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quarta-feira, 2 de julho de 2008

Geração Enganada e Sacrificada

Conta-se que, em meados da década de 90 do Século passado e no auge da febre das bolsas, certo jovem decidiu redigir um requerimento ao director responsável pelo «gabinete de bolsas» de uma célebre instituição nacional. Assim, num vistoso papel de 25 linhas, o esperançoso jovem expôs, de forma cuidada e eloquente, a sua atribulada vida, o seu difícil percurso académico, os seus projectos, os seus anseios e a importância vital da tão desejada bolsa.

Depois de duras semanas a tentar romper a poderosa e preconceituosa teia burocrática, fortemente, enraizada na célebre instituição nacional, o esperançoso jovem, através dum influente amigo da prima do rico namorado da querida tia, lá conseguiu fazer chegar o importante requerimento às mãos da poderosa secretária do Sr. Director. E tinha imensas razões para comemorar o feito tão difícil. É que, quando chegassem às mãos da zelosa secretária, os documentos passavam a ter 99% das hipóteses de cumprirem o seu destino. E para colocar mais «gindungo» nas fortes expectativas do jovem, a zelosa secretária pediu-lhe que fosse falar com ela no início da semana seguinte.

Chegado o dia marcado, o nosso jovem dirigiu-se ao gabinete da poderosa senhora em busca de novidades. A zelosa secretária, habituada à persistência dos requerentes, sossegou o nosso jovem, garantindo-lhe que o seu documento já estava pronto a ser despachado pelo Sr. Director. E o deferimento só não tinha acontecido porque o chefe tivera uma série de complicadas reuniões. «Volte daqui há quatro dias».

Passado o tempo pedido, o cada vez mais ansioso jovem regressa ao poderoso gabinete da célebre instituição nacional. «Olha, o Director ainda não despachou o requerimento. Nestes últimos dias tem andado ocupadíssimo. Venha cá p’ra semana». Sete dias depois o persistente jovem reaparece. «Ainda não tenho novidades. Peço desculpas. O Sr. Director foi numa missão de serviço. Venha daqui há quinze dias e garanto-te que haverá novidades». Duas semanas depois, a mesma ladainha e... nada! Um mês, dois meses e...nada!

Numa das suas habituais visitas ao Roque Santeiro, o nosso cada vez mais frustrado jovem resolve comprar uma dose de pão com peixe frito para «enganar o estômago». Enquanto saboreava o «almoço», entreteve-se a contemplar a dura realidade que o envolvia e a imaginar a vida que levaria como bolseiro angolano no exterior. Mas, num repentino e irresistível impulso, digno de um verdadeiro sexto sentido, interrompeu a meditação e decidiu reparar bem no papel que embrulhava a «sande» de peixe frito. A cuidada caligrafia, a rigorosa estética e o eloquente conteúdo não deixavam dúvidas: aquele pedaço de papel gorduroso e amarfanhado era o que restava do seu importante requerimento.

E a razão deste incrível e repugnante fenómeno é muito simples: A mãe da zelosa secretária era assídua quitandeira no Roque Santeiro. E a poderosa auxiliar do Sr. Director tinha por habito entregar à querida progenitora toda a papelada excedente, composta de requerimentos indesejados, jornais, revistas e velhos documentos.

Pois é, meus caros. A dolorosa experiência vivida pelo nosso jovem não difere muito da dura realidade que envolve a por mim denominada «geração enganada e sacrificada». Em 1976, e no auge da febre da Independência, o esperançoso e promissor grupo dos nascidos entre 1950 e 1975 fez um eloquente e pomposo requerimento dirigido aos dirigentes que não cessavam de proclamar que, para eles, «o mais importante era resolver os problemas do povo».

No dito requerimento, esmeradamente dactilografado em papel de 25 linhas, os elementos do grupo, com idades entre os 0 e 25 anos, exprimiam o ardente desejo de terem acesso a todos os benefícios a que tinham direito por força da tão longamente esperada independência. Exigiam uma equitativa repartição dos recursos económicos. Queriam que houvesse uma igualdade de oportunidades e uma justa recompensa dos talentos que cada um deles desejava dispor ao serviço da comunidade. Pretendiam que nascessem e vivessem em humanas condições de vida e que tivessem habitações decentes e uma alimentação digna. E porque “um analfabeto é um espírito subalimentado”, desejavam também que frequentassem escolas e universidades com adequadas condições de aprendizagem, que tivessem oportunidades de se formarem e desenvolverem os seus talentos com dignidade. E, por fim, exigiam um sistema de saúde mais humano e que fosse capaz de prestar-lhes uma eficiente assistência médica e medicamentosa, fundamentais para responderem, com vigor, aos desafios da «reconstrução nacional».

Passou um ano de ansiosa espera pela resposta dos dirigentes. E nada. Dois anos... três... quatro... cinco... seis anos e nada! No sétimo ano (1983) os elementos do grupo, agora com idades entre os 8 e os 33 anos, resolvem indagar os dirigentes sobre o andamento do requerimento. - Então camaradas, os nossos problemas? – Ah, não, vocês vão precisar de mais um pouco de paciência e abnegação porque ainda não deu para resolver cabalmente os vossos problemas. Somos um país jovem. Sofremos cinco séculos de um colonialismo terrível que nos deixou uma pesada herança. Quando nos preparávamos para resolver os vossos problemas fomos atacados em várias frentes pelos nossos inimigos. Estamos a enfrentar o imperialismo que continua a financiar actividades subversivas e contra-revolucionárias para desestabilizar a situação política, militar e económica do nosso país. Tivemos repetidas agressões armadas levadas a cabo pelos racistas sul-africanos que culminaram numa invasão de grande envergadura. E nestes difíceis momentos da nossa história, precisamos do vosso patriótico sacrifício, dando tudo quanto têm de melhor para a defesa da Pátria, da nossa liberdade e integridade territorial. Sem o vosso engajamento não será possível defender as conquistas já alcançadas.

Entretanto, os anos foram passando e... nada. Em 1990, sete anos depois da última comovedora promessa, os elementos do grupo, agora com idades entre os 15 e os 40 anos, voltam a indagar os «esforçados» dirigentes. – Então camaradas, os nossos problemas? Ah, sabem, nós estamos cientes das vossas dificuldades. Mas, acreditamos que saberão compreender os graves obstáculos que continuamos a enfrentar. Os inimigos de sempre não desarmam e continuam com as suas manobras. A administração Reagan, através da emenda Clark, inaugurou uma grave política de ingerência nos nossos assuntos internos. O exército de Savimbi, apoiado pela racista África do Sul e pelo Zaire, intensificou as suas acções de guerra e incrementou os seus actos de terrorismo. Todos estes factores levaram-nos a desviar grande parte dos recursos financeiros e materiais para a conquista da paz, afectando, assim, grandemente o cabal cumprimento do nosso plano nacional. Mas não se preocupem, que irão sentir os benéficos efeitos do plano do SEF, gizado com profunda clarividência. Até lá, devem permanecer vigilantes e mobilizados para garantir a defesa das nossas conquistas.

Entretanto, passaram outros sete anos e os problemas agravavam-se cada vez mais. Estamos em 1997 e os destroçados elementos da geração da independência, agora com idades entre os 22 e os 47 anos, resolvem, mais uma vez, indagar os dirigentes. – Então camaradas, os nossos velhos problemas? Ah, já sabem o que aconteceu ao nosso país. Quando tínhamos tudo preparado para, finalmente, resolvermos cabalmente os vossos problemas, eis que o espectro da guerra voltou a pairar sobre nós. A Unita contestou, por via armada, os resultados eleitorais, abrindo uma grave crise que mergulhou o país numa verdadeira catástrofe. A sanha assassina de Savimbi obrigou-nos, novamente, a canalizar todos os recursos financeiros e materiais para o esforço de guerra. Graças a um gigantesco esforço nacional, o país, que estava à deriva, voltou ao rumo certo e retoma agora lenta mas seguramente a sua marcha. E não vos preocupeis. Porque os sinais destes tempos mostram que o país está a caminhar rapidamente para uma nova etapa, uma etapa em que iremos saber equacionar e resolver novos e velhos problemas. Mais uma vez, contamos com o vosso abnegado sacrifício na defesa da integridade territorial e no vosso esforço para recolocar Angola no caminho do progresso e da prosperidade.

Acontece que estamos em 2008, 11 anos depois das promessas de 1997 e 32 anos depois da entrega do requerimento. E… nada. Continuamos a ser bombardeados com velhas desculpas e com as promessas do costume. Dizem que é agora que tudo se vai resolver. Prometem, por exemplo, para o período 2009-2013, construir cerca de um milhão de habitações em todas as províncias. Vamos ver.

E como a esperança é a última a morrer, não desistimos e contamos regressar em 2013. Nessa altura, os elementos do grupo que dactilografou o requerimento terão entre os 38 e os 63 anos. Espero, sinceramente, que, até lá, os nossos dirigentes tenham a hombridade de dizerem a verdade sobre o destino do velho requerimento e que se redimam das suas faltas tornando menos pesado o fardo da vida dos filhos e dos netos da geração que tem sido enganada e sacrificada desde 1976.


José Maria Huambo

4 comentários:

Anónimo disse...

Esse é o puro texto!

Não há mais que esperar pelas histórias deles, há que votar, votar com força! Escolher um partido e votar!

Que não seja o M... claro...
Não podemos mais esperar, não podemos mais ir devagare! Não votar nulo, não votar em branco, votar num sim partido da oposição!

Avante o poder popular!

Se eles nos enganarem e nos tirarem votos, não faz mal. Mas vão saber que não ganharão!

Anónimo disse...

É preciso votar! Mas é preciso informar que estas eleições já estão a começar mal! Vários anos a separar os partidos (vejamos como está a FNLA, PADEPA e outros), a criar uma imagem má aos partidos. No ano passado alteraram a lei eleitoral para criar mais dificuldades com as assinaturas e tudo fizeram para usar isso como uma incapacidade dos partidos se mobilizarem e organizarem ou seja criar descredito junto à população. JES Ze Du guardou no segredo dos deuses a data até estar bem perto do prazo limite, para cortar espaço aos partidos. Após, começa o jogo burocrático e a dança da desinformação, CNE não sabe, tribunal supremo não sabe. Poucos dias antes dos prazo limite à entrega das assinaturas é que se cria o Tribunal Constitucional, em que democracia do mundo isso se faz assim? O tc nasceu na hora que convinha ao mpla. No interior do país, longe das vistas (ou quase) os partidos que vão buscar assinaturas acabam por perceber que afinal a democracia é piada, começam os espancamentos, perseguições, intimidações, roubos de assinaturas, pessoas a aparecerem mortas, população intimidada a não dar assinaturas, etc,etc, etc, etc,etc... Muitos bons partidos vão ficar de fora, para o mpla o desejo era que ficassem apenas os partidos fantoche que criou ou aqueles que já subornou e controla. A nossa democracia está a padecer! É preciso apoiar os partidos agora! A democracia vai morrer se o povo não agir já! E se a democracia morrer a geração continuará a ser enganada, sacrificada e mil gerações mais se seguirão. Não podemos esperar!

mafegos disse...

Amigo Zé Maria mais um artigo fantastico,como sempre.
Agora brincando um bocado com a dramatica situação dum povo que espera melhoras na situação do seu país,mais de trinta anos depois da independência,depois de verem goradas as suas reivindicações,pode ser que o governo lhes arranje pelo menos um bom funeral.

Horácio disse...

Julgo que a solução para muitos dos problemas deste país, passam necessariamente pela democratização do MPLA, pelo rejuvenescimento das ideias e dos seus quadros. Sem qualquer demagogia diria que é um absurdo ignorarmos a ideia de que o MPLA é o maior partido e que reúne os requisitos para vencer as próximas eleições, apesar dos múltiplos erros que os seus dirigentes quase sem excepção vão cometendo de forma acumulativa, sendo a corrupção e a apropriação dos bens públicos os mais graves. É necessário que se tenha ainda em atenção, que o MPLA é o partido que dispõe da maior verba para a campanha eleitoral, tem os órgãos de informação públicos a seu favor e tem em seu poder, uma maquina de propaganda muito sofisticada e endinheirada, que facilmente convence parte do estrato mais desfavorecido da nossa população, que infelizmente é maioritariamente analfabeta. Como militante deste partido, julgo que se deve tentar uma viragem dentro do mesmo, devemos com coragem e sabedoria exigir mudanças porque só através da liberdade de expressão, do debate de ideias e etc., poderemos levar o nosso M para junto do povo e dar real sentido ao lema "o MPLA é o povo, e povo é o MPLA". Fora disto, o MPLA será uma força política condenada ao descalabro ou a extinção. Todavia, no momento, acho que para os indivíduos com um certo sentido de orientação patriótica, democrática e política, o mais acertado seria não votar a favor do MPLA nas próximas eleições, mas para sim para outros partidos (para mim desde que não seja para a UNITA), para que haja um certo equilíbrio no parlamento da próxima legislatura, porque maioria absoluta para o nosso partido, seria favorecer e apostar na continuidade do que já é bem conhecido por todos.....
Por enquanto, esta é a minha modesta contribuição para "Interrogações sobre Angola".