Só que a longa e atenta observação dos inúmeros e reiterados atropelos aos valores democráticos por parte daqueles que se dizem empenhados em consolidar a Democracia e instaurar o Estado de direito leva-nos a conclusão de que estamos perante o insólito caso de termos uma democracia sem democratas. Ou seja, na condução de todo o processo de consolidação da tão esperada Democracia, os nossos empenhados dirigentes não se sentem obrigados a cumprir as regras do processo democrático e a respeitar os valores fundamentais de um Estado de direito.
Assim, nesta tão gabada caminhada rumo à Democracia os dirigentes teimam em circular em contramão, insistem em viajar em sentido contrário, lançando o pânico e a confusão entre os utentes das vias democráticas e colidindo violentamente contra todos os valores da Democracia e do Estado de direito. Essa irresponsável e prepotente aventura tem provocado inúmeras vítimas e causado imensos danos ao exigente processo de Paz e de Desenvolvimento. E a maneira como decorreu o anúncio da data das Eleições Legislativas é o mais eloquente exemplo desta nossa democracia sem democratas. Vejamos:
Todos os intervenientes no processo eleitoral em curso, nomeadamente, o Presidente da República, a Assembleia Nacional, o Governo Central, Os Tribunais, os Governos Provinciais, a CNE, os Partidos Políticos, a Sociedade Civil, a Comunicação Social e os eleitores, estão obrigados a cumprirem escrupulosamente o que vem estipulado na Lei Eleitoral e no Regulamento da Lei Eleitoral.
Todos os que desejam ver uma Angola verdadeiramente democrática viram e ouviram José Eduardo dos Santos proclamar perante a África e o Mundo que as Eleições Legislativas de 2008 serão realizadas em 2 dias (5 e 6 de Setembro). Mantendo os velhos hábitos de autoritarismo e omnipotência, o Chefe do Estado não se sentiu na obrigação de justificar os motivos que nortearam esta decisão. Ora, o número 1 do artigo 38 da Lei Eleitoral estabelece que «a eleição realiza-se no mesmo dia em todo o território nacional». Assim, facilmente constatamos que o Presidente da República violou de forma pública e solene a Lei Eleitoral.
Para o bem da tão propalada instauração de um verdadeiro Estado de direito, por respeito à Democracia e aos angolanos e para honrarem o bom nome do País, os conselheiros do Presidente da República e os arquitectos que projectaram as eleições em 2 dias deveriam tomar uma das seguintes atitudes democráticas:
1- Ou cumpriam democraticamente o estipulado no número 1 do artigo 38 da Lei Eleitoral e aconselhavam o Presidente a anunciar a realização das tão aguardadas Eleições Legislativas em apenas 1 dia.
2- Ou promoviam a alteração da Lei Eleitoral vigente, introduzindo os 2 dias numa nova redacção do artigo 38. Dessa forma, evitariam que José Eduardo dos Santos ofendesse publicamente os bons costumes democráticos e desrespeitasse descaradamente um dos principais instrumentos de consolidação da Democracia e uma das importantes leis da República de Angola.
Todos os que amam Angola e se interessam pela actual conjuntura do nosso promissor País têm consciência da importância de não voltarmos a cometer os inúmeros erros que circundaram todo o controverso processo eleitoral de 1992. É por isso que os Bispos Católicos de Angola recomendam veementemente a todos os intervenientes no processo eleitoral em curso o rigoroso cumprimento das regras democráticas e das leis que regulamentam o pleito eleitoral, antes, durante e depois do período eleitoral, «para que as Eleições Legislativas de Setembro próximo venham a ser transparentes, incontestáveis, pacificas e democráticas».
Atendendo ao obstinado apego dos nossos dirigentes aos velhos hábitos de autoritarismo, prepotência e impunidade e considerando o facto dos nossos governantes não se sentirem obrigados a ser democratas nas suas condutas com vista a consolidação da Democracia, José Eduardo dos Santos não se irá retractar da grave violação da Lei Eleitoral e as eleições serão mesmo convocadas para os dias 5 e 6 de Setembro.
Perante isto, torna-se imperioso perguntarmos: É bom para tão desejada consolidação da Democracia e instauração do Estado de direito que o Presidente da República e seus conselheiros continuem a achar que não são obrigados a respeitar a Lei Eleitoral e a cumprir as regras democráticas? Os que insistem na realização das eleições durante 2 dias estarão a contribuir para a tão exigida transparência do processo eleitoral em curso e para evitar as perigosas desconfianças sobre a existência de processos viciados e de fraudes que alimentem conflitos eleitorais?
A reiterada atitude de autoritarismo e prepotência dos governantes perante o legítimo direito dos cidadãos organizarem marchas e manifestações legais e pacíficas constitui outro dos grandes exemplos que nos indicam estarmos perante uma democracia sem democratas. Os dirigentes dizem-se empenhados em consolidar a Democracia e instaurar o Estado de Direito, mas insistem em dificultar aos cidadãos o livre exercício do sagrado direito de expressão, de reunião, de manifestação, de associação.
Assim, mal tomam conhecimento de que um partido da oposição, uma organização sindical ou uma associação cívica pretende organizar uma marcha ou uma manifestação pacífica, apressam-se a fazer gala dos seus profundos conhecimentos na arte estalinista de controlo, intimidação e dissuasão das massas. Para tal, fazem sair para as ruas as suas temidas e altamente armadas forças de choque. E para caçar, desmantelar e punir as forças ocultas e os inimigos da Pátria que estão por detrás do incitamento popular, põem a funcionar em altas rotações a bem oleada máquina de espionagem, intimidação, chantagem e contra-informação.
Como não precisam de ser democratas nas suas condutas com vista a consolidação da democracia e instauração do Estado de direito, durante longos anos optaram por reprimir violentamente toda e qualquer tentativa de greve laboral ou de manifestação pacífica dos cidadãos. Depois, e para maquilhar essa flagrante atitude anti-democrática, cozinharam, aprovaram e publicaram a chamada lei das reuniões e manifestações, um descarado atentado aos direitos fundamentais e aos bons costumes democráticos, que envergonha qualquer democrata.
Portanto, na nossa democracia, e tendo em conta a letra e o espírito da lei, as manifestações que não tenham por objectivo exaltar a figura do Presidente Eduardo dos Santos ou apoiar incondicionalmente o MPLA e as acções Governo não podem ser realizadas antes das 19 horas dos dias úteis. É fácil perceber o tenebroso objectivo desta lei inconstitucional, numa terra onde a noite é escura como breu e num país mal iluminado e com constantes falhas de energia.
José Maria Huambo