Lembro-me que o tema preferido dos politizadores da época era denegrir o sistema colonial português. Para eles, todos os problemas da Angola Independente existiam por exclusiva culpa dos colonialistas. Assim, em toda a minha caminhada escolar ensinaram-me a odiar os colonialistas portugueses e o seu sistema de exploração, de humilhação e de exclusão dos filhos de Angola.
Mas naquele tempo éramos pioneiros da OPA. Éramos crianças e pensávamos como crianças. Por isso, acreditávamos piamente na diabolização do colonialismo português e na capacidade dos angolanos construírem uma Angola unida, justa e muito próspera.
Agora que somos adultos está claro para nós que passamos a nossa infância a ser enganados pela propaganda do regime dominante. Porque o sistema colonial continua vivo e eficaz. Os colonialistas nunca chegaram a abandonar Angola. Estão apenas mais escuros dos que outros.
Porque os «libertadores» que combateram arduamente o colonialismo português, odiavam o imperialismo com todas as suas forças e estavam na primeira linha do obcecado combate contra «o neocolonialismo», tornaram-se, rapidamente, nos novos «colonos» da Angola «independente» e tiveram o descaramento de manter incólumes e inalteráveis os vícios sociais bem como o quadro discriminatório, opressivo e explorador do sistema colonial português.
Portanto, nunca houve, entre nós, um verdadeiro processo de descolonização das mentalidades, das consciências, dos hábitos sociais, das estruturas políticas, administrativas e económicas. Nunca fomos capazes de erguer, com a preciosa ajuda dos estrangeiros de boa vontade, uma Angola de angolanos, com angolanos e para os angolanos.
E mesmo nesta fase propícia que o nosso país atravessa, não temos feito algo de extraordinário pelos nossos e pela terra que muito amamos. Estamos todos a desperdiçar energias, talentos e conhecimentos na reconstrução e rejuvenescimento do velho sistema que sempre marginalizou, desvalorizou e prejudicou os filhos de Angola.
E custa-nos contemplar esta reconstrução maciça do colonialismo que aprendemos a odiar e a combater. É que tanta energia foi dispendida para expulsar da «nossa terra» os «exploradores colonialistas». Tantos filhos de Angola foram torturados, mutilados e barbaramente ceifados em nome de uma suposta luta contra o «neocolonialismo», contra a «neocolonização russo-cubana» e em nome de um pretenso combate para impedir que o «nosso» país fosse dominado pelo «imperialismo internacional e seus lacaios». Depois do 25 de Abril de 1974 inúmeros brancos nascidos ou radicados em Angola foram «saneados» em nome de uma suposta «africanização dos quadros». Gerou-se tanta polémica em torno do destino jurídico dos «colonos». Falou-se bastante da questão da nacionalidade angolana dos brancos.
Mas, quase 35 anos depois da nossa pretensa «independência» dolorosamente constatamos que continuamos a sobreviver numa terra dominada por uma poderosíssima minoria estrangeira e que afinal tudo não passou de um patriotismo mal envernizado e de uma gritante hipocrisia de alguns ambiciosos astutamente mascarados de nacionalistas.
Assim, como não houve descolonização, continuamos a ser dominados por um profundo complexo de inferioridade que nos leva a endeusar o estrangeiro e a uma sobrevalorizar tudo o que vem do exterior.
Como não houve descolonização, continuamos a sobrevalorizar tudo o que é produzido e consumido no estrangeiro. Por isso, preferimos esbanjar o nosso dinheiro no Estrangeiro. Só que esse nosso comportamento de gente complexada está a atrasar Angola. Esta nossa vaidade está desvalorizar e a prejudicar os angolanos. Porque com o imenso dinheiro que esbanjamos na África do Sul, Namíbia, Brasil, Dubai e nos principais países da Europa estamos a fortalecer as economias e a enriquecer os habitantes desses países. Assim, cada vez que vamos a Lisboa esbanjar dinheiro nas lojas do Rossio ou do Colombo estamos na verdade a fortalecer a economia portuguesa e a enriquecer os comerciantes de Lisboa. Enfim, estamos a contribuir financeiramente para que o estado português continue a ter muitas receitas que irão contribuir para que os seus cidadãos possam ter boa vida; viver mais tempo; aumentar os seus conhecimentos.
Como não houve descolonização, os nossos dirigentes e os nossos ricos continuam indiferentes ao desumano estado da saúde nacional e persistem no sustento de uma rede privada de cuidados de saúde. Por isso, preferem arrancar o dente na África do Sul, fazer análises no Brasil e frequentarem as clínicas de Portugal, Espanha e Inglaterra para serem bem cuidados e aumentarem mais uns anos de vida.
É que com essas atitudes estão a contribuir para o atraso do País e para a perpetuação do sistema colonial. Porque não estão a acreditar nas capacidades dos angolanos. Estão a passar um enorme e bem vistoso atestado de incompetência aos seus compatriotas que estudaram enfermagem e medicina. Estão a dizer ao mundo que os angolanos não sabem governar-se e não têm capacidade de criar condições para que possam ser tratados com humanismo e dignidade em Angola, em Hospitais angolanos e por médicos angolanos. Estão a negar aos compatriotas que não têm possibilidades de irem tratar-se nas clínicas do estrangeiro o direito de receberem a assistência médica e medicamentosa que merecem para poderem usufruir de uma vida longa e saudável.
O pior de tudo é que o imenso dinheiro que os angolanos deixam nas clínicas privadas da Namíbia, África do Sul, Brasil, Portugal, França Espanha e Inglaterra estão a enriquecer os gestores, os administradores, os médicos, os enfermeiros e outro pessoal dessas clínicas. O imenso dinheiro de Angola está a fortalecer a economia e o sistema de saúde desses países. Enfim, os angolanos estão a contribuir financeiramente para que os dirigentes desses países continuem a proporcionar aos seus cidadãos uma vida longa, feliz e saudável.
José Maria Huambo