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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Os Efeitos do Abuso do Poder e da Corrupção Generalizada

“Para mim o poder político não é um fim em si.
É um dos meios capazes de fazer com que
o povo melhore as suas condições de vida em todos os sentidos”.

MAHATMA GANDHI


Angola vive cada vez mais ensombrada pelas profundas desigualdades socio-económicas. É, assim, válida, para a nossa sociedade, a dolorosa constatação do Concílio Vaticano II: Enquanto multidões imensas carecem ainda do estritamente necessário, alguns (...) vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo e a miséria. Enquanto um pequeno número dispõe de um grande poder de decisão, muitos estão quase inteiramente privados da possibilidade de agir por própria iniciativa e responsabilidade, vivem e trabalham em condições indignas da pessoa humana.

Porquê chegamos a esta dolorosa situação, se somos filhos de um país que tem obtido inúmeras receitas financeiras e tem recebido abundantes doações?
Além das consabidas dificuldades impostas pela guerra, a nossa triste sorte tem outra razão de ser. Segundo Max Weber “quem faz política aspira ao poder; ao poder como meio para a consecução de outros fins (idealistas ou egoístas) ou ao poder «pelo poder», para desfrutar o sentimento de prestígio que ele confere”.

O nosso grande problema reside, exactamente, no facto de os nossos dirigentes não usarem o poder político para execução de certos programas ou projectos, para porem em prática determinadas ideias, fazerem respeitar consagrados valores e defender os interesses da comunidade que governam, mas apenas para o deterem a título perpétuo e desfrutarem do sentimento de prestígio que ele confere. Em vez de aplicarem as astronómicas quantias monetárias em projectos socio-económicos que visem melhorar as condições de vida dos cidadãos «em todos os sentidos», eles limitam-se a usar em proveito próprio os abundantes lucros das riquezas de Angola. Por isso, tornaram-se maus governantes e homens corrompidos.

Como maus governantes não têm sido capazes de executar tarefas básicas de governação, nem têm sabido ser proficientes em actos mínimos de gestão. Tratam com negligência as feridas do corpo e da alma dos cidadãos e não se cansam de exclamar: «Tudo bem, tudo bem», quando nada vai bem. Apesar de contemplarem a vergonhosa indigência dos compatriotas, fazem-se de cegos fingindo nada ver. Ante os fortes gemidos da dolorosa agonia da imensa nação, fingem-se de surdos tapando os ouvidos à voz da consciência cívica. Por muito alto que os cidadãos gritem, não respondem nem os salvam da dura tribulação. Os seus semblantes são mais duros do que a pedra, seus corações são mais frios do que o gelo e recusam converter-se. Em mais de 30 anos, muitos dos seus feitos são apenas nada, obras ridículas. Muitos dos seus programas de governo não passam de vãos simulacros.

Como homens corrompidos têm posto toda a sua ambição em acumular riquezas. Por isso, os seus obscuros caminhos prosperam a toda hora, todos se entregaram à ganância e ao lucro desonesto, e, no meio da penúria da maioria, usam da abundância para a sua orgulhosa ostentação. “São cães vorazes e insaciáveis, são pastores que nada observam. Cada qual segue o seu caminho, cada um busca o seu interesse” (Isaias 56, 11). Por esta razão, tornaram-se ricos e poderosos. Apresentam-se nédios e bem nutridos. Vivem impunes e acima da lei. Agem como se fossem os únicos iluminados da Pátria, acham-se os maiores e consideram-se intangíveis por qualquer força humana. “Para eles não há sofrimento, seu corpo é saudável e robusto. Não têm contrariedades na vida, não são atormentados como os outros homens (...) Por isso, se julgam em segurança ao abrigo de todas as calamidades”(Salmo 73 «72», 4-10).

Diz o Prof. Maurice Duverger que “em todas comunidades humanas, e mesmo nas sociedades animais, o poder proporciona aos seus detentores vantagens e privilégios: honras, prestígio, lucros [e] prazeres”. Por isso, não nos opomos a que os nossos «governantes» e as demais elites da sociedade angolana usufruam de altas regalias e gozem das vantagens inerentes à governação ou ao privilegiado estatuto que detêm.

Assim, e embora os tormentos da vida em Angola justifiquem a sua aparição, seria completa insanidade da nossa parte exigir que tenhamos todos nas nossas garagens ou nos nossos quintais carros de luxo e de alta cilindrada, que frequentemos todos a zona chique do Mussulo, esbanjemos dinheiro em festanças, tenhamos os filhos a estudarem nos melhores estabelecimentos de ensino do país e do estrangeiro, viajemos todos em primeira classe, tenhamos todos passaportes diplomáticos, chorudas contas bancárias, belas casas de praia e possamos todos dormir nos melhores hotéis do mundo!

Deploramos e abominamos, sim, a desigual repartição das benesses da angolanidade que cria dois extremos com um enorme fosso a separá-los: de um lado, um pequeníssimo estrato da população que sórdida e criminosamente detém os enormes lucros das riquezas do País e do outro, uma maioria faminta e indigente que sobrevive em situações indignas da pessoa humana. Por isso, pugnamos por uma distribuição justa do rendimento nacional. Reprovamos com veemência a poderosa e vergonhosa concentração dos chamados «bens socialmente desejados» (habitação, alimentação, educação, saúde, emprego, etc.) nas mãos de poucos privilegiados, facto que cria escandalosas situações de desigualdades.

E não é assim tão difícil proporcionar aos angolanos o pleno usufruto dos enormes lucros das riquezas do País. Isto porque, e contrariamente a certos gananciosos «compatriotas», os verdadeiros filhos de Angola são simples por natureza. Por isso, não clamam por exigências extravagantes e exorbitantes, nem ambicionam ilusórias grandezas ou imensas riquezas. Aspiram apenas à satisfação das exigências básicas dos homens de hoje. Segundo o Papa Paulo VI, os homens de hoje aspiram a ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situações que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais.

Portanto, a imensa multidão de angolanos que sobrevive em situações indignas da pessoa humana não ambiciona coisas de concretização impossíveis. Suas legítimas exigências não são extravagantes. Só pretendem passar por esta vida com dignidade, com o essencial para viverem bem, em paz e com saúde, junto de dos seus entes queridos. Mas as suas sagradas aspirações têm sido, desumanamente, repelidas e sonegadas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.

Apenas desejam ter acesso a todos os benefícios a que têm direito por força da angolanidade. Exigem, simplesmente, uma equitativa repartição dos recursos económicos. Querem, unicamente, que haja uma igualdade de oportunidades e uma justa recompensa dos talentos que cada um deles deseja dispor ao serviço da comunidade. Mas os seus legítimos anseios têm sido, ostensivamente, negados. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.

Só pretendem que nasçam e vivam todos em humanas condições de vida e que tenham uma alimentação digna. E porque “um analfabeto é um espírito subalimentado”, desejam também frequentar escolas e universidades com adequadas condições de aprendizagem. Pretendem usufruir das oportunidades de se formarem e de desenvolverem os seus talentos com dignidade. Anseiam, profundamente, por concretizarem os seus sonhos e projectos de vida. Só que estas sagradas pretensões têm sido, humilhantemente, repelidas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.

Apenas exigem um sistema de saúde mais humano e que lhes proporcione a necessária aasistência medica e medicamentosa, fundamentais para responderem com vigor aos ingentes desafios da actual conjuntura angolana, uma vez que, e como diz a Bíblia, “a saúde e o vigor valem mais do que o ouro de todo o mundo e um corpo vigoroso mais do que uma fortuna imensa” (Eclesiástico 30, 15-16). Mas as suas humanas aspirações têm sido, barbaramente, negadas e, longamente, reprimidas. Isto porque, os homens corrompidos não entendem estas coisas e os maus governantes não as compreendem.

E temos razões para exigir que os que regem os destinos da nossa comunidade política nos proporcionem, em abundância, os bens que constituem o essencial para tornar menos pesado o duro fardo da vida?

Temos sim senhor! Não somos filhos da Etiópia, Somália ou Bangladesh. Somos filhos de um país que actualmente se afirma como o maior produtor de petróleo de África e recebe abundantes doações. E não somos assim tantos! Segundo as estatísticas oficiais, somos cerca de 14 milhões. Portanto, há imenso dinheiro para garantir a subsistência de pouca gente. E, sendo assim, é, perfeitamente, possível tornar acessíveis aos filhos de Angola todas as coisas de que necessitam para levarem uma vida verdadeiramente humana.


José Maria Huambo

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O Grande Erro dos Negristas

Há nacionalistas (…) que pensam que o objectivo da nossa luta deveria ser a de instalar um poder negro em vez de um poder branco, nomear ou eleger africanos para os diferentes postos políticos, administrativos, económicos e outros que hoje são ocupados por brancos (…).
Para estes nacionalistas (…) o objectivo final da luta seria na realidade o de «africanizar» a exploração
”.


SAMORA MACHEL


Vamos, na reflexão de hoje, analisar a essência e as consequências do negrismo, que julgo ser uma das formas de racismo que mais contribuiu para a ruína do promissor projecto angolano. Denominamos negrismo a doutrina independetista que preconizava a idoneidade moral, intelectual, económica e cultural dos afros regerem o seu próprio destino socio-político e reivindicava o poder total, exclusivo e absoluto dos negros.

Trata-se de uma doutrina de extrema hostilidade contra os brancos nascidos na «Colónia de Angola» e que teve as suas origens históricas nas humilhantes políticas discriminatórias do sistema colonial. O negrismo, que não foi mais do que o racismo dos colonizados induzido pelo racismo dos colonizadores, esteve, assim, na origem da retirada inglória de milhares de brancos que não conheciam outra terra se não a que os viu nascer, facto que, duramente, empobreceu a riqueza humana nacional e marcou, tragicamente, o destino de Angola.

A origem do trágico fenómeno residiu no facto dos negristas terem desvirtuado e racializado o ideal autonomista que, fundado no princípio da autodeterminação dos povos, preconizava a aptidão dos naturais da «Colónia de Angola» regerem o seu próprio destino. Mas quem eram os naturais da «Colónia de Angola»?

Eram naturais da «Colónia de Angola» os negros que originariamente habitavam o território colonial português delineado pela Conferência de Berlim; os brancos nascidos nesse território, já que, e como tinha observado Agostinho Neto, «a nossa sociedade, desde há séculos, contém dentro de si os elementos brancos chegados como ocupantes, como conquistadores, mas que tiveram tempo de se enraizar, de se multiplicar e existir por gerações e gerações sobre o território angolano»; e os mestiços, gerados nos cruzamentos de brancos com negros.

Por força deste contexto, apregoar que os milhares de brancos nascidos na Angola colonial não podiam ser angolanos por causa da sua cor da pele constituía uma vergonhosa falsificação da nossa história. Porque os antepassados de muitos negros que se dizem «genuínos» e «donos da terra» ocuparam os territórios que actualmente compõem Angola, pouco antes, e, às vezes, pouco depois de os portugueses terem chegado e, muitas vezes, ao mesmo tempo que os colonizadores. Os únicos angolanos genuínos são, curiosamente, os mais marginalizados dos nativos: os Khoisans (bosquímanes e hotentotes) que se fixaram em Angola há mais de 11 mil anos e os Vátuas que habitaram a sua região situada nos desertos do Namibe há mais de 3 mil anos. Todos os outros povos fixaram-se em Angola a partir dos grandes movimentos migratórios da população banto, que se foram miscigenado e cruzando entre si.

É verdade que o radicalismo dos negristas tinha uma fundada razão de ser, dado que foi uma natural e esperada reacção às humilhantes políticas discriminatórias do sistema colonial. É um inegável facto histórico que a «comunidade branca» constituía uma minoria forte e amplamente favorecida pelo sistema colonial, era ela quem detinha o poder político, controlava a economia e todo o funcionalismo. É um facto incontestável que houve brancos (colonos e angolanos) que, por puro preconceito pessoal ou ao serviço do sistema colonial, escravizaram, humilharam, chacinaram os nativos. É verdade que os afros foram sempre tratados pelos colonos racistas como desprezíveis forasteiros, seres inferiores e, em todos os escalões do sistema colonial, enfrentavam duros e inumanos obstáculos de ordem económica, social e administrativa.

Mas também é absolutamente verdade que houve muitos negros que, por simples complexo pessoal ou ao serviço do poderoso sistema colonial, humilharam e mataram os outros negros. E nem mesmo os mais radicais dos negristas seriam capazes de negar que muitos brancos nascidos em Angola não eram «colonos racistas», nem opressores e muitos deles foram humilhados e punidos por acreditarem que o valor de uma pessoa ia muito além das fronteiras da cor da pele, rigidamente, delineadas pela sociedade racista. Os colonos racistas chamavam aos brancos que lidavam com os afros de «amigos dos pretos», «companheiros dos turras» e aos brancos africanizados de «cafrealizados» e «aselvajados».

Porém, como muitos colonos racistas e opressores eram brancos, os negristas, grávidos de ódios e de rancores, frutos de longos anos de exploração e humilhação coloniais, transformaram aquilo que devia ser uma luta contra o sistema colonial num combate hostil e violento contra todos os brancos. E mesmo depois da independência os mais radicais não suportavam ver angolanos brancos e mestiços nos postos de responsabilidade, mesmo que fossem os mais idóneos para o cargo.

O que confundiu e perturbou os negristas foi o facto de, no fértil campo do nacionalismo, o sistema colonial e os brancos angolanos terem germinado como o joio e o trigo. E na ânsia desenfreada de banir o vil colonialismo, eles não souberam esperar até à «ceifa» e nem tiveram a necessária maturidade de separar o trigo do joio, colocando na mesma mira de alvos a abater o sistema colonial e os brancos angolanos. Assim, na pressa de apanharem o joio, arrancaram também o precioso trigo que seria proveitoso para o novo país. E, com este imprudente acto, acabaram por beneficiar o joio, dado que os influentes membros do opressor sistema e os colonos racistas saíram tranquila e impunemente de Angola.

A esmagadora maioria dos nacionalistas que militavam nos três movimentos de libertação (MPLA, UNITA e FNLA) não tem sido capaz de reconhecer as terríveis consequências do negrismo. O general Iko Carreira foi um dos poucos altos responsáveis de então a assumir este irreparável erro histórico. Numa entrevista publicada na edição de 19 de Outubro de 1996 do semanário português Expresso, confessou: «Foi mau! Muito mau: Angola perdeu num mês todos os seus quadros. Eu próprio fui a Moscovo pedir aviões da Aeroflot, para que os portugueses pudessem partir mais depressa. Depois arrependi-me. Um país não se pode construir sem gente capaz. Tem sido muito difícil para angola formar os seus quadros, e vai levar muito tempo».

Portanto, o grande e irreparável erro dos negristas residiu no facto de, durante a chamada «Luta de Libertação Nacional», terem demostrado, por todos os meios possíveis, que a independência significava pura e simplesmente correr com os brancos, ficar com os seus bens e gozar das benesses e regalias que desfrutavam. Assim, dissimulando os seus obscuros projectos nos nobres ideais de liberdade, acabaram por mobilizar a maioria oprimida para uma luta inglória. E, ao terem privado Angola do potencial humano e económico que a comunidade branca representava, a independência revelou-se, para a esmagadora maioria dos angolanos, uma autêntica vitória pírrica e um grande fiasco.

E por mais que muitos se orgulhem de terem «libertado» a nossa amada Pátria, o certo é que a tão propalada «Angola independente e africana», não existe. Aquilo a que vulgou-se chamar «República de Angola» não passa de grandiosas ruínas do projecto arquitectado e edificado pela e para a comunidade branca da Angola colonial. O tão esperado projecto político e socio-económico arquitectado de forma eficiente e próspera por angolanos e para angolanos, não existe. Aquele lindo e promissor projecto por que muitos se bateram e deram os melhores anos das suas vidas, hoje não passa de uma miragem juridico-política, uma ficção geográfica e uma falência sócio-económica. A suposta «nação negra» livre, dignificada, instruída, educada e capaz de ter uma vida longa e saudável, não existe. Os afros continuam a ser tratados como um aglomerado amorfo de indivíduos indignos de uma valorização integral.

José Maria Huambo

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Deixem o Povo do Huambo em Paz!

Tirem as mãos do Huambo e deixem os filhos desta martirizada Província viverem em paz!

Esses burlões ao serviço dos obscuros interesses do MPLA e da UNITA só podem ter perdido a vergonha e a memória! Como é que, depois de tudo o que fizeram, ainda têm a coragem de irem ao Huambo fazerem passeatas e apresentarem-se como os salvadores da Província, os mais idóneos para sarar as feridas que ainda sangram, os maiores pacifistas de Angola e os grandes impulsionadores do desenvolvimento e da reconstrução desta martirizada província?

Nem a UNITA nem o MPLA estão a altura das novas exigências desta importante e estratégica região. Entre 1975-2002, eles conseguiram fazer com que o Huambo passasse de uma das mais importantes províncias de Angola, para uma das mais devastadas. De uma das mais prósperas regiões do país, para um dos piores lugares para um ser humano sobreviver. De uma das terras mais pacíficas, para a mais politizada e militarizada. A grande e bela cidade que esteve para ser a capital da então colónia foi literalmente riscada do mapa e deixou de figurar na lista das principais cidades do país. Por isso, nenhum deles tem idoneidade moral para falar de paz, desenvolvimento e reconciliação. Todos eles fazem parte de um doloroso passado que deve estar sempre bem presente na definição do futuro da Província do Huambo.

O que podem trazer de novo para o povo do Huambo esses abutres políticos que sobrevivem sob a bandeira do MPLA e que fizeram da guerra um negócio lucrativo e prosperaram à custa da fome, do sofrimento, do sangue e da morte dos seus compatriotas? Para o poderoso regime de Luanda, os filhos do Huambo nunca passaram de meros instrumentos de conquista e conservação do poder e marionetas de estimação ao serviço dos seus obscuros interesses.

O que podem trazer de novo para o povo do Huambo esses abutres políticos que sobrevivem sob a bandeira do Galo Negro e que fizeram carreira à custa da fome, do sofrimento, do sangue e da morte dos seus compatriotas? É que, apesar de a sua base de apoio político-militar estar, tradicionalmente, implantada entre os ovimbundos, a UNITA foi o movimento de libertação que mais duramente fustigou, dizimou, mutilou, atormentou e depauperou os filhos do Huambo. Esses impunes criminosos que sempre se acharam donos e senhores do Huambo dedicaram parte da sua famigerada ferocidade a degradarem a região do planalto e a destruírem a cidade. Agora, nem querem saber desta obra-prima da sua aventura belicista. Todos fogem do profundo abismo que criaram para o povo do Huambo. Nenhum deles quer viver na cidade que, insensatamente, destruíram e debandaram todos para Luanda.

Não! O destino dos sobreviventes das hecatombes do Huambo não pode continuar nas mãos destes abutres políticos que durante 27 anos atormentaram e infernizaram as suas vidas. Para os fanáticos sequazes do MPLA e da UNITA, a força ideológica que professam sempre esteve acima da dignidade dos Angolanos e a supremacia político-militar que violentamente pretendiam impor era-lhes mais preciosa do que as vidas dos seus irmãos. Eles enganaram os compatriotas com mentiras e utopias e desencaminharam os filhos do Huambo com vãs esperanças. Por causa deles a impiedade e a intolerância estenderam-se por todo o Planalto Central como uma terrível praga.

Assim, o Huambo tornou-se num vergonhoso palco de disputas ferozes e sangrentas pela supremacia político-militar. “A terra era do mais forte; aquele que se fazia temer é que nela se estabelecia” (Job 22, 8). Por isso, a nossa Província foi invadida por uma forte multidão de fanáticos que eram intensamente cruéis e desprovidos de piedade. Chegaram, destruíram a nossa região, arrasaram as nossas aldeias, as nossas vilas, a nossa cidade e os seus habitantes foram exterminados como moscas. Na sua fúria desenfreada, os belicistas do MPLA e da UNITA converteram uma imensa terra de delícias e paradisíacos lugares em áridos e desolados desertos. Não havia paz para nenhum ser vivente. Ninguém passava pelas estradas e os caminhos ficaram desertos. Diante da sua força avassaladora tremiam os cidadãos indefesos, todos os rostos empalideciam e por toda a parte havia desolação e ruína, fome e doenças.

Como sofreram os filhos do Huambo, como sofreram! A maldita guerra devastou as suas vidas, lançou-os na desolação e tornou penosa a sua passagem por este mundo. Em vez de viverem condignamente a sua fugaz peregrinação terrena, passaram a existir somente para contemplar amargos sofrimentos e imensas misérias. Por causa da insensatez dos obcecados abutres, a terra do Huambo embriagou-se de sangue e por toda a parte ouviam-se as lamentações dos que choravam, silenciosamente, os seus mortos dilacerados pelas balas e devorados pela fome. Do profundo abismo erguiam-se os gritos dos inúmeros moribundos e a alma dos feridos clamava por socorro. Mas toda a esperança de salvação lhes era arrebatada e não encontravam nenhum auxílio. Por isso, grandes e pequenos pereceram de horrores da guerra, de fome e de moléstias mortais. Sem pranto nem sepultura, jazeram como esterco sobre a face da terra. Não tiveram enterro decente, nem foram chorados com dignidade e os seus cadáveres serviram de pastos às aves do céu e aos animais da terra (Jeremias 16, 4-6).

Os que foram poupados pela morte naufragavam num imenso vale de lágrimas. O medo e o terror apoderavam-se diariamente deles, sacudindo todos os seus ossos. Acorrentados, oprimidos nos laços da miséria, jaziam na indigência sem consolação e os males que lhes roíam não descansavam. Reduzidos a nada pela miséria e pela fome, roeram intragáveis raízes como quem comia saborosos manjares e colhiam ervas e cascas debaixo dos bosques, levando-as como preciosos alimentos. A extrema fome que se fazia sentir transformou cães e gatos em nutritivos alimentos e alguns, em profundo desespero, chegaram a comer carne humana e restos das placentas e das membranas expulsas após os partos. Em lugar de pão tinham contínuos suspiros e os seus gemidos derramavam-se como água. Não tinham paz nem sossego e os seus infindáveis tormentos roubava-lhes o descanso. Seus olhos não viam senão amarguras, eram consumidos pela tristeza e os seus rostos estavam entumecidos de tanto chorarem. “Se pudessem pesar as suas aflições e angústias, se pudessem pôr numa balança os seus infortúnios e sofrimentos, de certeza que pesariam mais dos que as montanhas” (Job 6, 2-3) e bem podem exclamar como o Profeta Isaías: “Se o Senhor dos Exércitos não nos tivesse conservado um resto, teríamos sido como Sodoma, seríamos agora como Gomorra” (Isaías 1, 9).

Aproveito esta soberana ocasião para prestar a minha magna e rendida homenagem aos heróis que ousaram permanecer no Huambo e que nunca abandonaram a nossa terra. Admiro-vos porque apesar terem sentido na pele até onde pode ir a crueldade humana, apesar destes dolorosos anos de penosa atravessia no deserto, grandes tormentos, terríveis perseguições, inumanas privações e imensas dificuldades, não perderam o humanismo, preservaram a dignidade, cultivaram a fraternidade, acreditaram na força do amor, guardaram a fé e mantiveram a esperança e a férrea vontade de viver.

José Maria Huambo