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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Porque é Que os Dirigentes não Conseguem Pôr Luanda em Ordem?

O caótico e degradante estado da cidade de Luanda apresenta-se como o microcosmo exemplar das enormes dificuldades que os angolanos enfrentam na condução do seu destino colectivo. Trata-se, afinal, de um problema cultural e que já dura há 500 anos.

Para ajudar-nos a analisar as causas e consequências dos problemas de Luanda, escolhemos esta fotografia da bela Avenida dos Combatentes, exemplo vivo de como era a capital do país antes da independência.

A projecção, ordenamento, construção, organização, gestão e administração de uma cidade obedecem a técnicas e regras inventadas, desenvolvidas e melhoradas pelo génio humano e brilhante trabalho de várias civilizações e que os europeus levaram para os novos mundos de que África fazia parte.
Assim, fascinados pelos hábitos e pelos aspectos materiais da vida que os europeus exibiam, os nativos de Angola começaram a alimentar o desejo de serem como os colonos: falar como eles, conviver com eles e aprender com eles.

Esse desejo de absorver os hábitos e as técnicas dos colonos fazia parte de um processo normal de evolução que os humanos sempre praticaram.

Por exemplo: os gregos evoluíram convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria dos antepassados que foram adaptadas, melhoradas e transmitidas pelos fenícios e egípcios. Os gregos transmitiram essas técnicas aos romanos. Estes adoptaram-nas, melhoraram-nas e transmitiram ao cristianismo. A civilização cristã absorveu e melhorou as velhas técnicas que herdou dos romanos e as transmitiu aos europeus. Estes pegaram nas técnicas que compõem o vasto património cultural da humanidade e levaram para África.

E seria, por isso, natural que os africanos quisessem evoluir convivendo e absorvendo as técnicas e a sabedoria da civilização europeia. Mas tal não aconteceu. Porque os colonos, mediante complicados e sofisticados sistemas de justificação, afastaram os africanos dos centros de aprendizagem das técnicas de planeamento, urbanização, construção, gestão, administração e conservação de uma cidade.

Assim, em 500 anos de presença portuguesa nenhum negro de Angola chegou a ser presidente da Câmara de Luanda ou director dos grandes departamentos da Câmara. Enfim, nenhum indígena chegou a marcar presença nos lugares cimeiros de gestão e administração da cidade.

Isto foi fatal para a Angola independente. Porque os dirigentes que passaram a administrar a cidade capital faziam parte do grupo de guerrilheiros que nada percebia de projecção, planificação, urbanização e gestão de uma urbe como Luanda.

Vejamos o que disse o Presidente Eduardo dos Santos nos inícios dos anos 80 durante um comício no Lubango:

Nos primeiros anos da nossa independência nós fomos promovendo compatriotas e camaradas para muitos postos de direcção e de responsabilidade, muitas vezes sem o conhecimento técnico exigido, sem o conhecimento técnico necessário (..) Promovemos apressadamente alguns operários para a direcção de empresas, para a direcção de alguns serviços públicos e nem sempre eles tinham a capacidade técnica para resolver os problemas.

Mas o pior não é isso. O mais grave é que há 30 anos que o Presidente insiste em promover e nomear Comissários e Governadores notoriamente incompetentes e que implantaram nas estruturas do Governo Provincial de Luanda um poderoso sistema circulatório de péssimos hábitos de planificação, gestão, administração e conservação da cidade capital.

E o mau hábito dos dirigentes procurarem a solução privada dos problemas que afectam a cidade de Luanda é, de longe, aquele que mais se destaca. Assim e seguindo os maus exemplos dos nossos dirigentes, cada um de nós procurou apenas criar e desenvolver a sua «própria Luanda»: Demarcamos o nosso território. Escolhemos os nossos cidadãos. Erguemos a nossa própria rede de fornecimento de luz eléctrica e de abastecimento de água e passamos a cuidar apenas da nossa casa ou apartamento.

E levados pela exclusiva procura do nosso próprio bem-estar, desenvolvemos uma impressionante indiferença pelas condições da Luanda dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, dos conterrâneos e de todos os angolanos.

Por causa disto, a Avenida dos combatentes, que era um dos orgulhos dos luandenses, transformou-se nesta dolorosa imagem de caos, degradação e desorganização:

O lastimável estado desta importante artéria da capital faz parte do vergonhoso património de inúmeros problemas que afligem a cidade de Luanda. Trata-se de situações que afectam, gravemente, a qualidade de vida dos luandenses, a imagem de Luanda e o bom nome de Angola.

E ninguém consegue pôr Luanda em ordem porque os graves problemas foram politizados. Assim, são tidos como apoiantes do Governo, bons cidadãos e luandenses exemplares aqueles que viverem indiferentes à miséria, ao caos e à degradação da cidade. E os conscientes cidadãos que ousarem chamar a atenção dos constrangedores problemas de Luanda são tidos como detestáveis apoiantes da oposição, fracos patriotas e maus luandenses.

Por isso, os problemas se arrastam e Luanda continua mergulhada no caos e a definhar numa vergonhosa degradação.

José Maria Huambo