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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Estamos a Contribuir Para a Reconstrução do Colonialismo

Nasci em 1972. A proclamação da Independência de Angola apanhou-me na inocência dos meus 3 anos. Portanto, não vivi o colonialismo nem tenho a exacta noção de como era Angola portuguesa. Comecei a escola primária na mesma semana da morte de Agostinho Neto. Estávamos em plena época de politização das massas populares, da eliminação de todas as sequelas do colonialismo, da formação do homem novo e do rumo ao socialismo científico. Por isso, passei grande parte da minha infância em comícios e em sessões de politização e esclarecimento.

Lembro-me que o tema preferido dos politizadores da época era denegrir o sistema colonial português. Para eles, todos os problemas da Angola Independente existiam por exclusiva culpa dos colonialistas. Assim, em toda a minha caminhada escolar ensinaram-me a odiar os colonialistas portugueses e o seu sistema de exploração, de humilhação e de exclusão dos filhos de Angola.

Mas naquele tempo éramos pioneiros da OPA. Éramos crianças e pensávamos como crianças. Por isso, acreditávamos piamente na diabolização do colonialismo português e na capacidade dos angolanos construírem uma Angola unida, justa e muito próspera.

Agora que somos adultos está claro para nós que passamos a nossa infância a ser enganados pela propaganda do regime dominante. Porque o sistema colonial continua vivo e eficaz. Os colonialistas nunca chegaram a abandonar Angola. Estão apenas mais escuros dos que outros.

Porque os «libertadores» que combateram arduamente o colonialismo português, odiavam o imperialismo com todas as suas forças e estavam na primeira linha do obcecado combate contra «o neocolonialismo», tornaram-se, rapidamente, nos novos «colonos» da Angola «independente» e tiveram o descaramento de manter incólumes e inalteráveis os vícios sociais bem como o quadro discriminatório, opressivo e explorador do sistema colonial português.

Portanto, nunca houve, entre nós, um verdadeiro processo de descolonização das mentalidades, das consciências, dos hábitos sociais, das estruturas políticas, administrativas e económicas. Nunca fomos capazes de erguer, com a preciosa ajuda dos estrangeiros de boa vontade, uma Angola de angolanos, com angolanos e para os angolanos.

E mesmo nesta fase propícia que o nosso país atravessa, não temos feito algo de extraordinário pelos nossos e pela terra que muito amamos. Estamos todos a desperdiçar energias, talentos e conhecimentos na reconstrução e rejuvenescimento do velho sistema que sempre marginalizou, desvalorizou e prejudicou os filhos de Angola.

E custa-nos contemplar esta reconstrução maciça do colonialismo que aprendemos a odiar e a combater. É que tanta energia foi dispendida para expulsar da «nossa terra» os «exploradores colonialistas». Tantos filhos de Angola foram torturados, mutilados e barbaramente ceifados em nome de uma suposta luta contra o «neocolonialismo», contra a «neocolonização russo-cubana» e em nome de um pretenso combate para impedir que o «nosso» país fosse dominado pelo «imperialismo internacional e seus lacaios». Depois do 25 de Abril de 1974 inúmeros brancos nascidos ou radicados em Angola foram «saneados» em nome de uma suposta «africanização dos quadros». Gerou-se tanta polémica em torno do destino jurídico dos «colonos». Falou-se bastante da questão da nacionalidade angolana dos brancos.

Mas, quase 35 anos depois da nossa pretensa «independência» dolorosamente constatamos que continuamos a sobreviver numa terra dominada por uma poderosíssima minoria estrangeira e que afinal tudo não passou de um patriotismo mal envernizado e de uma gritante hipocrisia de alguns ambiciosos astutamente mascarados de nacionalistas.

Assim, como não houve descolonização, continuamos a ser dominados por um profundo complexo de inferioridade que nos leva a endeusar o estrangeiro e a uma sobrevalorizar tudo o que vem do exterior.

Como não houve descolonização, continuamos a sobrevalorizar tudo o que é produzido e consumido no estrangeiro. Por isso, preferimos esbanjar o nosso dinheiro no Estrangeiro. Só que esse nosso comportamento de gente complexada está a atrasar Angola. Esta nossa vaidade está desvalorizar e a prejudicar os angolanos. Porque com o imenso dinheiro que esbanjamos na África do Sul, Namíbia, Brasil, Dubai e nos principais países da Europa estamos a fortalecer as economias e a enriquecer os habitantes desses países. Assim, cada vez que vamos a Lisboa esbanjar dinheiro nas lojas do Rossio ou do Colombo estamos na verdade a fortalecer a economia portuguesa e a enriquecer os comerciantes de Lisboa. Enfim, estamos a contribuir financeiramente para que o estado português continue a ter muitas receitas que irão contribuir para que os seus cidadãos possam ter boa vida; viver mais tempo; aumentar os seus conhecimentos.

Como não houve descolonização, os nossos dirigentes e os nossos ricos continuam indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e persistem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Por isso, preferem arrancar o dente na África do Sul, fazer análises no Brasil e frequentarem as clínicas de Portugal, Espanha e Inglaterra para serem bem cuidados e aumentarem mais uns anos de vida.

É que com essas atitudes estão a contribuir para o atraso do País e para a perpetuação do sistema colonial. Porque não estão a acreditar nas capacidades dos angolanos. Estão a passar um enorme e bem vistoso atestado de incompetência aos seus compatriotas que estudaram enfermagem e medicina. Estão a dizer ao mundo que os angolanos não sabem governar-se e não têm capacidade de criar condições para que possam ser tratados com humanismo e dignidade em Angola, em Hospitais angolanos e por médicos angolanos. Estão a negar aos compatriotas que não têm possibilidades de irem tratar-se nas clínicas do estrangeiro o direito de receberem a assistência médica e medicamentosa que merecem para poderem usufruir de uma vida longa e saudável.

O pior de tudo é que o imenso dinheiro que os angolanos deixam nas clínicas privadas da Namíbia, África do Sul, Brasil, Portugal, França Espanha e Inglaterra estão a enriquecer os gestores, os administradores, os médicos, os enfermeiros e outro pessoal dessas clínicas. O imenso dinheiro de Angola está a fortalecer a economia e o sistema de saúde desses países. Enfim, os angolanos estão a contribuir financeiramente para que os dirigentes desses países continuem a proporcionar aos seus cidadãos uma vida longa, feliz e saudável.


José Maria Huambo