viverem bem, em paz e com saúde, junto de dos seus entes queridos. Mas as suas sagradas aspirações têm sido, desumanamente, repelidas e sonegadas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.
Apenas desejam ter acesso a todos os benefícios a que têm direito por força da angolanidade. Exigem, simplesmente, uma equitativa repartição dos recursos económicos. Querem, unicamente, que haja uma igualdade de oportunidades e uma justa recompensa dos talentos que cada um deles deseja dispor ao serviço da comunidade. Mas os seus legítimos anseios têm sido, ostensivamente, negados. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.
Só pretendem que nasçam e vivam todos em humanas condições de vida e que tenham uma alimentação digna. E porque “um analfabeto é um espírito subalimentado”, desejam também frequentar escolas e universidades com adequadas condições de aprendizagem. Pretendem usufruir das oportunidades de se formarem e de desenvolverem os seus talentos com dignidade. Anseiam, profundamente, por concretizarem os seus sonhos e projectos de vida. Só que estas sagradas pretensões têm sido, humilhantemente, repelidas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.
Apenas exigem um sistema de saúde mais humano e que lhes proporcione a necessária aasistência medica e medicamentosa, fundamentais para responderem com vigor aos ingentes desafios da actual conjuntura angolana, uma vez que, e como diz a Bíblia, “a saúde e o vigor valem mais do que o ouro de todo o mundo e um corpo vigoroso mais do que uma fortuna imensa” (Eclesiástico 30, 15-16). Mas as suas humanas aspirações têm sido, barbaramente, negadas e, longamente, reprimidas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.
E temos razões para exigir que os que regem os destinos da nossa comunidade política nos proporcionem, em abundância, os bens que constituem o essencial para tornar menos pesado o duro fardo da vida?
Temos sim senhor! Não somos filhos da Etiópia, Somália ou Bangladesh. Somos filhos de um país que actualmente se afirma como o maior produtor de petróleo de África e recebe abundantes doações. E não somos assim tantos! Segundo as estatísticas oficiais, somos cerca de 14 milhões. Portanto, há imenso dinheiro para garantir a subsistência de pouca gente. E, sendo assim, é, perfeitamente, possível tornar acessíveis aos filhos de Angola todas as coisas de que necessitam para levarem uma vida verdadeiramente humana.
José Maria Huambo
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